Estava mesmo na hora de discutir a relação. Eu andava postergando, com receio de olhar os posts do passado, uma fase em que tudo era novidade, talvez ingenuidade. Se aceitasse o convite, e atendesse ao chamado do Digestivo, um especial sobre blogs, seria obrigada a me deparar com os sonhos me habitavam naquele início. Lembrar dos que se realizaram (os leitores de bom nível), de outros que se mostraram inviáveis (ganhar algum dinheiro com aquilo). Dos temores em relação à exposição ― até hoje uma questão. Precisaria também reconhecer que a minha dedicação se reduzira ultimamente, um reflexo da rotina, sempre ela, a vilã dos relacionamentos.
Mas seria também a oportunidade de olhar as estatísticas, quem sabe me orgulhar da relação afinal estável, apesar dos altos e baixos. Até novembro de 2010, foram três anos e meio ininterruptos, 432 artigos escritos, 667 comentários de 151 usuários. Mais tempo que um namoro. Ao procurar pelos números (clico administração, senha, estatísticas), lembro da remota esperança de me tornar uma pessoa cheia de traquejo tecnológico graças ao blog. A falta de vocabulário para denominar tais pessoas (traquejo tecnológico? O que nerds, geeks ou coisa parecida achariam disso?) denuncia o meu fracasso em relação ao objetivo. Assim como um casamento, um blog não muda ninguém. .
Aproveito para dar uma olhada no "taxímetro" que deixei na primeira página do blog, marcando o número de visitas: mais de 125 mil. Inacreditável, me espanto novamente, como nos tempos em que checava quase todo dia, depois semanalmente, até evitar olhar para não ficar culpada com a produção esporádica, indigna de tantos leitores. Não tenho parâmetros, além dos resultados grandiosos do Digestivo, mas imagino que meus números sejam modestos comparados a blogs mais, digamos, úteis. Ou àqueles que primam pela polêmica ou pela participação dos internautas. No entanto, parecem bons para quem apenas compartilha os próprios textos e esboços de ideias. Viva meus persistentes leitores!
De repente me ocorre, sim, um mérito. Quando comecei, os exemplos bem-sucedidos da chamada blogosfera tinham como atração principal o dinamismo, o compartilhamento do conteúdo que já estava na rede, os posts repletos de links e comentários. Qualquer semelhança com o Twitter e o Facebook ainda inexistentes é mera expressão de tendência. Eu achava aquilo bacana, admirava a capacidade de edição dos grandes blogueiros, mas tinha consciência de que aquela não era a minha praia. Achei a maior graça quando o Interney promoveu um evento chamado "Blogagem inédita", cuja maior dificuldade para participar era fazer um post com... conteúdo original! .
Ok, não faltava conteúdo original ao Espuminha de leite (nome detestado por metade dos amigos, e que fazia algum sentido por causa do antigo subtítulo "dicas, atualidades e assuntos para o café"). Eu também estava satisfeita com o texto entre o jornalístico e o literário (não confundir com jornalismo literário), próximo do gênero "crônica", que mais parecia se adequar à minha ideia de internet naqueles tempos. Como exercício de escrita, não restava dúvida: fazer um blog valia a pena. Mas eu percebia subutilizar outras potencialidades da rede: queria aumentar a interatividade, melhorar o visual do blog, queria aprender a linkar...
"Jornalista não sabe lincar". Eu li a provocação ― e vesti a carapuça ― num raro site que, como eu, achava normal produzir textos originais e caprichados. Experimentei da armadilha dos links bem colocados e, quando dei por mim, tinha aprendido um bocado sobre internet, blogs e tendências culturais, esquecida por horas em leituras no Digestivo. A provocação vinha do Julio, que então colocava lenha e bons argumentos na fogueira alimentada por jornalistas e blogueiros em busca de status na rede (uma discussão que acabou esvaziada com o fim da obrigatoriedade do diploma de jornalista para exercer a profissão). Libriana que sou, vislumbrei habilidades complementares no suposto antagonismo, e consegui não crepitar na fogueira das vaidades. Foi mais ou menos nessa hora que o Julio me chamou para ser colunista no Digestivo.
Voltando ao Espuminha, a princípio a interatividade me deslumbrou. A "relação mais aberta" (eu, blog e comentaristas) era muito mais excitante do que monogamia inicial. Divulgava o blog para os amigos, implorava comentários, escolhia temas com algum potencial para discussões (de bom nível). Apareceram comentaristas diários (no tempo em que os posts também eram diários), alguns carentes da minha atenção, e quase me senti como se já tivesse filhos com o Espuminha. Hoje leio os seus nomes em "estatísticas de comentários por membros": onde estarão? Pois é, alguns recordistas, que comentavam compulsivamente, de repente desapareceram.
Olhando para trás, administração/senha/estatísticas, vislumbro minha própria imagem refletida. Tantos anos na ilusão de driblar a exposição, e lá estou eu. Mencionando inquietações que virariam longos artigos no Digestivo três anos depois. Tentando rir de mim mesma. Nem sempre conseguindo. Deixando vestígios dos caminhos percorridos, fazendo escolhas. Boas, ruins. Experimentando, sempre. Na busca pelo leitor, encontro o espelho. Espero que mesmo assim ele, o meu leitor, goste.
Nota do Editor
Marta Barcellos mantém o blogEspuminha.
Quando comecei a ler este texto, pensei, ela vai deletar o blog? Tive um medo, pois foi a senhora quem me incentivou a escrever um blog mesmo sem leitores ou comentários, e assim o fiz. É tanto que dele resultou três livros de crônicas, e lá ainda estou escrevendo, sem leitores, sem comentário, é a minha terapia. E acho que estou no final do seu texto, quando pergunta por seus leitores/internautas, estou nas estatísticas, sempre lá ou para sempre lá. Não sei dizer. Acho que a corrência, não com outros blogs, mas com o Facebook, Twitter, Orkut ocupam os leitores. O povo já lê pouco, e agora prefere ler apenas posts de 140 caracteres. Mas estamos aí.