O nome dela pode ser Renata. Suponha que formou-se aos 22 anos em secretariado executivo, numa faculdade não muito longe de casa, custeada tanto pelo auxílio dos pais quanto pelo próprio esforço. Ela teve alguns empregos durante o curso. O mais estável deles foi numa agência de eventos, onde ainda estava quando se graduou, que realizava modestas formaturas universitárias (ela foi responsável pela formatura da própria turma), casamentos em áreas pouco abastadas e festas infantis bem aquém da opulência que vemos nas novelas do horário nobre. Sempre teve o que comer, o que vestir, onde estudar, onde dormir. Sempre morou na mesma casa. É a mais velha de duas filhas. Seu pai formou-se contador e era funcionário público (aposentado), e sua mãe costura para fora.
Ela perdeu o emprego. A agência fechou. Ela aceitou o primeiro bico que apareceu. Demonstradora numa feira erótica. Manequim de lingerie. "Vamo lá, você tem o corpo bonito, não quero ir nessa sozinha", disse a ela uma amiga também desempregada. Esta amiga, 14 meses depois da tal feira erótica, passaria num concurso público ― para o qual estudou dez meses com afinco ― e seria transferida para outra cidade. Contato só virtual.
Nada de mais aconteceu durante a feira. Ao contrário do que pensou quando a amiga a convidou para o trabalho, o ambiente lá era dos mais profissionais (o que não a livrou das cantadas baratas, às quais toda mulher está sujeita, seja onde for). Mas, no segundo dia de trabalho, conheceu uma mulher educada, aparentando uns quarenta anos, que lhe elogiou a beleza e lhe deu um cartão de visitas, onde leu Fulana de Tal, caça-talentos, telefone.
Esse encontro tão despretensioso abriria um novo mundo a Renata. Um mundo no qual ela pode bancar a faculdade que faz hoje, fisioterapia; no qual ela pode morar bem, um flat só para ela; no qual ela pode ajudar a família a ter um pouco mais de conforto. Aos 25 anos de idade, Renata é garota de programa e faz aparições na indústria pornô brasileira.
Demorou para que seus pais aceitassem sua atividade profissional (eles não sabem da prostituição). Muitas brigas, muitas conversas. Mas ela deixou claro que é uma atividade temporária. Ela tem para si que o pornô é só uma maneira de "se colocar na vitrine" e poder cobrar mais caro pelos programas.
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A história da nossa personagem Renata poderia ser uma das histórias reais do livro Nas redes do sexo ― Os bastidores do pornô brasileiro, de María Elvíra Díaz-Benítez (Jorge Zahar, 2010, 240 págs). Renata ilustra bem o quanto de clichê e de verdade há na vida de quem ingressa no pornô. Ela quebra o preconceito dos mais retrógrados, aqueles que desclassificam quem trabalha com pornô ― mas que não param de consumir seus filmes ― porque não há nada traumático na vida dela que a tenha feito escolher este "negócio sujo". Infelizmente, o mesmo não se pode dizer dos atores gays, em alguns casos, e, na maioria deles, dos travestis: pessoas que sofrem preconceito de forma cruel, desde dentro de casa.
Renata personifica um comportamento habitual dos performers do pornô: o de que fazer sexo por dinheiro em frente às câmeras é um meio de bancar projetos de vida ― o pornô em si não é um projeto de vida, pelo menos não é para maioria das mulheres. Renata dá exemplo de duas realidades: a de que não é tão fácil viver do pornô no Brasil e a de que a prostituição de luxo é um ramo paralelo rentável e confortável.
Não existia na nossa indústria do entretenimento a figura da porn star. Figuras como Jenna Jameson, Janine Lindemulder, Silvia Saint. São estrelas genuinamente pornôs. Recentemente, tendo por desbravador Alexandre Frota, muitas celebridades decadentes emprestaram sua fama a produções eróticas. Esta "migração", digamos, não diminuiu o desdém hipócrita em relação aos atores e atrizes pornôs, porque as tais celebridades fazem incursões rápidas nesse meio (da mesma forma como almeja Renata), deixando claro que é indigno viver disso, ou mesmo ter uma carreira longeva. Não há, no pornô nacional, atrizes genuinamente pornôs com a longevidade de uma Nina Hartley. Hoje, Mônica Mattos é a atriz pornô brasileira que encarna a porn star nos moldes profissionais como conhecemos noutros países. (Curiosamente, o status de porn star é conferido a mulheres e atores gays. Atores heterossexuais como Rocco Siffredi são exceções.)
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María Elvíra Díaz-Benítez, antropóloga, a autora do Nas redes do sexo, pesquisou durante dois anos a indústria pornô brasileira onde ela é mais forte, São Paulo. Trabalhou com os três tipos principais de filmes eróticos: hétero, gay e travesti. Por meio da observação participante, Díaz-Benítez escreveu um livro esclarecedor. Um estudo antropológico, escrito em linguagem acessível e repleto de notas, sobre como funciona o milionário mundo do sexo audiovisual, desde a hora em que são recrutados novos performers até o momento em que o consumidor final verá o desempenho deles na tela.
Desempenho é a palavra-chave. É o que liga todos os elos da cadeia de produção do pornô. O espectador tem sede de desempenho, os atores e atrizes têm sede de desempenho, assim como os diretores. O filme erótico é a espetacularização do sexo, feita tanto para quem carece de desempenho quanto para quem emula o que vê na tela.
Essas atividades eróticas, pornográficas, fazem parte de um comércio e de um mercado no qual o objeto da venda e o obejto do desejo do comprador é simplesmente o corpo humano.
A galera que cresceu aprendendo sexo com vídeo pornô não sabe lidar com uma mulher de verdade na cama. Na vida real mulher não gosta de ser "pegada" nem de "pegar" do jeito que aparece nesse tipo de vídeo. Aí abrem-se as portas do brejo dentro do relacionamento. Pior - o homem também não gosta, só que, se foi assim que aprendeu, demora um tempo para desaprender e aprender a ter uma relação mais quente, bem mais quente e apimentada do que o que se mostra nesses vídeos.