Chegou o verão. Eu sei que, pelo giro da Terra, e oficialmente, o verão só começa daqui há alguns dias, mas qualquer um que more no Rio sabe que o ano se divide em quatro estações: primavera, verão, inverno e inferno. E como o inferno ainda não começou, essa é a hora boa de aproveitar o verão. Que daqui a pouco não vai dar mais para saber se o dia está insuportável por causa da canícula ou da música irritante que toca sem parar nos alto-falantes dos carros engarrafados a caminho da praia. Chegou o verão, gente. Está na hora de fingir que a gente se preocupou com a qualidade da água do mar antes de sair correndo para dar o mergulho, e fingir que se preocupou mais com o FPS do filtro do que com o bronzeado da pele, apesar da hepatite e do câncer de pele. De mal acreditar que ainda é dia claro às 7 horas (da noite?), e largar tudo para uma voltinha no calçadão, ou mesmo um pulo na praia. De se inteirar das novas gírias, aprender as novas danças, provar os novos drinks gelados; de descobrir as últimas novidades em serviços & produtos que inventaram de vender na areia (entre as mais recentes, massagem shiatsu e queijo coalho assado); de ficar na praia o sábado inteiro, e de noite voltar para conferir o luau que está rolando. De ser frívolo, fútil e fácil.
É verão, quando a insistente máscara de elegância européia que teima em vestir os trópicos cai de podre. Ninguém em sã consciência vai manter a preocupação de chegar no fim do dia arrumado, penteado ou... seco. Porque aí está o suor, unificando a todos, e na escassez de roupas que aparece a verdadeira elegância (além das vantagens de se ver mulher em traje de banho). É hora das revistas publicarem aqueles especiais temáticos absolutamente iguais sobre verão, com uma garota sarada na capa, halteres às mãos, malhando numa academia com um body colorido. A reportagem indicará quais boates vão encher, qual trecho da praia será o mais movimentado e qual fruta cítrica será a base de sucos, batidas e saladas, denunciando aos olhos mal treinados uma impressionante falta de assunto dos editores, quando, na verdade, é o necessário 3x4 do período mais expressivo do ano, tido por muitos como o mais autêntico - aquele no qual o país mostra sua verdadeira cara - e por outros, como a maior desgraça da nação ("Para esse país andar pra frente tinha que acabar com carnaval, futebol e cerveja!").
E bom filtro solar FPS 30 para vocês.
Xô, shopping Um shopping carioca, naquele bairro onde os prédios parecem discos voadores, os out-doors abusam da capacidade de agregar palavras estrangeiras à nossa língua e o intimismo se perdeu procurando uma esquina, está veiculando uma propaganda na Tv onde promete presentear com uma camiseta "personalizada" qualquer compra acima de não-sei-quanto. O "design" da camiseta é de Alexandre Hercovitch. Sem questionar o talento do jovem estilista, a promoção foi uma idéia de jerico: pedir para um paulista criar uma camiseta, com motivos temáticos de verão, evidentemente relacionados à cidade maravilhosa - à qual o tal shopping vinculou sua imagem desde a abertura - quando o Rio sempre foi pródigo ninho de desenhistas de humor (o Salão Carioca de Humor da Laura Alvim é um dos mais importantes do país; tudo quanto é bloco carnavalesco da cidade tem camiseta própria desenhada por cartunista carioca) foi bola foríssima. Depois, quando se descobrir que os autores do samba-enredo campeão foram um par de compositores do Jabaquara, que as alegorias foram desenhadas por uma carnavalesca de Londrina, e que as fantasias foram feitas por um curitibano, não me venham reclamar.
Comigo não, violão
O livro novo do Sérgio Augusto, Lado B, tem um ensaio de abertura com potencial para levantar um bocado de poeira. Fundamentalmente, o ensaio diz que o Plano Real foi ruim para a MPB porque ao democratizar o acesso das classes sociais mais baixas ao consumo de CDs, abaixou a qualidade média das músicas lançadas pelas gravadoras. Esse problema de cegueira e do imediatismo das gravadoras, que as faz pensar apenas em termos de vendagem na maior fatia de mercado, ignorando a fidelidade e permanência de consumidores de segmentos menores, também foi abordado pelo Ruy Castro no recém-lançado A onda que se ergueu no mar. Sérgio Augusto limitou-se a relatar e concatenar os fatos; não deve-se cair na tentação de extrapolar suas afirmações, como ocorreu em recente programa televisivo: "uma recessãozinha caía muito bem", nem como ironia. Ecoa também nessas horas aquela referência de que a música composta durante o período militar era superior à do período democrático subseqüente, como se censura fosse fertilizante da imaginação - quando o que acontece é que em períodos de menor liberdade de expressão sobra para os artistas fazer o protesto que em sociedades democráticas é tarefa dos meios de comunicação e organismos da sociedade civil organizada.
Nas entrevistas, Sérgio Augusto tem afirmado que o livro é sua tentativa de "democratizar o elitismo", iniciativa louvável e até subversiva de distribuir biscoito fino em tempos de massa mal misturada, mas ele se trai ao resvalar no elitismo, que o impede de enxergar por trás da explosão de consumo dos CDs a inacreditável democratização dos meios hoje, quando uma banda de garagem consegue alugar um estúdio e gravar seu CD, um escritor pode enviar suas obras por e-mail, e um animador pode expor curta-metragens em seu site. Que o conteúdo médio ainda não tenha alcançado a excelência exigida por Sérgio, é um questão de tempo e paciência para esperar a seleção natural atuar. Isso, obviamente, se o público consumidor mostrar que quer qualidade e se os meios de distribuição não forem engolidos pelo monopólio das mega-fusões antes... Lado B :::: Sérgio Augusto, Editora Record, 2001 A onda que se ergueu no mar :::: Ruy Castro, Cia das Letras, 2001
Se eu fosse um quadro, eu seria a Composição A de Piet Mondrian.
Eu sou rigidamente organizado e metódico, embora minha aparência exterior fria e distante esconda um modo de pensar brilhante e uma natureza inovadora. Muitas pessoas não me entendem, mas eu ainda posso afetá-las em nível emocional.
voce deve ser bem velhinho para não curtir o Rio e suas belezas naturais e o povo alegre e alto astral que nele habita e que voce não mais está enxergando
Rafael, o Rio de Janeiro continua lindo, como sempre foi. O verão no rio é que mudou. Nessa estação mostra-se tudo, menos a cara. Pode reparar, mas isso tudo se repete nas demais estações do ano, de uma forma ou de outra, padronizando as ações de todos, para ninguém sair do "programa".
Quanto ao samba, o que você tem contra paulistas e paranaenses? O samba é brasileiro, muito antes de ser carioca. Já existia o samba nos festejos de outrora (hã?). É outro tipo de samba, mas é samba.
Aos seus comentários do "Lado B", acrescento ao último parágrafo: "Isso, obviamente,... se os meios de distribuição não forem engolidos pelo monopólio das mega-fusões ..." monopólio esse que não têm o menor interesse em melhorar a qualidade do gosto do público consumidor. Prá quê? De repente, as pessoas podem ficar exigentes, começar a pensar e ver a bobagem que lhes estão empurrando...
Nada contra sambistas paulistas ou paranaenses, Sonia, mas acho um erro não valorizar os talentos nativos, quando - pelo menos em tese - eles são os mais indicados para interpretar sua terra. E ao invés de ficar apontando o dedo para as mega-fusões, é bom lembrar que o 'aumento de exigência' do público consumidor quase sempre é vencido pela vontade de 'ninguém sair do programa'... Mas que o Rio continua lindo, continua...
O Rio continua lindo como sempre foi? Com milhares de godzillas arquitetônicos, camelôs, favelas, sujeira, multidões de pessoas repulsivas destruindo Copacabana, prostitutas, travestis, pobres e a lagoa Rodrigo de Freitas reduzida a quase metade de seu tamanho?