Quem é o seu hacker preferido: Mark Zuckerberg ou Julian Assange? A disputa pelo título de personalidade do ano nos convida a refletir sobre o tempo em que vivemos. O fundador do Facebook surgiu como símbolo da nova era da comunicação, e o criador do Wikileaks, da democratização da informação. O primeiro é o destaque de 2010 segundo a Times; o segundo foi o escolhido pelo Le Monde. Estamos, provavelmente, no auge do nosso deslumbramento com a "ideologia técnica", como o sociólogo francês Dominique Wolton chama a panaceia em torno das transformações provocadas pela internet ― que cegaria as pessoas para aspectos não tão revolucionários assim da rede.
Antes que você, que só clicou aqui por discordar do título, cubra-se de indignação, tente não vestir a carapuça contida na declaração de Wolton ao jornal Valor Econômico, em entrevista a Diego Viana: "Nunca é dito nada de negativo sobre a internet. Quando alguém ousa lançar uma ressalva, é logo tachado de reacionário, antiquado e assim por diante". Você não vai agir assim, vai? Então sigamos o raciocínio do sociólogo.
Wolton diz que é uma grande ilusão considerar a internet como portadora de toda a liberdade, criatividade e proximidade para todos. Segundo ele, nesta convicção equivocada e ingênua reside inclusive um perigo. Enquanto a televisão e o rádio sempre foram encarados como instrumentos nas mãos de grupos poderosos, ninguém é capaz de enxergar por trás da internet a atuação dessas mesmas entidades, sejam elas corporações internacionais ou Estados.
Diretor do laboratório de Informação do Instituto de Ciências da Comunicação francês, Wolton parte do pressuposto de que comunicação é diferente de informação. Ao contrário da informação, a comunicação envolve relações entre pessoas, e por isso tem implicações políticas, sociais e culturais. Mas preste atenção: ter mil amigos no Facebook não conta como "relação entre pessoas". As redes sociais podem inclusive estar criando uma ilusão de contato que na verdade fecha cada um sobre si mesmo.
"A potência técnica traz mais dados, mais acessos, mais contatos. Mas os dados não são conhecimentos, os acessos não são entradas e os contatos não são comunicação", afirma Wolton.
Em seu livro Informar não é comunicar (Sulina, 2010, 96 págs.), além de atacar os excessos dos discursos que fazem da internet uma revolução total, ele mostra que comunicação é mais importante do que informação para o vínculo e a identidade. Por outro lado, a circulação descontrolada de informações acabaria enfraquecendo a possibilidade real que as pessoas têm de agir. "Mesmo se a informação dá a volta ao mundo, é em menos de 100 quilômetros que a realidade muda", escreveu o sociólogo em um artigo.
O ataque de Wolton à internet é cheio de excessos, talvez para compensar a idolatria também excessiva em torno dela. Ou, quem sabe, apenas por ser ele um intelectual à moda antiga, como ainda existe na França, daqueles que não fogem das polêmicas da atualidade. De qualquer forma, o seu pensamento me flagrou justamente em um momento de desânimo em relação à internet, e de alguma descrença em relação às transformações reais que ela pode estar promovendo.
A primeira destas decepções diz respeito à dificuldade de a internet mobilizar efetivamente ― fisicamente mesmo ― as pessoas. Fora poucas exceções, sempre muito divulgadas (pela própria internet), as tentativas de mobilização para causas sérias quase sempre fracassam. O terreno parece mais propício para a proliferação de boatos, falsas acusações, fofocas tolas, fichas sujas, bullying, invasão de privacidade etc. Quem já está acostumado a lidar com esse ambiente hostil consegue separar o joio e aproveitar o trigo, mas uma grande maioria silenciosa (que não propaga seus sentimentos na internet) acumula traumas neste aprendizado.
A comunicação que possibilita uma ação local, de acordo com Wolton, depende das relações entre gente que se conhece de verdade, e tem uma base comum de cultura histórica, linguística e social. Uma realidade distante da maioria das redes sociais, que hoje se debatem com as questões da privacidade e da deturpação do conceito de "amigo".
Mas se a comunicação na internet não acontece de forma tão revolucionária como aparenta, o que dizer da fabulosa disseminação da informação? Qualquer jornalista que atuou antes e depois da internet sabe a extraordinária diferença de ter, a um clique, os tais dados e acessos citados por Wolton. Politicamente, nada pode ter sido mais relevante.
No entanto, como lembra o sociólogo, dados não são conhecimento ― e o excesso deles pode dificultar ainda mais a transformação de um conceito em outro. É aí que entra a mediação. Ela tem sido fundamental para se traduzir a enxurrada de informações, por exemplo, contida no siteWikileaks. Mas quem seleciona, edita e interpreta os dados sempre é movido por algum tipo de interesse. Não menos desinteressados são aqueles que vazam os dados para o site.
É nesta hora que descobrimos o óbvio: a internet continua sendo "apenas" uma ferramenta. Tão fascinante que nos fixamos nela, e nas simbólicas figuras de Zuckerberg ou Assange, enquanto esquecemos as personalidades que, neste instante, a utilizam para transformar o mundo.
Nota do Editor
Marta Barcellos mantém o blogEspuminha.
Fala-se demais quando o tema é a internet. Costuma-se esquecer que ela é apenas uma ferramenta. As maiores distâncias, aquelas das diferenciações sociais, também no espaço virtual tendem a se reproduzir, não existe tecnologia capaz de encurtá-las. Mesmo que existam algumas exceções, a maior parte dos escritores só consegue visibilidade na internet se tiver antes, em alguma medida, três formas de capital: o econômico, o cultural e o social.
Essa enxurrada de informações torna cada vez mais difícil a absorção de informações importantes e, como você citou, é neste momento que entram os "manipuladores" da informação. Em relação ao Wikileaks, não considero o conteúdo como informação, mas sim uma espécie de fofoca, do mesmo tipo que encontramos em revistas e sites de celebridades. A diferença é que essas fofocas são questões de Estado, que dependendo do modo como são divulgadas, podem gerar desconforto e até mesmo beligerância entre países.
Marta, concordo completamente com você. A internet é sem dúvida um instrumento mágico. É uma varinha que tem dois gumes. Você é que tem que saber segurar e usar. Para a nova geração, ela não tem segredos e depende de cada um a sua utilização. Gosto de usar minha experiência, porque aí falo com seguranca. Quando pintava em tela, era caro, não tinha como mostrar e vendia para os próximos; hoje faço Pintura Digital e meus trabalhos correm o mundo através da internet. Mas qual a vantagem disso? Monetária, nenhuma. Talvez orgulho bobo de artista, quem quiser ver é só clicar no Google, digitar meu nome e pronto. Mas, novamente, o incógnito: quem sabe meu nome? Então a internet só funciona com "Empresas" que sabem "usufruir" do que está nela própria.
Boa, Marta. Mas eu abri o seu texto justamente por concordar com o título. E, para mim, internet é só pra se informar mesmo. Acesso para ler jornais do mundo todo e assistir à novela da Globo (ninguém é perfeito). Sou a única entre todas as minhas amigas que não tem conta em Facebook, Orkut e tudo mais. E como os blogs me cansam, meu Deus. Tem tanta porcaria. Procurando blogs e informações sobre os Emirados caí em tanto blog racista, gente falando do que não sabe... Nada como um bom livro, viu? Porque internet tem censura, sim, e perseguição, apesar de não se falar no assunto. Abracos.
Ahh que alívio ler esse texto. Concordo em numero genero e grau com Wolton, meu deus que coisa chata e irritante "estar conectada" o dia todo. E, se nao, pobre de nós os ETs da sociedade. Internet nada mais é do que uma ferramenta útil, sim, claro depende de quem a usa e de qual forma. Confesso que tem dias que prefiro estar longe de tudo porque esse turbilhão de informações (a maioria descartável) irrita, cansa. Tem horas que ouvir uma boa música no bom e velho rádio e ler um bom livro, estar em companhia da família, é essencial. Abraços