Eu estudo na melhor escola de Administração de Empresas da América Latina. E não tenho o menor orgulho disso. Não que eu ache que os outros não possam ter: essa é uma questão pessoal. Tenho dificuldade para me identificar com qualquer tipo de instituição. Não gosto da idéia de pregar um adesivo com iniciais na testa e assumir, além de qualidades que não tenho, defeitos que não quero ter. De problemas, bastam os meus.
Acontece que algumas idéias das empresas, seguindo uma tendência natural, contaminaram minha escola de Administração: e parece ter se tornado, ela mesma, uma empresa. Uma escola pode – e deve – ensinar como podemos fazer dinheiro fabricando um produto ou prestando um serviço competentemente: é inaceitável, porém, que a lógica do mercado vigore nos corredores da academia.
Ou seja: o preço da coxinha, dentro de uma escola, deve ser mais baixo do que em qualquer outro lugar da cidade. Seja em uma escola de Administração de Empresas ou de Ciências Sociais. Não importa: os consumidores ainda são estudantes. A cantina deve prestar um serviço eficiente, deve, indiscutivelmente, recolher lucros, mas não pode, de forma alguma, fazer o que está fazendo: abusar do seu monopólio.
As folhas avulsas, por exemplo, são estrategicamente distribuídas com três furos, para que se obrigue o aluno a comprar o fichário da escola e, depois, mais folhas com três furos. É querer sugar até a ultima moeda do bolso de quem já paga uma mensalidade relativamente alta. E que não pode estudar à noite para trabalhar durante o dia, porque as classes que foram do curso noturno de graduação estão, agora, ocupadas por outros cursos, que geram mais lucros.
Se o aluno, ainda, pelo motivo que for – descansar do ambiente escolar ou passar um semestre no exterior desvinculado da escola -, trancar sua matrícula, precisará pagar, indiscutivelmente, metade da semestralidade do curso. Não fosse um sistema de fundo de bolsas prático, mas que também precisará ser pago posteriormente, seria, aí, uma completa exploração financeira. Por enquanto, é quase. Ainda que aleguem repetidamente, com motivos mal explicados, que o curso dê prejuízo.
As classes são completamente equipadas com cadeiras confortáveis, mesas novas e boas, televisões, computadores, projetores, ar condicionado, etc. Mas a propaganda que as empresas que doaram esse material fazem, dentro da própria classe, é desnecessariamente agressiva e feia. Dizem que existe lista de espera de empresas querendo patrocinar essas salas de aula. Por que não, então, controlar a distribuição de pôsteres, o tamanho do nome da empresa, a irritante divulgação de slogans? Ficaria mais bonitinho, pelo menos. Do jeito que está, parece que a independência do conteúdo ensinado é a mesma de uma prostituta exigente: existe, mas tem um preço.
Como, também, o caráter corrompido de alguns alunos que se envolvem tão cedo com politicagens baratas. É triste e evidente que, ainda tão novos, suas preocupações sejam exclusivamente projetar uma imagem simpática e correta para encobrir interesses tão mesquinhos como o de roubar migalhas que sobram no caixa do DA. E, se isso nunca existiu, ainda assim apenas o fato de que se trocam descaradamente acusações nunca averiguadas é assustador.
Como, aliás, também é assustadora a competição selvagem entre os alunos para alcançar as melhores notas, uma ambição infantil e insalubre. Como preparação para enfrentar um mercado de trabalho cada vez mais exigente e competitivo, o clima na classe fica, às vezes, tenso, quando o comportamento civilizado – i. e.,esperar em fila para falar com o professor – é substituído pela grosseria mais baixa e porca, capaz de desprezar e esmagar qualquer aluno mais bem intencionado. A insistência em se adaptar à personalidade exigida pelo mundo corporativo chega a ser ridícula, e todo mundo exercita, independentemente do seu temperamento, sua habilidade de mediador ponderado e líder carismático copiadas de manuais de psicologia para empresas.
Pela impossibilidade prática de ensinar uma coisa que não se sabe a alguém que não está interessado, seria mais proveitoso, para a Escola e para os alunos, que as matérias de Humanidades fossem na maioria abolidas. A ignorância assumida é decididamente mais saudável do que a ilusão do conhecimento. Como respeitar os “profundos” conselhos de uma professora de Psicologia que não consegue completar um slide
sem cometer um erro gramatical? Só mesmo caindo no papo dela, separando indiscriminadamente razão do sentimento e aceitando que, por trás daquele desconhecimento gramatical técnico, ela acumule uma superior sabedoria de vida. Ou como, então, acreditar no discurso filantrópico e pretensiosamente erudito de um professor incapaz de pequenos favores ou, ao menos, acertar onde nasceu Carl Gustav Jung, que ele chama, na mais petulante intimidade, de Carlos Gustavo? E um semestre de Filosofia, justificável apenas pela exigência do MEC, é cansativo e inútil: ocupa tempo e confere a alguns alunos a mesma arrogância do professor especialista em Jung: não entende nada do assunto, mas, como os outros entendem menos ainda, seu parco conhecimento se transforma em inabalável erudição.
Com todos os seus defeitos, porém, ainda resiste uma indiscutível qualidade: não há nenhum outro lugar, no Brasil, onde se aprenda com tanta eficiência o conteúdo que uma Escola de Administração se propõe a ensinar: como fazer dinheiro. É o lucro, definitivamente, o objetivo de uma empresa normal – e deveria ser, a princípio, o interesse de quem pretende trabalhar em uma empresa. Para o bem ou para o mal, o dinheiro é, hoje em dia, o que move o mundo e, goste ou não, é preciso saber lidar com ele – afinal, é uma das poucas constantes em nossa vida. Pode ser que, no meu caso, eu não tenha aprendido nem vá aprender. Não importa. A Escola, mesmo tropeçando, cumpre a sua parte. E entender como a realidade nesse ambiente funciona, para mim, já é compensador. Não me arrependo, portanto, de forma alguma, de estudar onde estudo. Ao contrário: também tenho, além de muito a reclamar, uma dívida a reconhecer.
Texto muito bem escrito. Pouco posso acrescentar, além do comentário já feito - talvez o teor do texto seja de crítica, porém, vejo mais como um conselho a quem ler ele. Mesmo sendo a melhor faculdade de administração, nada do que é aprendido lá é aplicado lá - "faça o que eu digo mas não o que eu faço", e em um momento tão importante como o da escolha de carreira, isso deve ser levado em conta.
Parabéns!
Seu texto é muito abrangente, aborda assuntos de interesses distintos, eu estudo em uma instituição gratuita o pessoal desta mesma está meio esmagado
entre falta de verba e outras precariedades porém, amigos meus são explorados nas faculdades particulares, logo concluo que é necessário uma revisão dos interesses das empresas na educação. Pergunto o que fazer para melhorar este quadro????
Antes, muito obrigado, Chico e Vinícios, pelas observações e elogios. Fiquei também contente em saber, pelo Romy, que este texto foi divulgado entre alunos de Administração da UFRG como tópico para discussão. Obrigadão mesmo, a todos. Inclusive a você, Ana, que, com seu pertinente comentário, me incentivou a participar da vida real. Me desculpe, porém. Se é essa em que você vive, sinceramente, prefiro continuar desligado. Voltem sempre! Beijos e abraços,
Eduardo
Voce escreve bem, Eduardo. Ja havia lido seus textos aqui e me divertido com a maioria.
Nao que tenha me sentido ofendido como alguns pelas suas criticas `a nossa FGV, mas acredito que voce se preocupe muito em nao se "acomodar" como o "barrigudo tatuado" do seu texto Carnaval.
De qualquer forma, parabens. Mas lembre-se que para sobrevivermos nesse mundo, devemos ganhar dinheiro de alguma forma...
Abraco
Edu, parabéns, um texto muito bem escrito, mas com algumas ressalvas. O que vc faz para mudar tudo aquilo o qual vc tanto critica. Faço GV e nem sei quem eh vc. Critica o pessoal do DA, mas talvez sejam eles os unicos que tentam, no meio de tantos alunos iguais a vc, fazer alguma coisa que possa vir a te beneficiar. Criticar é facil. Mas reconhecer dividas tb é legal!!!!
Olha, Fabrice. Eu faço GV e também não sei quem é você. O que não significa, de forma alguma, que você seja um completo inútil. Repare, eu não critiquei o pessoal do DA diretamente. Acho bacana que tenha gente querendo me "beneficiar". Mas, convenhamos, tem gente que passou por ali sem as melhores das intenções, e é isso que, provavelmente como você, acho nojento. Por mais que pareça, acredite, criticar não é fácil. Sente e tente escrever. Se sair ligeiramente melhor do que é publicado na Gazeta Vargas, antecipadamente, meus parabéns. E, postumamente, obrigado pela leitura e pelo elogio. Aquele abraço, Eduardo
Desculpa, Eduardo, permita-me um pequeno comentário: vc escreve muito bem, mas não tem boa pontaria. O alvo não foi atingido. A artilharia foi de boa qualidade, mas muita bala foi desperdiçada. Fustigar o DA, com suas medíocres cabeças, ou ter as cabeças medíocres de alguns professores apontadas, só serviu para levantar a lebre de outras tantas cabeças-de-vento, defensores de "verdades vendidas e comprazidas" como bem o disse Paulo Francis, em seu comentário "Calar, omissão e pecado". Mas não tergiversemos. Não adianta, no “benditoso” caso, atirar, sem mirar. Procure sondar a própria diretoria, senhores, senhoras e senhorinhas responsáveis pelas relações FG/MEC/FAM---->Brasília. Eis a ponta do "aisiberque". O grosso fica um pouco mais embaixo. E talvez ali esteja o seu, ou o nosso ALVO.
Um abç
Assis
Dando uma passeada pelo Digestivo, achei este texto, que por uma distração deixei passar no momento em que foi publicado. O título de cara me remeteu a alguns dos anos mais felizes da minha vida. E antes de mais nada, repito: Obrigada, GV!
Obrigada pelas amizades construídas (que no mundo dos cifrões podem ser vistas como um networking muito eficiente), pelas boas e não tão boas aulas (que hoje assumo não ter tido maturidade para extrair o melhor delas e portanto não me sinto no direito de criticá-las), pelos infinitos trabalhos em grupo (que bem ou mal me ensinaram a importância de trabalhar em equipe), pelas discussões em classe (um dos ambientes de maior nível intelectual que já freqüentei), pela organização impecável (que por sinal me deixou mal acostumada e de certa forma postergou meu contato com a realidade brasileira...).