COLUNAS
Sexta-feira,
11/1/2002
Ano novo, vida nova.
Rafael Azevedo
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Everywhere is war
2001, 2002. Atentados, violência, exércitos tomando posição, bombardeando-se a distância. Indianos e paquistaneses, israelenses e palestinos. A irracionalidade ainda toma conta de boa parte do nosso mundo. Conflitos seculares gerados pela religião, conflitos milenares recém-despertados. Não há fim à vista.
Feliz ano novo a todos.
Inteligência estratégica.
Governos autoritários e opressores, financiados pelos EUA, voltam-se contra a América e seus interesses – para combatê-los, os americanos financiam outro governo, que desprezará igualmente o povo que estará sob seu jugo, e breve voltará a se voltar contra todos nós; será preciso encontrar outro líder local, de caráter e intenções duvidosas, mas que tenha o interesse de se aliar com os infiéis do ocidente, em troca de obter o poder. Está feito o círculo vicioso... não seria hora de rever essa política? Não se pode empreender uma luta “pela liberdade” em algum lugar, sem que efetivamente sejam dadas liberdade e democracia ao povo destes lugares esquecidos por Deus e pelos homens. O regime militar de Saddam foi armado pelos EUA (que faziam vista grossa à opressão que ele imprimia ao povo iraquiano), na guerra contra o Irã – deu no que deu... o regime militar tirânico do Paquistão, comandado pelo presidente (leia-se general) Musharraf, foi o principal aliado americano na guerra contra o Taliban, mas agora assume involuntariamente o papel de vilão nesta imbecil disputa com a Índia pela Cachemira. Arafat era um terrorista sanguinário, aos olhos do Ocidente, até menos de vinte anos atrás. Agora, é Nobel da Paz...
Felizmente, a maneira com que a comunidade internacional vem comandando a mudança de regime no Afeganistão parece sugerir que algo foi aprendido dos erros passados, e o país não será esquecido, nem largado às moscas. Ou aos camelos. Mas esse é só o começo. Faltaria fazer o mesmo no Paquistão, Uzbequistão, Turcomenistão, Cazaquistão, Quirguistão... e quem sabe um dia, China, Iraque, Iêmen, Somália, Egito, Síria, Arábia Saudita... a lista é interminável.
Charadas brasileiras
Fernando Dutra Pinto sequestra a filha do maior empresário do país, volta à sua casa e mantêm ele como refém, depois de ter se envolvido num tiroteio onde morreram dois policiais e o nome da corporação saiu mais sujo do que já era. Algumas semanas depois, aparece morto – causa mortis: parada cardio-respiratória. Ele tinha menos de 25 anos. Morte natural, diz o Secretário de Segurança Pública. Ninguém fala nada, publicamente.
Cássia Eller morre no hospital, com o braço infestado de picadas; mas os jornalistas noticiam que o que a matou foi 1 grama de cocaína – misturada com whisky (coro de senhoras: ooohhhhh!). A capa da Veja brada, revoltada, repulsiva – “Drogas, mais uma vítima.” Ela injeta o que quer nos tubos, mas nem assim a culpa é dela – foi a droga que fez isso. Além de tudo, a mulher entrou caminhando, embora amparada – e teve o primeiro infarte já no leito do hospital. Mas não se comenta a possibilidade de erro médico nos meios de imprensa.
Os diretores de cinema nacional continuam usando dinheiro público para fazerem suas “obras-primas”. Em contrapartida, não temos uma orquestra sequer em todo o território brasileiro capaz de fazer com que sintamos orgulho de nosso cenário musical. O teatro vive de esporádicas manifestações de vida inteligente, e a TV equilibra-se na fina linha que divide o popular do vulgar. Nossa literatura vive, como sempre viveu, de esforços individuais heróicos... enquanto isso, na Academia Brasileira de Letras, Sarney e Cony tomam chá enquanto “metem o pau no FHC”. Roberto Marinho faz que não é com ele.
Muda ano, sai ano, e o Brasil continua o mesmo – só não sei se é mais difícil acreditar nos fatos em si, ou na passividade com que aceitamos eles.
post scriptum
Ontem, provavelmente enquanto eu escrevia esta coluna, a o governo da Arábia Saudita estava colocando em prática a demolição de uma fortaleza otomana de 220 anos de idade, patrimônio histórico-arquitetônico da humanidade, para a construção de residências "populares" para hospedar os imigrantes em seu caminho para Meca. Apesar dos apelos insistentes do governo turco, os sheiks árabes foram irredutíveis no que chamaram de exercício de sua soberania.
Nestes tempos em que o Taliban foi tão justamente criticado por destruir praticamente tudo o que o Afeganistão possuía que apresentasse algum valor artístico ou arqueológico, é interessante notar como os líderes do maior aliado dos EUA na região nesta "Guerra contra o Terror" são capazes de atos tão bárbaros, senão mais, que o dos próprios e temidos Talibans. Afinal, é sempre bom lembrar que na Arábia Saudita ainda se aplicam as mesmas punições públicas que se viam nos estádios de Cabul há algum tempo atrás, e ainda existe uma polícia especializada em bater nas mulheres desavisadas que porventura saiam à rua com uma calça, ou deixem escapar seu cabelos do véu.
Rafael Azevedo
São Paulo,
11/1/2002
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