Aposto que a maioria dos leitores do Digestivo não é influenciada na hora de votar pelo tamanho do bigode ou do nariz do político na charge desenhada pelo cartunista de preferência. Discípulo do movimento Vaudeville ou merecedor de uma rinoplastia, o candidato caricaturado, chargeado ou, nos termos do retratado, ridicularizado, deveria ter algo mais a oferecer do que a própria ignorância diante da piada: um plano de governo. Ou, se não for exigir muito, uma ideologia que consiga manter pelo menos até o final do mandato, sem que sua coerência seja usada apenas para transformar os erros repetidos em princípios.
As coisas andam feias neste inverno que precede as eleições para presidente, governador, senador, deputado federal e deputado estadual (ufa!). Se você não sabe em quem vai votar para chefiar o Executivo do país ou de seu Estado, aposto que também não sabe em quem vai votar para representá-lo no Legislativo federal e estadual. Tudo bem. Os candidatos também não ajudam na escolha, não é mesmo? Mas você se lembra em quem votou na última eleição para esses cargos do Legislativo? Se você não se lembra, talvez tenha votado em algum dos candidatos envolvidos nas dezenas de escândalos que aconteceram nos últimos quatro anos. Afinal, pela lógica, você também não poderia ter cobrado ninguém, certo? Compra de votos é coisa do passado, o negócio agora é apostar no eleitor que sorteia o candidato.
Nessa aleatoriedade que muda os nomes e repete os procedimentos, o eleitor escolhe o próximo cacareco ocupante de uma cadeira que custa, anualmente, no Congresso, a bagatela de R$ 1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil reais), segundo levantamento do siteCongresso em Foco. Eleger um sujeito despreparado para deputado federal equivale a queimar quase cinco milhões de reais em quatro anos. É a maior piada do mundo depois da entrega da Tchecoslováquia a Hitler, por Chamberlain, no Acordo de Munique em 1938. Alguém aí acredita nas boas intenções de quem promete descobrir as atribuições de um deputado se for eleito para o cargo?
Esse voto escrachado, de protesto, contrasta com o rigor cobrado do cidadão na hora de exercer a cidadania. Enquanto o candidato cacareco gasta o tempo sendo engraçadinho, tirando uma casquinha no horário eleitoral para aumentar seu status de celebridade, o eleitor é obrigado a votar. Sim, obrigado. Se não votar e não justificar a ausência pode sofrer diversas sanções. Já o candidato com ficha suja, quem sabe, poderá ser eleito e se manter no mandato numa sucessão de recursos e liminares que postergam o julgamento das ações até o final do mandato. O exercício da cidadania reduziu-se a um processo burocrático de comparecimento coercitivo e processamento de dados. Eficiência e ética respiram artificialmente e o eleitorado pretende desligar os aparelhos no dia da eleição? Aguarde mais quatro anos de escândalos.
E a oposição? Não seria seu papel contrapor-se à situação e apresentar os problemas e suas soluções para o país? A resposta óbvia não aparece. Ninguém quer desagradar os seguidores da situação. Todos os partidos, exceto os revolucionários, querem se manter colados à imagem do homem que já está lá. A discussão dos candidatos nas eleições não é mais sobre programas de governo ou reformas, mas apenas sobre suas origens humildes e revolucionárias, o tempo romântico em que cada um trabalhou com muita garra e perseverança para ingressar na política e lutar por um país melhor. Depoimentos de amigos e parentes sobre as qualidades do candidato e sobre a vida dura que levou, como todo brasileiro. Seremos governados por alguém que apresentou as mesmas propostas de um candidato ao Big Brother, com eliminação a cada quatro anos.
Na hora de votar, lembre-se de que a grande maioria dos partidos integrou o poder nos últimos treze anos e nenhum deles sequer cogitou a ideia de revogar o trecho da Lei 9.504, de 1997, que proíbe a manipulação de som e imagem para ridicularizar candidatos durante as eleições. Considerando a inexistência de candidatos que desconfiam da inteligência do eleitor, seja através de piadas sem graça ou de candidaturas pautadas pelo oportunismo de um foro privilegiado ― para varrer debaixo do tapete todo tipo de processo ― seria injusto permitir ao eleitorado o prazer de se divertir livremente com a criatividade dos perigosos humoristas. O inverso é possível, ainda que você tenha a escolha de desligar a televisão ou o rádio, afinal, pior do que está, a programação não fica.
E o cenário pode piorar. Enquanto chancelamos todas essas barbaridades nas urnas, o país caminha para a tão falada mexicanização: a manutenção de um governo sem oposição capaz de pressionar o partido da situação. No futuro, próximo ou remoto, o desestímulo da participação democrática pela manutenção do status quo e a falta do debate podem transformar o poder num balcão de negócios pessoais e aumentar a influência de esferas paralelas de poder, como as facções criminosas que colocaram o México quase numa guerra civil. É o suficiente para você levar a eleição a sério?
Os candidatos dificultam a escolha por conta de sua absoluta falta de ideologia, programa e objetivos de governo, além da confiabilidade. De repente e do nada, atletas de futebol aparecem como "defensores do povo". Um comediante avisa que, se "representar o tal povo", pior do que está não vai ficar. Um pugilista garante que, se eleito, agride e massacra por conta de qualquer coisa que entenda como errado. Sindicalistas transformam-se em lobbistas de suas agremiações, empresários defendem suas corporações, funcionários protegem os próprios interesses... Para quem não é empresário, funcionário ou sindicalizado ingênuo, a coisa fica bem difícil. Para um eleitorado com 50% sem o segundo grau, e 16% de analfabetos, sobram as promessas de "casa própria grátis para todos", hospitais com médicos trabalhando, segurança e justiça eficaz.
Emprego e renda... Pode piorar? Vamos ver, mais uma vez.