Conheci este objeto, o disco, um ano antes da morte do formato. Ainda que se lancem discos até hoje isto é apenas o prolongamento artificial de uma indústria falecida em 1999.
A popularização do MP3 libertou a música do disco. Digitalizados, os arquivos entrariam em seleções cada vez mais variadas recombinados da maneira que o usuário bem entendesse e não mais ao gosto do artista ou da gravadora. Uma liberdade que só sonhávamos nos anos 80, ao gravar nossas coletâneas caseiras em fitas K7. Liberdade também ao comprar/baixar apenas as músicas que interessam, sem ser obrigado a comprar um conjunto fechado.
Na era do Twitter a música também deve ser fragmentada, qual o tempo (e paciência) que temos para digerir uma proposta de 40-50 minutos? Na era do imediatismo, queremos apenas o the best of.
Essa percepção, porém tardou muito a alcançar artistas e empresários e ainda não foi totalmente absorvida. É interessante acompanhar a evolução do projeto Teargarden by Kaleidyskope da banda Smashing Pumpkins que se trata justamente de eliminar o disco como processo de trabalho. A banda lança periodicamente músicas novas que ficam disponíveis para audição no site e são compiladas em luxuosas edições de colecionador de tempos em tempos. Oceania será a próxima leva, com músicas inspiradas no jogo de Tarô.
Sou uma criança dos anos 80 e meu encontro com o disco foi tardio. Não que não tenha tido contato com o objeto antes, Pink Floyd e The Beatles estavam bem ao alcance, cheguei até a comprar alguns vinis, mas nada que tivesse um impacto significativo. E eu sempre fui um curioso musical.
Os anos 90, minha adolescência, aquele período em que se costuma desenvolver a discofilia, foram de um marasmo e um incessante velar do eterno moribundo rock'n'roll que vinha perdendo espaço crescente para a música pop. Sem espaço e em profunda crise criativa, só restou ao rock a autodestruição. Daí a importância do Nirvana e Kurt Cobain, herói Campbelliano do culto à celebridade, 'antena da raça' que incorporou como ninguém o zeitgeist dos anos 90. Interessante de analisar, mas achava a musica de uma chatice abissal naquela época, preferia me ater ao nonsense e bom humor de Mutantes, Pato Fu (e aqui cabe um disco favorito na época: Gol de quem?) e Karnak.
Foi quando em 1998 me deparei com dois discos que marcariam a minha história como consumidor de música. Vasculhando a loja de CDs, uma busca de quem sabia mais do que não gostava, acabei me demorando em uma capa de CD que sempre evitava por ter uma cara New Age e reconheci uma banda da qual já havia lido muito (um ano antes do napster conhecíamos bandas lendo!), desanimado pedi para a balconista os Cds para ouvir... e me tornei de curioso a apaixonado por música. O disco era Mellon Collie and The Infinite Sadness do Smashing Pumpkins, a obra máxima da grandiloquente banda liderada por Billy Corgan. Se as influências eram o Hard Rock e o punk - as mesmas das bandas grunge que dominavam a cena musical (na esteira do Nirvana) e as letras tivessem da mesma angústia e niilismo juvenil, o acréscimo de influências do rock progressivo na mistura e a pretensão de um disco conceitual, uma obra de arte como um todo, eram todo o diferencial que eu precisava e procurava. O disco é diversificado e coeso, vai do folk Take me Down ao metal de Zero passando pela eletrônica 1979 e pela progressiva e orquestrada Tonight, tonight mesmo assim cada parte funciona dentro da estrutura do álbum. Não que seja novidade, mas nenhum disco conceitual tinha capturado minha atenção desta maneira antes.
O outro disco foi Ok Computer do Radiohead, um épico conceitual (de novo) de música eletrônica que descortinou algumas possibilidades sonoras que não entravam no meu cardápio habitual. A partir daí o som do Radiohead foi ficando cada vez mais hermético, de digestão cada vez mais difícil, mas um processo delicioso em entender a proposta, viajar nas texturas e rococós da banda.
Assim, ainda que eu entenda que discos não fazem sentido, tenho uma pequena discografia básica sentimental, formada por puro acidente.
Não sei quais eram tuas fontes, mas quase tudo do que eu mais gosto de rock é dos anos 90. São tantas bandas e tantos estilos [aliás, o hibridismo é uma das grandes marcas daquela década] que quase me perco. Vejo uma ideia generalizada de que os 90 foram quase uma Idade das Trevas do rock. Eu, particularmente, discordo com veemência. De qualquer modo, gostei do post. Smashing Pumpkins é sem dúvida uma das pérolas do período. Abraço.