Meu nome é Alexandre Soares Silva, e nasci no ano de 68. Aquele, quando estavam proibindo proibir. Não sei bem o que isso diz sobre mim; mas, como a maior parte daqueles estudantes bobos, nunca gostei das aulas, e teria botado fogo na escola com muito prazer.
Fui um bom aluno, no entanto. Não botei fogo em nada. Ao invés disso, uma vez fui ao supermercado com a minha mãe e, por impulso, pedi a ela um caderno quadriculado. Nele escrevi a história (na época, estória) de Hugue - um garoto, como eu, de sete anos.
Era assim: Hugue certo dia acorda, escolhe o seu "carro favorito" (ilustração de vários carros na garagem de Hugue), e vai visitar a avó. No caminho encontra monstros, piratas, essas coisas. (Mas não a avó). Vinte anos depois, ele volta pra casa, só para descobrir que a avó tinha estado lá o tempo todo, tomando cafezinho com a mãe na sala.
Não parece promissor, contando assim, mas as aventuras no meio eram razoavelmente legais. Pelo menos eu acho.
Depois comecei algumas centenas de livros de aventura (e de horror, e policiais) que nunca terminei. Sobre um relojoeiro suíço chamado Albrecht Asper, que resolvia crimes. Sobre um país medieval, mais fino do que o Chile, entre Portugal e Espanha. Sobre uma dupla de esgrimistas franceses, na época em que "Jamaica" se pronunciava "Xamaica".
Mas só consegui publicar o primeiro livro aos vinte e seis. É um romance de aventuras para adolescentes, que foi publicado pela Global - A Origem dos Irmãos Coyote. O segundo também é um romance de aventuras para adolescentes (pelo menos é isso que a editora diz) - Na Torre do Tombo (mesma editora). E finalmente um romance adulto que eu vinha escrevendo e reescrevendo bem devagar desde os vinte anos - A Coisa Não-Deus (Editora Beca, 2000).
Recebeu boas críticas. Outra noite dessas reli o livro, e devo dizer que adorei. O mínimo que se pode dizer dele é que é cheio de panache.
Panache é uma grande coisa.
Que mais, que mais, que mais?
Uma vez, quando estava fazendo um curso de roteiro, ouvi uma voz dizendo lá no fundo da sala: "Professora, um momento, só queria dizer uma coisa. Não sei quem aquele rapaz é, mas tive uma visão e me pediram para dizer que ele ainda vai ser muito famoso". Virei pra trás já sabendo que ele estava falando de mim. Aceitei essa previsão muito calmamente. Aquela gentil alma gay - lembro que ele estava escrevendo um romance com quarenta personagens. Espero que esteja bem.
Acredito tanto na previsão dele quanto acredito na do sapateiro de Trancoso e na do alfaiate de Setúbal. O que é sim.
Mas espera, vamos voltar atrás . Eu quando criança, na biblioteca do meu pai. Me lembro de ter apontado melodramaticamente para o nome dourado de um autor numa lombada vermelha- Stendhal, se não estou enganado- e de ter dito: "O que quer que você tenha feito, posso fazer melhor". (Eu realmente era um moleque melodramático quando estava sozinho.)
Isso talvez explique o motivo de eu ter aceitado a previsão do roteirista gay tão calmamente. Você já deve ter percebido que eu tenho a tal da "saudável auto-estima" - também conhecida como empáfia.
Que mais? Deixe ver.
Não acredito em "viver a vida intensamente". Acho tanto o conceito quanto a expressão um tanto bregas. Pra começar, sempre que se diz isso o sujeito era drogado ou bebia até o ponto de chutar bandejas das mãos de velhinhas. Não. Prefiro viver a vida suavemente, obrigado. Ser gentil e tirar soneca no meio da tarde. Ler um bocado.
Sou um recluso (quase). Meu maior prazer é poder passar um dia sem falar com absolutamente ninguém. O telefone toca, e estou há tantas horas sem falar que a mandíbula abre com dificuldade, com estalo. Mas raramente consigo passar um dia assim.
Sou preguiçoso. Acho que a ética de trabalho foi realmente criada para manter os escravos no lugar. Como não sou escravo, relaxo. (Quando posso. E frequentemente quando não posso, também). Além dos dias em que não tenho que falar com ninguém, adoro os dias em que não tenho que ir a lugar nenhum, nem fazer nada. Nem no dia seguinte. Nem na mesma semana. Ter um compromisso de manhã cedo na quinta já me estraga a segunda.
Odeio bancos. Odeio a cara amassada dos políticos. Odeio autenticar documentos. Odeio conversar com MBAs.
Acho que Tolstói é o maior escritor de todos os tempos (mas talvez eu só diga isso porque não sei grego para ler Homero). Meu filme preferido é "Gigi", de Vincent Minnelli. (Sério.)
Acredito em Deus. Acredito em reencarnação. Acredito também que Marlowe escreveu as obras de Shakespeare- pelo simples fato de que é divertido acreditar nisso. Tenho tendência a achar os ateus um pouquinho chatos.
Que mais, que mais, que mais?
Ah - só uma coisa- eu realmente vou escrever livros melhores do que os de Stendhal. Me dêem algum tempo.
Livros de Alexandre Soares Silva Adulto - Ed.Beca: - A Coisa Não-Deus
Infanto-juvenis - Ed.Global: - A Origem dos Irmãos Coyote - Na Torre do Tombo
Puxa, e eu estava gostando tanto dos seus textos! Achando que estava lendo um velhíssimo terceira idade culto e já impotente (que os politicamente corretos me perdoem), até quase chorando sua morte, pq só tinha visto textos de 2002 e 2003, e daí descubro que nasceu em 68... Caracas... Que decepção intensa e funda.