O casal idoso tentou o suicídio. Engoliram um montão de pílulas, o marido e a mulher, ambos de cerca de 70 anos. Ele viviam em Manchester, levavam uma vida modorrentamente inglesa - cuidavam do jardim, tomavam chá. Os velhinhos eram quietos. Não gostavam da vizinhança. Queixavam-se das crianças e jovens que gritavam na rua, reclamavam que eles invadiam o jardim, quebravam janelas, danificavam seus lindos arbustos. Falaram uma, duas vezes com a polícia. Inutilmente. Aí, enviaram uma carta ao jornal Manchester Evening News, ao seu filho e, novamente, à polícia. "The cause of the death of my wife and myself has been the anti-social behaviour of our neighbours".
Acredite, isso aconteceu. Assim como acontecem diariamente, e são fartamente e vigorosamente cobertos pela imprensa e discutidos por juristas, os casos de "bullying" nas escolas. Eu admito que nunca havia ouvido falar de tal palavra do léxico inglês antes de vir para cá. "Bullying" é quando uns moleques da escola do seu filho começam a pentelhar seu filho por que ele é gordo, ou tem as pernas compridas demais, ou tem uma pinta na bochecha. A criança vítima da atazanação pode sofrer grandes traumas e ficar com fobias sociais. Sim, sim.
Na Grã-Bretanha, o que se entende por estorvo pode ter implicações extremas. Uma coisa que uma pessoa não dá a mínima importância por aí no Brasil, por aqui pode levar uma pessoa a se matar, ou a ter graves fobias. Os ingleses dão importância demais a coisas sem importância alguma. Já viu um povo acompanhar tanto o boletim meteorológico? Veja meu caso: em determinado momento da minha adolescência fui vítima de pesado "bullying" na escola. Acho que 90% das pessoas foi. Hoje, não acho que tenha mais neuras do que qualquer outra pessoa por aí. Meu vizinho da direita, aqui em Londres, costuma passar os sábados inteiros ouvindo ritmos afro-caribenhos abomináveis. Eu contra-ataco ouvindo Fred Astaire. Não vou arrancar os cabelos porque não gosto de Reggae. Não vou engolir um monte de pílulas.
Talvez toda essa supervalorização e preocupação com o detalhe-estorvo seja por causa da Monarquia. Por séculos, este povo se acostumou a valorizar demais esse cerimonial besta, as opiniões desses sangues-azuis. Oh, a Rainha estava resfriada e não pode visitar o orfanato! Ooooooooooh! Talvez o resfriado seja o indício de que, na verdade, a soberana está nas últimas e pode abdicar de seu trono em favor do primogênito, que só pensa em namorar com aquela mulher feia prá burro e que gosta de levar o netinho da Rainha para caçar raposas e andar de saia numa propriedade real da Escócia.
Outra teoria: talvez o excesso inglês de zelo com coisas sem importânca seja porque esse povo está entediado. Um país desenvolvido como este não tem problemas sérios em demasia, e por isso tem que procurar besteiras para se preocupar.
Não, pensando bem, não acredito nesta segunda opção.
Se há estorvos e notícias aos borbotões que aparecem por aqui e que não tem a mais remota importância, quando os crimes surgem, amigo, o negócio é pesado. Já se conhece a ancestral predileção inglesa pela crueldade, pelos crimes de natureza sexual, pela perversão. Jack, o estripador, que andava por Whitechapel. Aquele caso não muito tempo atrás em Gloucester, quando foram encontrados dezenas de cadáveres de pessoas desaparecidas numa casa. Acho que esses mesmos crimes podem até existir com a mesma freqüência no Brasil - pode ser que existam milhões de Maníacos do Parque - mas você não pode negar que aqui a porcentagem de monstros por metro quadrado parece ser maior. Não digo que no Brasil eles estejam mais escondidos, mas acho que por aí tem tanto crime de toda a espécie que a polícia, ocupada tentando resolver uma chacina, acaba nem investigando direito o desaparecimento de uma, depois de outra, e enfim de dezenas de mulheres.
E crianças. Não nos esqueçamos do tremendo "outcry" por aqui. Crianças estupradas. Forçadas a tirar a roupa e satisfazer um maluco pervertido. Depois, cortadas em pedacinhos. Há tantos casos por aqui, tantos, tantos. Tantas crianças que aparecem nos jornais todos os meses, só as carinhas bonitas das fotos sorridentes e as informações sobre como e onde desapareceram. Um caso que me chamou a atenção chegou ao fim na semana passada. Uma investigação gigante foi montada depois que Sarah Payne, de 9 anos (foto acima), desapareceu enquanto brincava perto da casa de seus avós, em uma área rural de West Sussex, em primeiro de julho de 2000. A menina era linda, loira, parecia sapeca e esperta. Nunca havia sumido assim.
Os pais de Sarah decidiram que não iriam deixar a opinião pública em paz até que todos, simplesmente todos que pudessem ajudar, ajudassem a encontrar a menina - ou, o que temía-se, os restos dela. O que se seguiu foi um dos maiores exemplos de como a imprensa pode mexer com as pessoas.
Um tablóide praticamente sem expressão perto do The Sun, o News of The World, decidiu embarcar na campanha dos pais de Sarah. O objetivo: passar uma lei no parlamento para que se divulgasse a lista de pedófilos e criminosos sexuais aos pais interessados em proteger seus filhos. Algo semelhante já existe nos Estados Unidos. A idéia é que os pais ficassem sabendo, de antemão, onde morava o perigo - que poderia estar ao lado, no vizinho, ou poderia ser o professor na escola local. O News of The World começou uma campanha de coleta de assinaturas, argumentando que os pais tinham o dever moral de proteger seus filhos e dizer sim à lei. Fotos de alguns pedófilos foram publicadas. E milhares de assinaturas foram coletadas apoiando o projeto. A campanha, a repetição ad nauseam das imagens de Sarah Payne sorridente em toda a mídia e a lenta mais paulatina descoberta de pistas e depois do corpo da menina acabaram provocando o que se temia.
No final de julho de 2000, a polícia confirmou que estava mantendo sob proteção um homem de 55 anos, morador do sul de Londres. Ele estava sendo ameaçado de morte porque haviam sido distribuídos 500 panfletos que o acusavam de ser um pedófilo imundo. Era uma mentira. Quatro dias depois, em 4 de agosto, o clima ficaria ainda mais pesado. Em Portsmouth, no sul da Inglaterra, mais de 100 pessoas cercaram a casa de um suposto pedófilo, cuja foto havia sido publicada no News of The World. As pessoas atiraram pedras na casa. Viraram um carro que estava em frente à casa e botaram fogo nele. O tal sujeito, segundo foi divulgado, havia abusado de mais de 140 crianças. Mas, naquele momento, ele estava em liberdade, porque alguém o havia julgado ou ele tinha cumprido sua pena. Naquele momento, aquele "monstro" era como eu ou você. E se ele estivesse arrependido e recuperado? Toda pessoa, toda mesmo, merece uma segunda chance. E se não merece, diabos, não é para um bando de pessoas com pedra nas mãos fazerem justiça. A multidão de trogloditas, obviamente, não pensou nisso. O governo, por outro lado, pensou sim, até demais.
O resultado é que até hoje se discute a lei para permitir a divulgação do nome dos pedófilos aos pais do país. Tony Blair provavelmente não terá culhões para defendê-la publicamente. É polêmica demais, pode render feridas políticas.
Na quarta-feira, dia 12 de dezembro, após mais de um ano e meio de investigações, foi sentenciado à prisão perpétua o sujeito que, apontam os peritos da polícia científica, foi o responsável pela morte de Sarah. No Brasil, certamente os colegas de detenção de Roy Whiting iriam fazer algo muito malvado com ele. Nos EUA, especialmente no Texas, ele seria sumariamente executado. Aqui, depois de alguns anos, poderá tentar uma liberdade condicional por bom comportamento. E isso, mesmo tendo sido convicto por atacar outra criança há uns anos atrás, pegando quatro anos de prisão. Isso, isso sim, isso é um excelente motivo para os ingleses se preocuparem. A mãe de Sarah, logo depois de anunciada a sentença, falou à imprensa. Um lamento em voz rouca. "Quantos mais casos como este teremos que esperar que aconteçam? Quanto mais teremos que esperar que o governo tome alguma atitude?"
Há o perigo da caça às bruxas. Há o perigo de novos crimes contra crianças. É algo complicado, complicado prá caramba. E é justamente aí que eu penso nos velhinhos que se mataram porque não tinham silêncio para cuidar de seu jardim, ou dos gordinhos que são pentelhados nas escolas e que viram tema de discurso no parlamento. E penso na Rainha. Quantos neurônios piscam e repiscam neste país pensando em coisas tão sem importância.
eu normamalmente sou contra a pena de morte, mas algumas vezes acho q ñ faria mal executar alguns desses vermes em praça publica ou fazê-los de escravos