COLUNAS
Quinta-feira,
28/7/2011
Vitrine das vaidades
Elisa Andrade Buzzo
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Foto: Magaly Bátory
Não vou entrar nesse papo de que a cultura se democratiza e que os níveis de leitura consequentemente estão subindo, só porque uma ou outra livraria fica intransitável nas noites frias e nos finais de semana. Tenho que experimentar ir de manhã e ver se o movimento é menor, se leitura às 10h é enjoativo, fazer algo que me desiluda dessa ideia egoísta de que não haverá um entra e sai confuso na porta, que as livrarias são templos da cultura relativamente silenciosos e atentos.
Todavia, não vou negar que é um frisson que acaba agradando. Livraria é lugar de encontro, desencontros, paqueras cabeça; não se pode, enfim, ir a uma livraria sem topar com alguém conhecido. Muitas vezes é necessário fugir, espreitar-se pelas estantes, disfarçar-se e seguir reto; outras, admirar, ah, é ele, é ela, o ator, o jornalista, o famoso, a famosa professora da USP! E lutar por um lugarzinho no café, admirar o vestuário dos atendentes simpáticos ou enlouquecidos com os pedidos. E os livros? Um pano de fundo do teatro humano em volta? Uma desculpa mais que suficiente.
Mas por que tanta reclamação gratuita se as livrarias, sobretudo as da Paulista, são os lugares mais descolados da cidade, onde o paulistano nunca irá sentir-se só, com frio e deprimido? Quando me encontro chata e rabujenta odeio todas aquelas e ainda mais as livrarias de shopping, por exemplo, por ter que me desviar das crianças brincando de corre-corre (que saudade de brincar de barra-manteiga, mas na livraria?), dos carrinhos de bebê trafegando sem limite de velocidade, afinal, um pouco de espaço e um mínimo silêncio é o que peço, na verdade um rumor agradável, para observar um livro e ler um trecho. Acho que estou ficando velha.
Por outro lado, livraria muito vazia também não dá pé, aqui do lado uma fechou, parecia uma casa mal-assombrada. Vai ver era mesmo. Eu tinha medo de entrar nela. Lá se foi o ótimo café junto. O fato é que não existe o lugar perfeito para a ânsia de cada momento. Mas temos os lugares que existem ao nosso alcance, mesmo que eles não resvalem no Éden, eles são no fundo o uso que fazemos dele.
Estamos um tanto nus numa livraria, a escancarar nossas preferências e taras literárias a quem quiser ver. Totalmente vulneráveis, nos encontramos com a cabeça encurvada, absortos na leitura, as mãos ocupadas, sob o riso e o julgamento de quem nos flagra cheirando papel, alisando verniz reserva ou analisando uma capa, o conteúdo de literatura cor-de-rosa. É por excelência o momento do social e do alheamento completo, ao dividirmos prateleiras e conversas, ainda que encontremos internamente um espaço para o silêncio e o devaneio, que a leitura, ainda que passageira, pressupõe.
E o caixa, escrupuloso, que pensará se me ver comprar Selva do baton, Os diários de Carrie ou outros best-sellers de Candance Bushnell? Aqui o mundinho é um pouco o das aparências, o do impressionar, pois o que é intelectualoide automaticamente torna-se a sensação, basta adentrar os umbrais altamente vigiados das livrarias mais chiquetosas de São Paulo. Nas do centro velho da cidade, sobretudo as religiosas, a história é outra, que ficará para uma próxima crônica. O território das livrarias é variado e quando você se converte à sua frequentação, não pode mais viver sem elas.
Também continuo frequentando livrarias, apesar da internet e da deliciosa experiência sociológica que se tornou visitá-las, por outros motivos. Livraria não é (ou não deveria ser) um amontoado de livros, nem o depósito ou a listagem pura e simples de todos os lançamentos, mas é, sobretudo, uma seleção. E esta é que diferencia uma boa de uma medíocre: uma seleção inteligente, que não traz exatamente aquilo que você espera (nesse caso, por que nos daríamos ao trabalho de ir até ela? E pois não se pode exatamente "esperar" diante das conturbações do mercado editorial), antes aquilo que você não descobriria, talvez, sozinho, e que um acaso providencial lhe faz o favor de estender. Sim, é como uma mão generosa que salta da prateleira com um pequeno tesouro.
Ao mesmo tempo, outras mãos bagunçam os livros, embaralham as sessões de literatura, e aí você se depara com uma ou outra obra fora do contexto da sua estante de origem. Bingo. E é isso que encanta: o aleatório dentro do lugar.
Um exemplo de boa e pequena livraria "boa seleção" que fui nos últimos meses é a Livraria João Alexandre Barbosa, da Edusp, na Cidade Universitária. Pra começar é um mimo de livraria, clara, estantes baixas, poltronas modernas. Depois, fui passando pelas sessões e me interessando por diversos assuntos pela disposição dos "destaques". Terminei a visita com um croissant na Toca do Urso, não comprei nenhum livro (resisti), mas saí completamente satisfeita com as coisas que descobri. O jeito uspiano de ser ainda está lá, mais bem-arranjado, é fato, se comparado com as livrarias da História e da Letras (as quais posso dizer que apesar de bagunçadas eram muito simpáticas). Já tinha passado da hora de termos espaço para uma livraria bonita e legal como essa, e não aquela "praça dos bancos" tenebrosa.
O assunto livrarias vai se estender, essa vitrine que são as histórias de livros, de lugares da cidade e de gente acontecendo é fascinante e inesgotável. Por enquanto, finalizo palpitando que mesmo com a Internet elas continuam aí, justamente palpitando. Sim, ela é uma boa e facilitadora ferramenta de pesquisa, busca e seleção. No entanto, às vezes pode ser perigoso encomendar online, mesmo às cegas, o namorado, e quando ele chegar pode ser tarde demais ao se descobrir que as orelhas são horrorosas, a diagramação interna é um caos e o conteúdo compromete. Por isso, tendo uma livraria razoável por perto, é sempre prudente ver as coisas pessoalmente, acariciá-las, abri-las sem medo (pois não é no desafio de compreendê-las que as queremos junto de si?) de quebrar e então escolhê-las, nem que seja paixão à primeira vista.
Elisa Andrade Buzzo
São Paulo,
28/7/2011
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