O texto "Liberdade é pouco", de Eliza Andrade Buzzo, publicado nesse mesmo Digestivocultural, me despertou a vontade de falar um pouco sobre minha decisão de viver sozinho (uma vida de solteiro divorciado).
Até agora só encontrei vantagens na vida de solteiro, e já faz 4 anos que me separei. Ao contrário do que pensam os defensores do espírito de rebanho (aqueles que só se sentem bem no meio dos outros e não suportam estar sós), viver sozinho tem sua poesia. E não é a poesia o que interessa na vida?
Depois de mais de dez anos de casamento, decidi me separar, mas não importa agora as razões disso. O que importa é a narrativa das condições de vida de um solteiro que já experimentou o outro lado e que acredita que ser solteiro é mais interessante do que estar casado. Se for necessário, chamarei de volta as lembranças do período da vida de casado, para, como contraponto, acentuar as benesses da vida de solteiro.
A primeira sensação que tive depois que decidi viver sozinho foi a da extrema liberdade. Não a liberdade de sair com todo mundo, me deitar em todas as camas, experimentar todos os prazeres carnais possíveis (não sou mais um adolescente afoito, e prefiro antes a qualidade que a quantidade). A sensação é de que, finalmente, eu pertencia a mim mesmo. Essa sensação não tem preço. Ela resume, talvez, a busca filosófica pela liberdade. E não foi Sartre quem disse que "o inferno são os outros"? Ele estava certo ao dizer isso. E Ezra Pound reforça a idéia dizendo que "o homem livre, necessariamente, é o homem só".
Estando só (eu quase disse "livre"), eu deveria cuidar de mim, criar meu próprio tempo para as coisas que são fundamentais para minha vida, ou seja, inventar uma nova existência, desta vez, sem a sombra de uma outra pessoa que, por mais que te ame, também cria, ou deseja criar, não por maldade, mas apenas por existir ao seu lado, limitações aos seus movimentos e necessidades. E se as pessoas não atingiram uma maturidade intelectual mínima para entender que a vida do outro não é a vida dela, pior para os dois.
Viver só implica também em responsabilidades maiores, pois você não terá mais o quebra-galho do outro que o socorre em várias ocasiões e ajuda, por exemplo, a lavar os pratos, recolher as roupas, varrer a casa, passar as roupas, colocar os livros no lugar, preparar o café da manhã ou jantar, etc. No meu caso, mais responsabilidade ainda, pois não levo a luta de classes para dentro de casa: não tenho empregada. Mas você terá também a liberdade de deixar a casa como está, arrumar quando quiser, comer quando quiser, levar para dentro de casa quem quiser, sem o constrangimento da opinião alheia sobre estas coisas.
São várias as perspectivas que se abrem para o homem, ou mulher, que decide viver só, inclusive a de viver com os outros e ainda se manter só (afinal, pode-se namorar, ter amigos, parentes, visitas, viajar, sair para farras, enfim, fazer o que se quiser e ainda preservar essa condição).
Alugado meu novo apartamento de solteiro, como disse Dante, Incipt vita nova (começa a vida nova). A começar pela disposição e escolha de tudo o que vai estar dentro dele, você tem a liberdade total de decidir sobre como será sua nova moradia. A sensação deliciosa de se sentir dono da própria vida começa por aí, nesse pequeno gesto de aconchego.
Ser o único e exclusivo dono das chaves de sua casa é um êxtase, pois nessa condição você entra e sai de casa quando quer, sem ter que explicar nada a ninguém: onde vai, porque vai, com quem vai, o que vai fazer, quando vai voltar, etc, etc, etc. O tempo e o espaço de um homem solteiro, convenhamos, é muito mais dele. E quem controla o próprio tempo e o espaço experimenta a sensação do poder sobre a própria vida.
A vida de um homem sozinho aumenta em qualidade todas as experiências: só faz sexo quando quer e com quem quer e não por "obrigação marital", come menos e melhores alimentos, aproveita o silêncio e o estar só para ler, ver TV ou ouvir música com muito mais atenção, sem ser interrompido a cada segundo pela presença e tagarelice alheia. Se cuida mais, pois sempre estará na posição de quem deverá tornar-se sempre desejado pelo outro, perdendo a posição acomodada de quem já conquistou e não precisa mais se preocupar com as artimanhas da conquista e sedução. Usa seu dinheiro naquilo que acha importante para si mesmo e não em "comum desacordo" com o outro. Observando casais em supermercados brigando por causa das escolhas, vejo homens querendo Cds, bebidas, bobagens e mulheres querendo o trivial necessário ao lar- um deles sempre ficará com a cara de magoado.
Há uma lista de coisas intermináveis que são de proveito do homem que vive sozinho: pode ver o filme que escolhe sem perguntar a ninguém se quer ou não partilhar daquela escolha, pode ligar a música na altura que achar necessária à sua necessidade, pode ler até a hora que quiser, pode comer e beber o que desejar sem ter que pensar se isso agradaria ou não a outra pessoa. Pode deixar a casa arrumada ou desarrumada sem pensar se o outro se incomodaria, pode escolher que quadros estarão na parece sem ter que brigar sobre esta escolha, pode ouvir ópera ou rock em alto e bom som sem ver o outro torcendo o nariz para seu gênero preferido, pode acordar domingo às 7 da manhã e passar o dia inteiro vendo filmes, aconchegado na poltrona até o dia desaparecer, sem ter que ir ao Carrefour ou Shoppings fazer compras no meio de um turbilhão de gente de classe média barulhenta e de espírito consumista (hábito tradicional de boa parte da população dos casais).
Em relação à vida sexual, tudo muda também. Você pode se decidir por ter uma vida menos regrada, aumentando, por exemplo, seu número de parceiros (com a liberdade sexual de hoje, qualquer barzinho que você freqüente lhe possibilitará novos encontros, sem os custos do compromisso e com os benefícios do prazer sexo-corporal livre). Pode, ao contrário, ter poucos casos, mas sem a afirmação de um compromisso sério (namoro). Será uma espécie de "amizade colorida", como se dizia alguns anos atrás. Há uma infinidade de pessoas dispostas a viver assim, eu garanto.
Pode ainda, em termos de um acordo moderno, ter uma namorada ou companheira afetivo-sexual que entenda sua necessidade de liberdade de tempo e movimento e que, também, viva de forma semelhante à sua, sem querer abrir mão da sua própria liberdade. Garanto, também há muita gente optando por essa situação.
Então, do ponto de vista sexo-afetivo você não será um ser desgraçado ao decidir viver sozinho, ao contrário, será feliz. Tanto para o homem quanto para a mulher a situação é a mesma. Estamos numa das melhores épocas do mundo, onde a liberdade intelectual, sexual e econômica da mulher ampliou muito a liberdade do homem.
O tradicional casamento burguês, no qual a mulher dependia economicamente do homem, aprisionando-a numa situação indefesa foi por água abaixo. Qualquer mulher minimamente preparada para a vida hoje consegue se manter sem o marido, possibilitando o rompimento de relações desgastadas, neuróticas, impossíveis, que só geram sofrimento. E ninguém se sente desconfortável terminando um casamento, como quanto se sentia antigamente nas províncias mais recôndidas.
Na vida de solteiro não existe mais essa história de voltar para casa e sentir-se sozinho, vazio, desolado. O mundo contemporâneo nos oferece excessivamente a presença dos outros e, ao contrário, o que devemos fazer é selecionar com quem deveríamos estar. Diversão não falta, às vezes a preço de banana: TV, DVDs, jogos, churrascos, bate-papos, internet, cerveja, conversa com amigos, tudo está aí disponível para quem quiser encarar a presença dos outros.
Das pessoas casadas que conheço e que se sentiram livres para comentar comigo a sua situação, 100% delas só têm a reclamar da vida de casado. E digo, não são homens em busca de aventuras a maioria das pessoas que reclama. São mulheres descontentes com o que geralmente chamam de "prisão". Quando dei aula num curso de artes em São Paulo, uma aluna minha, casada, fez um objeto artístico que consiste numa ratoeira com a sua própria aliança de casamento colocada no lugar do queijo. Ou seja, o casamento percebido como uma armadilha. Muitas repetem a famosa frase de lona de caminhão: "Casamento é assim, quem está fora quer entrar e quem está dentro quer sair".
Não quero com o que disse acima afirmar que o casamento é apenas uma furada. O forte laço emocional que une as pessoas em projetos de vida em comum, com afinidades eletivas ou às vezes sem elas, e que conseguem gerenciar as diferenças diplomaticamente, é uma razão para se estar co-habitando com alguém.
Também não devemos colocar panos quentes e dizer que é melhor viver acompanhado que sozinho. Pois nem sempre o viver sozinho significa estar solitário (como exemplifiquei acima) e, muitas vezes, há pessoas vivendo em grandes famílias e, no entanto, se sentindo os seres mais solitários do planeta. Afinal, quem é que nunca dormiu ao lado de alguém que, mesmo estando ali em carne e osso, não consegue impor a idéia de presença e preencher nossa alma?
Tenho conhecido pessoas que, como eu, optaram, depois de separadas, por viver sozinhas, mesmo quando afetivamente ligadas a alguém. Pelos relatos que tenho ouvido, ninguém quer trocar essa condição pela do tradicional casamento.
Se Proust estiver certo, ao dizer, no seu livro Em busca do tempo perdido, que o excesso de presença mata o amor, o contrário, o tempo da falta do outro é que alimentará o prazer da companhia e mais, o sabor da liberdade, que é a escolha do tempo e do espaço de onde, como, quando e com quem decidimos viver.
Gostaria de terminar com uma frase do filósofo alemão Friedrich Nietzsche: "Não venhas roubar a minha solidão, se não tiver algo mais valioso para oferecer em troca".
Carol, na verdade não foi tão ruim assim, mas o clássico mar de rosas misturado ao abismo dos infernos de sempre. Mas não é o casamento que é ruim, é a liberdade que é boa demais para querer novamente me meter numa furada.
Meu texto parece dizer que meu casamento foi ruim, mas não é isto que eu quis dizer. Fui bastante feliz, explorei minhas emoções e minha sexualidade até onde foi possível. Tenho profunda admiração pela pessoa com quem me casei, mais do que por qualquer outra pessoa desse mundo. Mas o fato de con-viver por si só impõe limitações que eu não quero ter mais. Apenas isso. Já que a grandiosidade sexo-emocional pode ser também adquirida com a vida de solteiro.