Nos idos de 2000 ou 2001, um amigo me enviou, por e-mail, um link, um login e uma senha. Junto com o convite, vinham as intruções de como escrever naquele negócio. Não era um site, não era uma conta de e-mail. Era um blog. Uma coisa com nome engraçado que servia para a gente escrever o que quisesse e publicar, sem depender de programador especialista.
O amigo era o Corvo, que abriu o blog e chamou uma turma para escrever ali. Na verdade, eu e ele éramos os mais assíduos. Com o tempo, os outros desistiram e a empreitada ficou mesmo para nós. O fenômeno blog ainda nem era muito badalado e a gente se divertia, cada um num estado do país, escrevendo textos sobre comportamento e bobagens que provocavam discussão.
A discussão mesmo, o debate, vinha na forma dos comentários dos leitores. Era uma turma de pessoas, também de vários cantos do Brasil, que se conhecia dos chats do UOL. Essa turma postava centenas (!) de comentários ao texto do dia, debatendo assuntos como sexo, futebol e amizade. Só que, para conseguir colocar comentários no blog, era necessário baixar um programinha gratuito na internet e inserir no código-fonte do setup do blog. A operação era complexa para não-especialistas, mas dávamos conta do recado. Blogs não vinham com ferramentas de comentário automáticas. Grande parte dos blogs era apenas uma página para alguém escrever sozinho, sem a interferência explícita de leitores entusiasmados ou ofendidos.
Vez ou outra, estávamos lá, bem no auge de uma discussão importantíssima, quando a ferramenta de comentários sumia, juntamente com todo o diálogo postado ali. Isso ocorria, muitas vezes, porque o software que dava suporte aos comentários sumia, saía da rede, era extinto, e as caixinhas nos blogs se evaporavam também. Um terror geral.
Uns anos depois da experiência no Corvo, resolvi fazer carreira solo. Abri (lancei, inaugurei, publiquei, não sei que nome é mais adequado ao evento) o Estante de Livros, um blog que servia para muitas coisas, embora nem sempre (e quase nunca) para essa que afirmam os trabalhos acadêmicos: fazer diário virtual. Nada disso. Esse papo, aliás, é engraçado. O Estante era um espaço de falar de literatura contemporânea. Servia para eu exercitar uns microcontos meio atrevidos, mas, principalmente, para entrevistar e resenhar autores que acabavam de publicar seus livros. Giffoni, Pelizzari, Joca Terron, Ivana Arruda Leite e vários outros estavam lá, com seus depoimentos sobre poesia, conto, livro, editora. Pequenas entrevistas e resenhas de livros recém-lançados dividiam espaço com minha série de Kinsey e Glasgow, personagens criados em uma época em que eu editava revistas e livros de medicina.
O Estante tinha ferramenta de comentários. Ele deu o que falar. Foi matéria de jornais impressos e surtiu entrevistas da blogueira (essa palavra era meio ofensiva) na televisão local. O Estante foi mote de crônicas e alvo de críticas. Foi por causa dele também que um autor foi questionado. Na entrevista, o conhecido cronista mineiro fazia uma brincadeira sobre um prêmio por ele recebido. O pessoal da instituição que deu o prêmio levou a piada a sério, questionou, pediu para tirar do ar. Pois sim, essas coisas não são novidade.
O Estante foi habitado até 2003 ou 2004, quando resolvi sair do ar. Ela continua lá, uma espécie de meteorito em órbita, lixo no espaço. De vez em quando, aparece no buscador do Google quando alguém digita meu nome. Mas está quieta, parada, sequer traças comem ali as beiradas dos textos.
Depois do Estante, não me animei mais a blogar. Isso ganhou fama, correu o mundo, virou febre e deu até dinheiro, rezam as lendas. Blogs foram incorporados seriamente pelos jornais e suas versões Web. Blogs viraram assunto de tese nas universidades. E, por fim, viraram matéria e exercício escolar. Nada mal para a trajetória de algo que, no começo, ninguém entendia direito para que servia.
Um dia, fiquei com saudades e abri o Remendo, no WordPress. Chique, com tudo pronto, do melhor e do mais bacana. Blog de responsa, mas não escrevi mais do que uns dois posts nele. Não tinha mais ritmo, fôlego ou tempo mesmo. Não sei. Não era mais meu espaço de expressão.
Isso foi um pouco antes de eu cativar meu espaço no Digestivo. Era 2003 quando Julio Daio me ofereceu um sítio onde cultivar meus textos. Era um site, mas o DC já era um setup fácil de escrever, onde bastava conhecer uns sinaizinhos para itálico ou para abrir parágrafo. Bastavam isso e pontualidade. Compromisso, claro, e a abertura aos comentários dos leitores.
Os blogs viraram outra coisa. Não são mais um espaço inocente para anônimos exercitarem seus dotes. Blogs são um espaço de escrita (na expressão de um pesquisador americano, o J. D. Bolter) importante entre as possibilidades de expressão e publicação de algumas gerações Web. Não apenas esta mais jovem ou uma cheia de apelidos, mas para todas as que se aventurarem pela abertura de um caderno, uma agenda, um diário, um jornal ou simplesmente um sítio digital com características pessoais. Só que, hoje, com muito mais vizinhos.
Infelizmente hoje esse tal boom dos blogs, transformou blogar em uma competição por seguidores, onde antes as pessoas contavam suas emoções ficou a tentativa de dar informações, só que a qualidade foi deixada de lado, quantos não são os blogs por aí com erros monstruosos de português mas com mil seguidores ou mais devido às promoções?!! A realidade tem se tornado angustiante e apavorante :(