Há algumas semanas, estupefatos com o resultado das eleições, analistas políticos, jornalistas, cronistas e até mesmo os leitores de TelePrompTer dos telejornais apontaram os derrotados das eleições 2010: os institutos de pesquisa. Afinal de contas, para ficar no caso da eleição presidencial, o equívoco não previsto pegou quase todo mundo de surpresa, a ponto de até mesmo as lideranças de um determinado partido terem admitido que a vitória era aguardada já para o primeiro turno. Eu tenho certeza de que os institutos de pesquisa têm lá de se explicar, para além das platitudes de sempre, a saber: "pesquisa é retrato; não dá para cravar certeza" etc. Todavia, não há dúvida de que existe um engodo maior a ser desmascarado. O marketing político, tal como figura no imaginário coletivo, é tão somente um arrazoado de lugares-comuns que, sozinho, não é capaz de eleger um candidato qualquer. E isso precisa ser dito com todas as letras, uma vez que, até outro dia, imaginava-se que os marqueteiros eram os senhores do universo. São, no máximo, encantadores de serpentes, incapazes de enxergar o óbvio ululante.
Em 2010, para além das peças de sempre no tocante à publicidade na TV, nas emissoras de rádio, dos programas eleitorais, imaginou-se que, finalmente, o Brasil entraria de cara nas campanhas digitais. Alguém, com pouca ternura (para dizer o mínimo), já disse que "o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil". Então, os marqueteiros adotaram como estratégia a compra de pacotes fechados no tocante às estratégias em mídias digitais. E o resultado foi observar políticos da geração de 1964 meterem os pés pelas mãos na internet. Declarações forçadas, tweets falsos, blogs insossos... tudo isso para captar a audiência virtual, como se, num passe de mágica, os eleitores passassem a se interessar pelos candidatos tão logo eles figurassem na internet. E depois dizem que eles, os marqueteiros, pensam em "estratégias". Abaixo da esputa, o que existe são planos de ação e todo um conjunto de decisões que, ao fim e ao cabo, não têm qualquer impacto, muito menos qualquer ciência que as fundamente. É uma lógica do improviso que seria louvável não fosse o fato desses marqueteiros serem incensados como gênios da raça.
A prova cabal de que os marqueteiros são ídolos de pés de barro é a eleição de Tiririca. De pronto, cabe a pergunta: se esses "gênios" são tão espertos assim, como é que eles não captaram um fenômeno de votos em potencial como o palhaço? Enquanto você, leitor, imagina uma resposta plausível, vale a pena ressaltar que o próprio Tiririca não contou com qualquer aparato profissional de campanha. Dito de outra forma, é evidente que ele tinha, sim, sua equipe de redatores, mas não havia, ali, um James Carville, assessor dos Clinton que cunhou o já clássico "É a economia, estúpidos"; ou, ainda, um Jon Favreau, o redator dos discursos de Barack Obama. Nada disso. Quem escrevia os textos de Tiririca eram os humoristas (!) do Café com Bobagem, programa de humor, que, no seu auge, desfrutava de aparições nos programas dominicais da TV aberta, como Domingão do Faustão e Programa do Gugu, quando este último ainda era transmitido pelo SBT.
A essa altura, alguém poderá dizer que este pobre escriba está atacando apenas os casos mais esdrúxulos. Pois não custa, então, dar uma olhada nas ações das campanhas majoritárias. Não é possível afirmar que o segundo turno aconteceu porque houve uma grande sacada das marketing político. Houve, sim, atividade de outra sorte, desde um corpo-a-corpo feito por internautas (é um oxímoro, eu sei, mas é a verdade: uma série de internautas aparentemente alheios do universo geek se mobilizou na troca de mensagens contra e a favor de determinadas candidaturas, e o resultado surpreendeu os autoproclamados especialistas). Ademais, é preciso mencionar o fato de que as campanhas já são todas elas telegrafadas, uma vez que são reativas aos debates da opinião pública, quando, na verdade, o que deveria ocorrer é exatamente o contrário. Em outras palavras, em tese, os marqueteiros deveriam pautar a discussão da opinião pública, e o que se lê é seguinte: com as famigeradas pesquisas qualitativas em mãos, eles saem à cata desse eleitor de pesquisa de opinião, representante de uma fatia do eleitorado que não necessariamente possui um vínculo com o seu grupo social, por mais que as estratificações e análises cruzadas digam o contrário. O resultado não poderia ser outro a não ser frustração e surpresa quando os votos são finalmente contados. O eleitor a quem se destina o programa eleitoral da TV efetivamente não existe, exatamente porque o programa é imposto (seja na exibição, seja no formato) à revelia do público.
Com isso, estabelece-se um entreato cínico, para tomar emprestado o conceito dos filósofos travestidos de especialistas. O público finge que se comove com a propaganda eleitoral, mas, no fundo, toma suas decisões de maneira cada vez mais subjetiva. Um cândido diria: "o povo não é bobo", enquanto aquele sujeito mais lido acrescentaria: "maiores são os poderes do povo". Meu comentário é mais singelo: os marqueteiros erraram desta vez. E um erro é um erro, é um erro, é um erro. Simples assim.
Transformar candidatos carrancudos, desconectados, desarticulados diante dos jornaistas, inseguros e indecisos em simpáticas criaturas, é obra dos marqueteiros políticos. A qualidade desses pode até ser questionada, mas, a sua existência, nunca... Exemplos fáceis estão aí, disputando o segundo turno! Quem conseguir mostrar uma carinha mais bonitinha, mais sorridente, mais convincente, menos agressiva, mais piedosa, popular, comum, bem ao gosto da maioria do eleitorado vai levar a taça. Tem sido assim. Vai continuar sendo. Não dá para negar a existência do marketing atrás de tudo. O objetivo é atender ao mercado, nesse caso, o eleitorado. O que é que eles querem? O que é que vai "vender"? Vovózinha, administrador, religiosos, piedosos, condescendentes, heroicos... Quando falta carisma e consistência, só chamando o marketeiro. Depois, maquiadores, ensaiadores, ghost-writers, fotógrafos, assessores, boateiros etc etc.
Ficou a impressão, no primeiro turno destas eleições, que meios de comunicação e institutos de pesquisa estavam articulados no projeto de aproximar, mais ainda, as eleições brasileiras daquelas que acontecem no "grande irmão do norte". A mídia queria dar voz apenas aos candidatos que considerava mais "competitivos", e elegeu as pesquisas de opinião como critério para selecioná-los. Além disso, vários telecomentaristas, ou "leitores de teleprompter", vaticinavam que, no segundo turno, com dois candidatos, o debate ficaria melhor e mais aprofundado. A americanização completa, o sonho de ouro da mídia séria, já no primeiro turno, fazer uma cobertura das eleições aos moldes da imprensa dos EUA - tucano X petista, emulando democrata X republicano. Mas havia Marina, e a chance de seus votos levarem a eleição para o sonhado segundo turno, que efetivamente se tornou realidade. E agora? Vemos uma campanha eleitoral ainda pior e um "debate" (?!) de nível mais baixo ainda do que foi o primeiro turno. Não foram só os institutos de pesquisa que se deram mal. Os meios de comunicação, com seu sonho de norte-americanizar de vez a eleição brasileira, também deram com os burros n'água... por enquanto. Voltarão à carga daqui a quatro anos.