Michael Palin's Hemingway Adventure
Um dos grandes programas exibidos na televisão à cabo chama-se Hemingway por Michael Palin (Michael Palin's Hemingway Adventure), no canal People + Arts. Se o segundo nome não te diz nada, aqui vai um refresco: Michael Palin é um dos fundadores da trupe britânica conhecida como Monty Phyton, junto de atores como John Cleese ou Terry Gilliam, ainda na ativa, mesmo em Hollywood. Hoje, cinquentões, não há mais chance deles se juntarem para fazer as gracinhas que os tornaram famosos na década de 70 - beeeem... Cleese volta e meia faz papel de palhaço em um filme - já que, pelo menos cronologicamente, ultrapassaram a meia idade e não precisam mais ficar pagando micos para ganhar dinheiro. É comum o gosto de artistas mudar com a idade; membros de uma banda de rock passam a dedicar mais tempo a seus projetos ditos pessoais, como aquela banda de jazz paralela, ou outro hobby que tenham mantido ao longo da vida, de fotografia até gastronomia. Como Palin é inglês, podia-se esperar algo mais do que de um roqueiro californiano, e aqui entra a BBC, rede de televisão estatal inglesa, a lhe prover um programa sobre... literatura? Pesado demais. Deixe isso para escritores brincalhões ou professores. Por que não um programa centrado num único escritor, de biografia tão empolgante quanto seus livros, comentando, à moda de turismo, sua intensa mobilidade pelo mundo?
Enquanto Michael Palin passa por lugares tão distintos como o extremo sul da Flórida, Paris, as planícies do Serengetti, na África; Veneza e Havana, vai destrinchando períodos da vida de Ernest Hemingway, conversando com pessoas que o conheceram, do semi-selvagem africano que viu o aeroplano dele cair em uma colina ao filho do nobre que o hospedou num palacete; tomando drinques que foram preparados especialmente para ele, em bares que ganharam fama em seus livros, como o Sloppy Joe's ou o Harry's; citando trechos adequados às situações e colecionando memorabilia genérica sobre Hem: do número e tipos de ferimentos que sofreu em uma temporada na França a um esquisitíssimo concurso de sósias anual realizado na Flórida, que teria sido melhor apresentado por Jack Palance. Como se não bastasse a saudável aliança entre viagens, cultura e curiosidades, há o engraçadíssimo humor involuntário - nunca se deve esquecer a origem de Palin - que o apresentador britanicamente arranca de seus entrevistados, submetendo-se a situações que beiram o absurdo: ao ilustrar a descrição de caça aos patos, Palin reproduz ao seu modo todos os hábitos típicos de um caçador: madruga, reclamando horrivelmente do frio; carrega todos os paramentos, de patos de madeira (as iscas) a munição para espingardas, se perguntando para que cada um serve; leva um livro para passar o tempo, e fica enrolando seu parceiro com tudo que é pergunta possível enquanto os patos não chegam. Mas nada se compara à sua cara de espanto ao ver o parceiro usando os diversos tipos de pio para chamar pato, ainda com alguma esperança, depois de 3 horas de absolutamente nenhum pato na área...
The California Sunshine Golden Drop Trip Band "Ela é tão antiga aqui na empresa que, quando entrou, não fez psicotécnico - fez exame psicodélico."
Espalhe por aí Mr. Nomono vem para nos redimir a todos!
Até morrer
Foi capa de todos os jornais no Rio: torcedores do Flamengo invadem treino e atacam jogadores. "Quanto vandalismo!", horrorizaram-se as senhoras da Liga dos Quitutes Mineiros, "Que baixaria!", bradaram os doutores da Associação dos Jogadores de Dominó Sábado à Tarde. Colocando pingos nos jotas, que os is já acabaram há muito: mais do que um esporte popular e jogado a cada esquina, o futebol se presta a manifestações populares há muito banidas de outros palcos - como já foi bem colocado, mais do que ver futebol, brasileiro gosta é de torcer para futebol. Ver o seu último motivo inconteste de orgulho internacional (eu não esqueci do Guga, mas Guga é um só), seu último bastião de talento inato, seu mais forte elo de união coletiva (acima de política, ali ali com religião) aviltado, degradado, desmontado, humilhado é algo de extremo pesar para o torcedor. Um time que concentra mais da metade da torcida do país só vai ser mais visado por seus torcedores, e ter mais exposição. O que choca nessa história toda não é nem o ataque violento, é que o motivo capaz de detonar esse barril de pólvora tenha sido o futebol. Reações em outros campos podem apenas ser imaginadas: "Populares invadem rampa da Alvorada depois que presidente anuncia aumento do mínimo em 6 reais"? "Sessão extraordinária da Câmara é interrompida quando invasores protestam contra votação de aumento do salário dos deputados"? Dá para ir embora com variações nesse sentido. Isso se ficar só nas manifestações espontâneas, não organizadas...
Balanço do verão
Eu estava morrendo de vontade de fazer um balanço do verão, de louvar os baratos do Piscinão de Ramos (que o ex-governador Brizola apelidou com muita picardia de Pinicão) que o governador Garotinho inventou, falar da clorofila que andam adicionando aos sucos de frutas, mas desisti: não dá para competir com essesdois caras.
À propósito "Garotinho é uma mistura de Mussolini, Mao, Jimmy Swaggart e
Carequinha" (aspas para meu amigo crítico de cinema João Marcelo, a.k.a. O Mestre, brilhante em seu retorno à nobre arte das frases de efeito)
Sem vocação para a mediocridade
Apesar de ter criado, do zero, o projeto inteiro de uma cidade, e não uma cidade qualquer, mas aquela que seria destinada a abrigar a capital da república, o nome de Lúcio Costa não é lembrado com a mesma freqüência nem com a mesma relevância que o de Oscar Niemeyer, projetista dos principais prédios públicos daquela capital. Talvez o motivo tenha sido mais a atenção que o engajamento político atrai - Niemeyer arruma um jeito de colocar foices estilizadas em quase todo monumento, enquanto Lúcio Costa ficou conhecido por dizer "não sou capitalista nem socialista, não sou religioso nem ateu" - do que o talento exemplar. Nesse ano em que completaria o centenário, uma exposição percorrendo a vida de Lúcio Costa ocupa várias salas do Paço Imperial, no Rio
de Janeiro, cidade à qual dedicou muitos anos de vida.
Conhecê-la é restaurar o senso de proporção, é ver o excepcional talento de Costa para o desenho (particularmente em aquarela), que o fez respeitado na faculdade de Belas Artes apesar de ter ingressado lá adolescente; é descobrir que ele chegou a mandar para as bancas projetos prontos de "casas sem dono", no afã de romper com o estilo Neo-Colonial, apresentando projetos arquitetônicos a preços acessíveis; é se maravilhar com seu tratado sobre o mobiliário colonial - texto & desenhos dele. Outra frase de Lúcio Costa ilustra as paredes do Paço: "O Brasil vai dar o seu recado no tempo certo; é um país que não tem vocação para a mediocridade." Também é reviver um pouco de História, em meio aos milhares de documentos que deixou, da carta original de Gustavo Capanema encomendando o prédio do Ministério de Educação às missivas trocadas com Le Corbusier e Walter Gropius (tem uma foto de fazer estudante de arquitetura lamber os beiços: Costa, Gropius, Corbusier e mais alguns luminares discutindo em um
restaurante - em Paris!); dos originais do projeto do prédio brasileiro na Exposição Internacional de 1939 ao memorial descritivo de Brasília completo, incluindo rascunhos – onde se pode ver que a idéia inicial do Plano Piloto foi um banal X, uma cruz, a maneira mais óbvia de se marcar um terreno, nada a ver com aquele papo de forma de um avião que os professores empurravam para cima da gente na escola. E mais, móveis criados nas horas vagas: uma poltrona que depois veio a ser vendida na Oca, loja de Sérgio Rodrigues, ao lado da célebre poltrona mole e desta cadeira; pareceres sobre questões urbanísticas e até uma brilhante solução para desobstruir o trânsito. Talvez a peça mais preciosa seja um raro storyboard para filme mudo, legendado em francês e que nunca chegou às mãos de quem lücio pretendia que filmasse - Charles Chaplin.
Coincidentemente – ou não – uma exposição fotográfica da obra de Oscar Niemeyer foi agendada para outro espaço do Paço Imperial, simultaneamente à obra de Lúcio Costa. E quem quiser que enxergue significados esotéricos no fato da mostra de Niemeyer ter ocupado um antigo aposento de criados, enquanto a de Costa, entre outros cômodos do segundo andar, tomou a sala onde foi assinada a Lei Áurea.
Rafael
Ouvi não sei onde e gostaria de confirmar. Lucio teria previsto no seu projeto áreas específicas para o proletariado (algo assim como favelas urbanizadas!). Sua idéia teria sido vetada por "socialistas utópicos"(atualmente todos), poderosos na época.
Moral da história: as famosas cidades satélites poderiam não ser o q são se tivessem seguido o projeto original do criador.
"Se non e vero é bene trovato!", não?
Pedro, em um dos muitos documentos da mostra existe uma declaração do Lucio Costa exatamente sobre esse espaço reservado para o proletariado. Não há na exposição, que eu me lembre, nenhuma informação sobre que fim teria levado essa idéia, ou como ela teria sido abortada. Pessoalmente, acho que mesmo que as tais "áreas específicias" saíssem do papel, isso não impediria o surgimento nem o crescimento das cidades satélites de Brasília.