Cheguei de Recife há um mês, mas parece que foi agora mesmo. A cidade ainda está comigo e, talvez, continue por muito tempo. Sinal de viagem bem feita! Viajar bem, no sentido não-alucinógeno do termo, é uma arte. Devemos aprendê-la e ensiná-la, na prática, a nossos filhos. Feliz de quem se lembra de viagens agradáveis com os pais.
Uma vez que as necessidades básicas de alimentação, moradia, saúde e educação - essas ninharias às quais todo ser humano tem direito - estejam satisfeitas, as viagens são o melhor investimento. Tanto quanto as demais artes, o bem viajar aprimora a educação e a sensibilidade.
Ainda melhor do que viajar é morar fora. Experiências como fazer intercâmbio, morar em república ou prestar uns meses de auxílio humanitário longe de casa marcam para sempre. O inconveniente principal? Requerem mais tempo e dinheiro do que uma viagem comum.
Sair da zona de conforto, conviver com pessoas e realidades diferentes, reformular ideias preconcebidas, enfrentar imprevistos e dar mancada até aprender fazem parte do morar fora e das melhores viagens.
Mesmo quando indesejáveis, experiências que promovem o afastamento do cotidiano mostram-se enriquecedoras. Pergunte a quem estudou em colégio interno ou precisou mudar-se para a casa de parentes. Às vezes, ocorrem situações traumáticas e surgem obras literárias do tipo O Ateneu, de Raul Pompeia, mas, em geral, os envolvidos sobrevivem e o crescimento pessoal compensa a tal ponto que "aqueles tempos" chegam a deixar saudade.
O desejo de viajar nasce com o ser humano. É uma variação do impulso que leva os filhotes de certos animais para fora do ninho, mesmo quando ali não lhes falta alimento, conforto e segurança. Boas escolas aproveitam esse interesse natural explorando-o em atividades pedagógicas com os alunos, durante passeios e excursões. Algumas promovem "acampadentros", versão brasileira do "camp-in" americano. As crianças "acampam" dentro da escola por uma noite e aprendem enquanto brincam.
Quem aprende a viajar na infância consegue livrar-se de dois males: tornar-se um não-viajante ou, pior ainda, um falso viajante. Os não-viajantes evitam ao máximo sair de onde moram, mas procuram compensar a falta de novos horizontes através da arte ou de alguma atividade exaustiva. De qualquer modo, produzem algo e podem atingir a excelência em seus afazeres.
Já o falso viajante só pensa que viaja. Ele até sai de casa e vai para algum lugar, mas esse lugar costuma ser o mesmo ano após ano. Se dependesse dele, os navios de cruzeiro poderiam continuar ancorados, pois prefere permanecer a bordo. Raramente conversa com estranhos e jamais se separa do celular ou do computador, que usa para manter contato com as mesmas pessoas de sempre. Ele consegue ir e voltar sem se modificar.
Confesso, tenho pouca simpatia por "viagens de engorda". As palavras "all inclusive" me deixam de sobreaviso. Existem quilos de diferença entre o saudável interesse pela culinária local e a mistura de compulsão alimentar e ganância que leva muitos hóspedes a não arredar pé dos resorts a fim de tentar absorver todas as calorias pelas quais pagaram.
Embora cruzeiros e resorts costumem estar infestados de falsos viajantes, podem ser agradáveis e úteis se usados como base para conhecer outros lugares sem se prender a grupos e horários. O mesmo vale para excursões, quando nos libertamos dos colegas de passeio e da tirania dos guias. Não chego a considerar que somente aventureiros solitários aproveitem bem os novos caminhos. Viajar em dupla pode ser ótimo se houver sintonia de interesses e disposição. As melhores duplas costumam ser casais, porque estão acostumados a decidir juntos em que empregar seu tempo e dinheiro.
Boas viagens não precisam custar fortunas, mas todo viajante tem um roteiro dos sonhos, acima de suas posses e/ou de seu tempo disponível. As longas viagens culturais da Casa do Saber e uns dias numa estação espacial são meus sonhos de consumo, porém o fato de não poder realizá-los tão cedo não me impediu de aproveitar uma viagem de três dias para estudar astronomia aqui, no planeta Terra mesmo.
Somente os não-viajantes justificam sua imobilidade alegando que ou fazem a viagem dos sonhos, ou preferem ficar em casa. Por definição, a viagem ideal é impossível, mas permitir ou não que ela estrague os roteiros possíveis depende de cada um. Então, se ainda falta um tempinho para sua próxima viagem, aproveite. Estude o local de destino, aprenda pelo menos algumas frases em seu idioma ou algumas expressões populares. Prepare-se como se fosse a viagem dos sonhos.
Carla, seu texto é uma delícia, assim como é uma delícia viajar com quem se ama. Tenho experiências maravilhosas de viagens feitas com meu marido e outras em que nossa filha mais velha, hoje com 12 anos, nos acompanhava. Pra mim, o hotel tem que ser limpo, seguro e razoavelmente confortável, porque só será usado para dormir. Todo o tempo é curtido lá fora, no mundo diferente e curioso que se descortina aos nossos olhos. Amo viajar e amei seu texto. Parabéns.
Sou LPV = louca por viagens, e achei seu texto bacanérrimo! Vou montar já já uma viagem para Portugal com o livro recém-editado: "Um guia de Fernando Pessoa"!
Curiosamente os últimos dois livros que li foram livros de viagem. Ambos são recém-lançados, aproveito o artigo para recomendá-los: "Unos días en el Brasil", de Adolfo Bioy Casares (publicado pela editora La Compañia) e "Cómo viajar sin ver", do jovem escritor argentino Andrés Neuman (publicado pelo conglomerado editorial Alfaguara).