A melhor arquitetura contemporânea brasileira está curiosamente longe do mercado imobiliário. Nossos arquitetos mais interessantes projetam casas, museus, espaços públicos. E, enquanto isso, os projetos de edifícios aprovados em São Paulo não correspondem à vocação moderna, cosmopolita, que a cidade assume em outros setores.
Alguns dos nossos restaurantes mais caros, por exemplo, vivem na lista de melhores do mundo; mas grande parte dos nossos apartamentos mais valorizados são inspirados numa distorção do estilo neoclássico, do qual não se respeita nem a regra mais básica ― a de proporcionalidade ― e com figuras romanas moldadas em gesso.
Isso acontece porque, antes do atual boom imobiliário, durante aproximadamente 15 anos o mercado ficou quase parado. As incorporadoras lançavam poucos empreendimentos e, com razão, arriscavam pouco. Quando o mercado retomou o crescimento, na segunda metade dos anos 2000, os produtos foram lançados mais ou menos como estavam. E raramente um empreendimento saiu interessante do ponto de vista arquitetônico ou urbanístico.
O que se vê, em geral, são projetos gigantes que fecham quarteirões e/ou empreendimentos cujos próprios nomes ― na busca desastrada de remeter o cliente a outro país ― só expressam a vergonha de ser o que são.
A justificativa para as decisões menos inteligentes ou elegantes arquitetonicamente é em geral mercadológica. "O cliente quer" etc. Mas é difícil acreditar que esse argumento resista por muito tempo.
As iniciativas imobiliárias que apostaram na educação e no bom gosto do cliente paulistano estão muito bem. Um dos casos é a Axpe, uma imobiliária que só trabalha com imóveis selecionados criteriosamente, que "cultua a estética" e acredita na importância da "vida com arquitetura".
Outros bons exemplos são as incorporadoras Idea!Zarvos, que desenvolve projetos assinados pelos melhores nomes da arquitetura brasileira, como Isay Weinfeld e Andrade Morettin, e a Stan, que em 2002 lançou a série Arte e Arquitetura, com projeto do arquiteto Rocco e intervenções de artistas como os irmãos Campana. Numa escala maior, a Even ― que trabalha com arquitetos como Aflalo & Gasperini e Konigsberger Vannucchi ― desmistifica o preconceito de que só arquitetura pastiche vende.
Esses são casos, é verdade, pontuais ― e não representam exatamente o que o mercado imobiliário está produzindo em maior volume. Mas é verdade também que o sucesso dessas iniciativas ilustra uma tendência: a de que o cliente paulistano está mais preparado para julgar um detalhe de isopor que finge que é mármore e para valorizar a criatividade de um escritório como o Triptyque.
Nesse contexto, aliás, estão surgindo uma série de novos arquitetos brasileiros que estão trabalhando lado a lado com incorporadores ― como o FGMF, eleito em 2009 pela revista Wallpaper como um dos trinta novos escritórios mais bacanas do mundo. E escritórios paulistanos mais tradicionais e muito interessantes, como o UNA, e iniciativas bacanas (como a do gruposp) estão também aparecendo em projetos de incorporação imobiliária.
A proposta de trazer os melhores nomes da arquitetura para o mercado imobiliário não é nova ― ou não teríamos edifícios residenciais projetados por Rino Levi e Paulo Mendes da Rocha. E nem é exclusivamente brasileira. Na verdade, incorporadores que se destacam principalmente pela qualidade arquitetônica dos seus empreendimentos fazem sucesso em vários países. Nos Estados Unidos, o arquiteto Jonathan Segal tem a sua própria incorporadora na Califórnia e organiza anualmente um seminário em que ensina arquitetos a incorporar.
Na Inglaterra, a urbansplash, fundada em 1993, tem £130 milhões em projetos em andamento ― que faz com "um pouco de imaginação e some top of notch architecture". E, no México, a JSa é consequência da fusão de um escritório de arquitetura com uma construtora que, em sociedade com a Prudential Financial, desenvolve empreendimentos imobiliários ― residenciais, comerciais, hoteleiros etc. ― até na China.
É realmente uma pena que durante muito tempo os nossos melhores arquitetos tenham se dedicado pouco ao mercado imobiliário. Hoje, porém, a arquitetura brasileira e o mercado imobiliário estão os dois em boa fase. Este é o melhor momento para diminuir essa distância ― que por enquanto é curiosamente longa, mas que naturalmente deveria ser curta. Será.
Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado no jornal O Estado de São Paulo. Eduardo Andrade de Carvalho é sócio da Moby Incorporadora e autor do blogecarvalho.typepad.com.