Houve algo de olímpico em adentrar no Estádio do Pacaembu por seu portão principal ― Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho ―, apesar de tê-lo feito ao lado de centenas de esportistas amadores numa corrida noturna permeada por poucos espectadores, muitos incentivadores e cachorrinhos vestidos de Papai Noel.
Eu mesma, corredora de última hora, de última esperança, louca por bola, já tendo desistido de procurar parceiros para esportes coletivos. Não sabendo ao certo o motivo de ter embarcado num esporte que me deixava estafada, achando-o insosso e até mesmo parado, embora prestes a rever minha opinião. Eu mesma nadadora por obrigação, agora nadadora por paixão e diversão. O caminho foi inesperado e natural: da água rumei para a terra. O esporte nos faz melhores, só não sei exatamente em quê e para quê, mas nos faz sensação, sangue correndo, músculos, cansaço, satisfação.
Continuando, beirou o sublime aquela entrada, como na verdade todas as largadas são: o átimo em que se inicia, ainda que lentamente, a corrida é sair da jaula, o encontro da floresta. Embaralhados, os corredores vão encontrando o lugar de seus corpos, se não é um fio que os atravessa, a princípio todos aptos para a pequena provação. E por que o esporte nos traz este sentimento, de superioridade? Mas não em seu lado pejorativo ― em que se menospreza o outro, pois aqui não se trata de pisar os adversários, sem subverter o asfalto, há medalhas para todos e a luta contra o tempo é de si para si ―, e sim como elevação.
Dizem que não se pensa em nada enquanto se nada. É isso mesmo? Sim, ainda que se esboce um pensamento, este se oblitera em algum momento do nado. Como quando vamos dizer algo e a ideia se dissipa para depois emergir sua lembrança. Ficamos, então, durante um treino de natação, numa atitude frágil, levemente esquecida ― em suspenso. Talvez o pensamento se resuma a dois pontos: o controle ritmado da respiração e a sincronicidade dos movimentos dentro d'água. Caso isso se perca não se está imerso, nadando de fato, mas apenas a passeio.
Correr não deixa de ter seus paralelos com a natação, atividade solitária. O cansaço que sinto no início do treino é tão grande que penso: não dá mais, vou parar. Ou: por que estou me dando ao trabalho de fazer isso? E assim: por que continuo então? Há uma meta adiante, a linha de chegada que parece se distanciar como uma miragem, os metros de praxe? Felizmente o ritmo da respiração sobreleva e, a partir daí, parece que o corpo pode suportar o que quer que seja, uma maratona, uma travessia em águas geladas ou escaldantes. Uma onda de felicidade, um gozo perpassa o final de uma corrida.
Por outro lado, enquanto se corre se pensa em tudo, na desistência, na paisagem, na bexiga cheia. É como se preparar para uma viagem, tentar de antemão entender os caminhos a serem percorridos, mas saber que o caminho a ser de fato traçado inquestionavelmente se faz de forma diferente. Não era de carro que cruzava a inofensiva avenida? Pois agora o ritmo é outro; embora mais lento, a velocidade é alucinante, já que se trata do pensamento em movimento.
Nos finais de ano temos a perspectiva dos corredores, repassando o caminho antes vagarosamente percorrido num flash, às pressas, sentindo o vento batendo no rosto e no corpo, o sol usurpando a brancura da pele. Por outro lado, a concentração pode impedir a contemplação da paisagem. Reconheço a farmácia, algumas casas, mas me esqueço totalmente de olhar, por exemplo, para a escultura de coelho no decorrer da prova. E ainda bem, pois aí pareço ter entrado no ritmo, mais uma vez é o seu encontro com a respiração que está em jogo!
Eis-me agora já fora do estádio, depois de completada uma volta em torno dele, agora atravessando a Avenida Pacaembu. O silêncio de interior é calcado de pisadas. Parecem tão próximas e familiares as árvores revestidas de luzes azuis de Natal. As casas e os apartamentos soam como parte indissolúvel da paisagem. Alguns corredores encontram fôlego para conversar sobre a saudosa concha acústica. Do céu noturno escorre um bálsamo que alivia o cansaço. Daqui não se é privado da dor, embora o final possa recompensar.
A emoção canta mais alto dentro de nós e toda a nossa vida é como a ilusão de um barco que navega em alto mar. Às vezes, somos racionais. Mas em todas as datas comemorativas corremos, presenteamos, muitas vezes choramos. É a emoção que canta mais alto, mesmo.