COLUNAS
Segunda-feira,
12/3/2001
Como seria bom ser desenvolvido
Vera Moreira
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Fiquei muito triste com a morte de Mário Covas: apagou-se uma de nossas raríssimas energias. Com os problemas estruturais e sociais tão sérios do Brasil, é revoltante a falta de vontade política - sem Covas ficamos ainda mais pobres. Cada vez que eu saio do país, fico deprimida na volta e preciso de um tempo para começar a entrar na falta de ritmo brasileira. O que me salva é a emoção falar mais alto que a razão. Tenho raízes muito fundas no Rio Grande do Sul (não sei explicar) e é o tipo do amor que tudo perdoa. Mas não é fácil existir na consciência do que se poderia ser e não é.
Ano passado estive na Austrália e fiquei maravilhada de ver como construíram um país tão rico e eficiente em 200 anos. E nós aqui comemorando 500 anos com aquela palhaçada que todo mundo já sabe. Sidney é de uma beleza estonteante e Melbourne respira cultura e juventude. A população australiana é quase dez vezes menor que a nossa, tem acesso à educação gratuita para suas crianças e adolescentes e uma justa distribuição de renda. Fui para lá em uma viagem técnica, com empresários da cadeia do abastecimento brasileira, e a minha inabalável faceta Polyana ao menos pôde regozijar-se com a supremacia dos nossos supermercados, mais belos e elaborados. Já em outra dessas viagens técnicas, também no ano passado, para Atlanta, nos EUA, Polyana só desejava enfiar a cabeça na areia. É simplesmente escandalosa a exuberância do abastecimento americano. Em apenas uma das peachtree streets (ruas dos pessegueiros) - tudo em Atlanta faz alusão ao pêssego, pois a Geórgia é o maior produtor mundial - se enfileiram supermercados tradicionais com lojas sofisticadas, de conveniência e especializadas que deixam a nossa terceira metrópole mundial, São Paulo, no chinelo.
Eu tenho paixão por supermercado, mercado público, feira livre, peixaria, açougue, etc, etc. Pra mim, fazer supermercado é programa, tipo passeio - mais ou menos como shopping para mulheres e homens consumistas - vou quase todos os dias, adoro quando tenho hóspedes na pousada, porque posso comprar bastante, nem quero ver quando inaugurar o bistrô... Eu quis mudar para Atlanta só pensando em ir àqueles supermercados todo o dia. Mesmo a loja mais tradicional deles é especial. E os americanos levam essa coisa de serviços - que aqui muito se fala e pouco se pratica - ao pé da letra. Uma das maiores redes nacionais dos EUA, a Publix, oferece folhetos e fichas com receitas para o consumidor, num desses murais giratórios, que fica bem na frente da loja. Os folhetos são educativos sobre variados alimentos, com fatores nutricionais, cuidados de higiene e instruções de condicionamento e preparo, etc. E orientam você a exigir do funcionário o melhor tratamento, assim como o produto na mais perfeita condição, dando garantias de devolução do dinheiro se você não ficar satisfeito. O lema: "We have always believed that no sale is complete until the meal is eaten and enjoyed" (Sempre acreditamos que nenhuma venda é completa antes que a refeição seja feita e apreciada). Quer mais?
Pois tem uma rede nova, nasceu em Dallas, chamada EatZi's, que é arrasadora. Híbrido de mercado/restaurante, as comidas à venda na loja são preparadas aos seus olhos. Os chefs ficam atrás de uma grande parede de vidro, de frente para o fogão e para você, e praticamente de toda a loja, é agradavelmente pequena, você pode vê-los. E têm ainda produtos frescos e secos, padaria, vinhos, revistas e uma cafeteria linda, com mesinhas e cadeiras pra você fazer um lanche. Comprei uns vidrinhos de óleos e vinagres aromáticos, de pimenta, framboesa, bordo (árvore típica da América do Norte, a folha parece do nosso Plátano), gergelim, nozes e amendoim, por menos de um dólar cada. Você usa um fio do óleo para grelhar um filé de frango, por exemplo, e obtém sabor e aroma incríveis. Eu que já tinha achado barato o tal vidrinho, ao cozinhar queria voltar lá e comprar o balaio todo. Sabe quando a gente vai encontrar alguma coisa assim aqui no Brasil? No que depender dos nossos políticos, nunca. Não há vontade política nesse país e não vejo a menor chance de termos massa de consumo para produtos sofisticados serem ofertados como são nos EUA. O governo não incentiva a produção, o empresariado se acomoda e se justifica, até com razão, porque só a carga tributária é balde de gelo no ânimo de qualquer um. Assim, pagamos o olho da cara por qualquer coisinha nas delicatessens ou nos poucos supermercados de grife de São Paulo, sim, porque nas outras cidades nem existem.
Visitamos em Atlanta também redes atacadistas e quase enfartei na Costco Wholesale. Eles vendem tudo que você puder imaginar, de alimentos a produtos de beleza e até jóias, acreditam? Peças monumentais de salmão defumado, vinhos ótimos, de diversas nacionalidades e quiosques de degustação (comi uma quiche saborosa de alho porro). Mas meu coração abalou-se na seção de livros: um corredor inteiro, com uma profusão de títulos de gastronomia... E o melhor de tudo são os preços. Nem preciso dizer que usei todo o meu limite de peso de bagagem pra isso, né? Vocês sabem quanto eu paguei pela obra completa de Shakespeare, ilustrada e comentada, 2.366 páginas, um papel lindo, parece reciclado, capa tipo de couro com letras douradas? US$ 19.99. E o livrão The Ultimate Chinese & Asian Cookbook, 514 páginas, capa dura, papel couchê fosco, fotos lindíssimas? US$ 13.99. E os livros da coleção The Beautiful Cookbook (trouxe Italy, Italy Today, Provence e Tuscany), formato 35,5x25,5cm, 256 páginas, papel couchê brilhoso, fotos de viajar? US$ 9.89. Tem mais, mas é melhor parar por aqui, começo a ficar enjoada (no Brasil qualquer livrinho mixuruca custa R$ 30,00/R$ 40,00) e não quero estragar o meu almoço, que será com deliciosos croquetes de espinafre com molho de iogurte e hortelã. Alguém quer provar?
Vera Moreira
Gramado,
12/3/2001
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