Recentemente, a imprensa divulgou resultados do Pisa, exame da Organização das Nações Desenvolvidas (OCDE) que avalia o estado da educação em vários países. O Brasil teve um rendimento superior em leitura nesse último exame em relação ao anterior, no que se refere à capacidade de compreensão e uso do texto. Entre as matérias, a maioria permaneceu nesse gênero de informação mais manchetável, embora o Pisa mapeie também a opinião do aluno sobre professores e aulas; registre que tipo de material é apresentado na aula e que recursos os estudantes têm em casa. Há um tópico particularmente interessante, que é o que pretendo tratar aqui: os hábitos de leitura. Na minha interpretação, os dados dizem que conseguimos estabelecer a obrigação de ler, mas passamos longe de mostrar que há prazer nisso.
O exame pesquisa alunos de 15 anos em uma amostra aleatória de escolas. No questionário sobre os hábitos de leitura, o Pisa apresenta afirmações sobre um tema e avalia graus de concordância. Por exemplo, à frase "fico feliz se recebo livros de presente", os alunos responderam: Discordo Totalmente (16.25%), Discordo (30.75%), Concordo (36.61%) e Concordo Totalmente (13.16%). O percentual que sobra abrange dados inválidos (3.24%). Os resultados positivos somam 49.77%; os negativos, 47%. Não é uma diferença extensa, e outros dados vão no mesmo sentido (veja os dados estatísticos em tabela).
"Eu gosto de trocar livros com meus amigos" teve 43.88% de afirmativas e 53.16% de negativas. "Gosto de ir a uma livraria ou biblioteca" coletou 51.31% contra 44.75%. "Ler é um dos meus hobbies favoritos" recebeu 46.71% contra 50.48%. Antes de ler a pesquisa, eu esperava por uma aversão maior. A dificuldade de leitura expressa pelos alunos também foi significativa: para "Eu não consigo parar e ler por mais de alguns minutos", 66.98% foram discordantes; já "Eu acho difícil terminar de ler livros" foi contrariada por 62.56%. O que se pode concluir a partir desses dados? Não parece estar no objeto-livro, no produto-livro ou na dificuldade-livro os motivos de aversão, ou pelo menos não são eles fatores tão fortes como se poderia pensar.
Os resultados são semelhantes aos encontrados em países desenvolvidos como Inglaterra e França, e, muitas vezes, são melhores (veja a tabela comparativa). Ou seja, não podemos culpar sem cautela o estado educacional do País pela proximidade pequena com a leitura.
A outra explicação mais imediata (dita mesmo por um ministro inglês) é a de que os alunos são absorvidos pelas internet. Uma matéria do Estadão perguntou: "Como deixar de lado todas as infinitas possibilidades que o mundo digital oferece e se dedicar a um livro, com suas centenas de páginas, cheias de palavras e letras inertes, exigindo concentração para serem decifradas?". O texto me parece, por um lado, focar demais a dificuldade que seria típica dos livros (e que vimos não ser o fator que determine sozinho os hábitos de leitura) e, por outro, não perceber que há na rede, também, literatura de alta qualidade, e que as novas mídias podem trazer incentivo à leitura e sabor a livros, às revistas e jornais.
A matéria traz em si, ainda, o próprio veneno que pretende combater. "O que perdeu espaço na vida dos jovens não é o hábito de ler, mas a leitura formal que os livros, por exemplo, oferecem", diz a repórter. Nesse "leitura formal" está, penso, o maior dos problemas.
Quero ler os clássicos no meu tempo
"Pode até soar estranho eu, uma estudante de Estudos Literários, admitindo isso: morro de medo de literatura. Sim, literatura assusta. (...) Eu tenho medo de James Joyce. Eu tenho medo de Ulisses. Tenho medo porque ainda não me acho preparada para conhecer. Queria poder passear pelos clássicos dentro do meu tempo". O trecho é citado de "Quem tem medo de literatura?", escrito por Layse Moraes. Se queremos saber o porquê da distância que há entre os alunos e a leitura, embora não haja uma aversão absoluta por ler, receber livros e ir a livrarias - se queremos uma resposta, eu creio que esse texto traz parte dela.
"Está pra existir uma coisa nesse mundo mais ridícula do que a literatura que é empurrada goela a baixo. Não gosto. Nunca gostei. Quando estava no colegial, invertia a ordem dos livros lidos só para não ler quando o professor pedia", diz a autora. A sensação flagrante é a de que um livro, a literatura mesma, é algo obrigatório, empurrado, como corridas matinais ou remédios insossos. Layse não é a única; sua experiência encontra eco nos resultados do Pisa. Foi feita a pergunta: "quanto tempo você gasta em leitura por prazer?" e as respostas são entristecedoras: 21.25% nunca leem por prazer; 38.57%, por 30 minutos ou menos em um dia; e 19.80% até uma hora/dia. São 79.62%.
À pergunta: "Quando você visita uma biblioteca, quantas vezes lê um livro por diversão?", 29.43% disseram nunca e, 36.11%, uma vez por mês ou bem menos que isso. Esses dados não são indicativos que a ideia que se faz do que é a leitura é o que emperra a aproximação dos alunos com os livros? Comparar duas outras estatísticas reforça essa conclusão. Ainda quanto aos hábitos referentes a bibliotecas, se perguntou quantas vezes emprestavam livros por prazer; e, noutro tópico, para trabalhos de escola. Vamos colocar lado a lado os dados: 34.37% nunca emprestam por prazer, contra 19.99% para trabalho. Nos outros níveis (uma vez por mês ou menos, várias vezes no mês ou semana), os resultados são equilibrados, mas sempre com vitória das pesquisas escolares.
Creio que se pode afirmar o seguinte: a escola consegue por livros no caminho dos alunos, mas não consegue criar leitores. Consegue convencê-los do status do leitor, da importância ou utilidade da leitura, porém não consegue mostrar que há prazer nisso. Outra matéria do Estadão trata da responsabilidade dos pais na questão, mas eu penso que poderíamos fazer mais mudando o modo como os colégios encaram o ensino de literatura. Apresentar livros e escritores em períodos cerrados de tempo funciona? Oferecer a mesma lista de autores (só que com capas moderninhas) é uma boa estratégia? O que é melhor? Que alguém se torne leitor através de Stephen King, Neil Gaiman e Terry Pratchett ou que nunca mais toque em um volume após terem lhe empurrado um Machado de Assis à força?
O que me tornou um leitor foram histórias em quadrinhos. Super-heróis, Marvel e DC, e foi porque eu gostava de ler o Batman que cheguei a procurar o tempo perdido com o Proust. Uma professora minha foi importante nesse sentido. O nome dela era Ediná. De tempo em tempo, ela juntava livros de todo tipo e colocava em umas mesas na sala; e não havia aula, e ninguém lhe dizia o que você tinha de ler ou se tinha de ler. Ela trazia uma coleção sua de Asterix, que eu li uma edição atrás da outra, e me deu O Menino no Espelho, do Fernando Sabino. A liberdade de escolha ajudou a me formar como leitor. Só posso agradecer.
Enquanto os estudantes não forem bons leitores, não escreverão bem, não terão repertório diversificado, consequentemente não produzirão conhecimento, não contribuirão plenamente como cidadãos. A leitura deve estar no centro do currículo escolar, como via de crescimento científico, cultural e cidadão.
Há um ótimo livro da professora Luzia de Maria que se chama 'O clube do livro - Ser leitor, que diferença faz?', em que ela discute justamente a importância da formação de leitores na escola, não com livros canônicos que são "enfiados goela abaixo", sem nenhum prazer e sem nenhum sentido, mas com títulos que os instiguem, façam pensar e procurar por mais... Promover a leitura: um desafio que nós, professores, temos que enfrentar ano a ano (e eu já comprei essa briga). Abraços, Duanne!
Acho que o que está crescendo é o nível de hipocrisia dos alunos da rede pública, que respondem às pesquisas mascarando a sua falta de interesse por leitura e quaisquer coisas do gênero que estimulem o pensamento.
Raimundo, na verdade a pesquisa comprova o desinteresse pela leitura na medida em que a leitura é entendida somente como algo formal, destinado ao trabalho, para "estimular o pensamento", como você diz. A pergunta é como modificar essa percepção e indicar o prazer que há nos livros.
Concordo plenamente com o autor. Sempre tive aversão total a livro e a qualquer tipo de leitura durante a maior parte do meu período escolar graças aos "excelentes" livros paradidáticos que tínhamos que comprar e resenhar para professores que faziam questão de nos punir por não demonstrar o mínimo interesse por eles. Em casa, por outro lado, havia muitos livros, enciclopéidas, livros educativos e biografias, os quais costumava ler. Agora que estou livre desta ladainha, posso ler o que gosto: Assimov, Orwell, Joyce, Tolstói, "Veja" (por que não?)... Por que não trazem para as escolas a literatura universal? Por que não ler "Política", de Aristóteles, nas aulas de filosofia e "Divina Comédia", nas de história? Por que restringiram as nossas aulas de literatura ao indianismo e ao "Lusíadas"? É só isso que é considerado livro? Kafka, "Guerra e Paz" são o quê?
Ótimo texto. Enquanto os estudantes não forem bons leitores, não escreverão bem, não terão repertório diversificado, consequentemente não produzirão conhecimento, não contribuirão plenamente como cidadãos. A leitura deve estar no centro do currículo escolar, como via de crescimento científico, cultural e cidadão. Há um ótimo livro da professora Luzia de Maria que se chama "O clube do livro - Ser leitor, que diferença faz" em que ela discute justamente a importância da formação de leitores na escola - não com livros canônicos que são "enfiados goela abaixo" dos alunos, sem nenhum prazer e sem nenhum sentido, mas com títulos que os instiguem, façam pensar e procurar por mais... Promover a leitura um desafio que nós, professores, temos que enfrentar ano a ano.
Parabéns pelo texto, principalmente por tocar no ensino de literatura em nosso país. O programa de literatura no ensino médio atual faz com que os alunos passem um bom tempo "estudando" a literatura portuguesa, quando o inverso não acontece (e nem acho que deveria), ou seja, os portugueses nem conhecem a literatura brasileira. Urgente é uma revisão no currículo e um ajuste no foco. As aulas de literatura devem ser um estímulo à formação de leitores ou apenas uma exposição dos estilos de época das lit. brasileira e portuguesa? Atualmente, as escolas e seus materiais didáticos inclinam-se à segunda opção. É assim que o aluno do ensino médio termina sua formação "aprendendo" modernismo brasileiro, como se nada houvesse sido produzido além disso. Além de desconhecer totalmente a lit. universal. A reversão desse processo fica a cargo da boa vontade do professor. Enquanto as listas de vestibular ditarem o ensino de lit. em nosso país, assim será.
A liberdade de escolha é uma das mais ideais decisões para a geração atual, já que a visão de leitura está tão banalizada pela "mini leitura" de frases e contextos das redes sociais.
Os jovens aprenderam com este "avanço tecnológico" a serem um público passivo de idéias em que somente se assiste e se aplaudem.
Todo o barulho político dos nossos dias em todos os lugares e principalmente online são muitas vezes "guiados" por um, e motivados pelo egoísmo de não querer opinião alheia. Quando temos conhecimento, pensamos mais e agimos mais com consciência. Estamos beirando em uma sociedade imprudente e irresponsável, onde tudo que se ouve se aplaude.
As mentes são dependentes do pronto, e não se sabe mais o que é criar, aprender, pensar...
"A leitura nutre a inteligência", "Ler pode tornar as pessoas perigosamente mais humanas", "A chave que tranca a porta da ignorância está escondida dentro das páginas de um bom livro". Essas citações são demais! A leitura faz com que você viaje sem mesmo sair do lugar. É só o corpo, a mente e o coração. Me identifiquei muito com o último parágrafo, pois foi justamente as histórias em quadrinhos que me incentivaram na leitura. Agradeço por essa iniciativa. Quando criança, eu gastava todo o meu dinheiro com revistas de todos os tipos. HQ, contos, revistas de horóscopo, conhecimentos gerais, e até mesmo jornais. Nos intervalos da escola, eu adorava ir à biblioteca, estar cercada de livros, revistinhas... Essa era minha diversão. E é, também, ainda nos dias hoje.