Decidi iniciar minha busca pelo famoso detetive no local mais óbvio possível. Não o encontrei. No número 221b de Baker Street, em frente ao flat de três andares construído em 1815, um grupo de dez jovens turistas se apertava para tirar fotos da fachada usando o chapéu e o cachimbo fornecidos por um ator vestido de policial. No, I am afraid he is not here, disse a recepcionista ao me vender a entrada para o museu. He is enjoying his easter holidays.
Atravessei a porta estreita e segui por uma escura escada de madeira de degraus acarpetados deixando para trás o tráfego pesado da rua. Ouvi carruagens. Ao final dos 17 degraus, três empregadas me esperavam no pequeno estúdio com duas janelas voltadas para Baker Street. Elas conversavam de pé, animadamente. Ao responderem minha primeira pergunta, percebi que havia algo de suspeito neste caso. He is out... in an important case, disse uma das empregadas, com seus olhos azuis e seu uniforme com longo avental branco. No ar, um cheiro enigmático de eucalipto, que de forma alguma parecia emanar do estúdio em que eu me encontrava. Ao lado da porta, um retrato da rainha Vitória. Na sala de uns oito metros quadrados, papel de parede vermelho escuro emoldurando duas confortáveis cadeiras, forradas com um tecido brilhante. As cadeiras cercando uma mesinha, o conjunto beirando a acolhedora lareira acesa. O armário com frascos com elementos químicos separando a lareira da janela à direita. Uma prateleita à esquerda, lotada de livros enrugados pela idade. Uma mesa de jantar com finos talheres de prata encostada à parede oposta. Espalhados, completando o ambiente, edições do The Times de 120 anos atrás (abertas na página de obituários), um violino (ele era um exímio violista), um escrivaninha com um livro sobre criação de abelhas (quando se aposentou, foi se dedicar à apicultura). Velas acesas. Ele esteve aqui recentemente.
Eu não sabia que Sherlock Holmes era um culto, uma religião. Eu não imaginava que há pessoas no Japão e na Eslovênia que escrevem para Baker Street, com o objetivo de contratar os serviços do lendário investigador narigudo. Algo entre 150 e 200 cartas para Holmes são recebidas por ano pelo museu, todas são respondidas e algumas são colocadas à mostra. Por exemplo, há uma de 1998, enviada (acredite ou não) pela Receita Federal britânica. Na carta, a Receita diz que não consegue confirmar se Sherlock Holmes é o proprietário do flat e exige que o senhor Holmes esclareça, se não o for, quem é o dono. Pelo que pude perceber usando minha lupa, a carta é autêntica.
Na loja no andar térreo da casa, centenas de diferentes livros contam a história do mítico personagem. Holmes originalmente apareceu em 60 histórias escritas pelo escocês Sir Arthur Conan Doyle entre 1887 e 1927. Foram quatro novelas e cinco volumes de contos, mas esse foi apenas o início de tudo. Hoje, Sherlock Holmes continua sendo aprofundado e recontado por outros escritores, e você encontra sempre por aí títulos novos. Agora, me explique - por que ele faz tanto sucesso?
Mistério.
Despeço-me das amáveis empregadas e de Baker Street e, como minha caça, desloco-me para locais mais obscuros da capital londrina. Na ausência das carruagens que jurei ter ouvido subindo ao estúdio do detetive, opto pelo metrô superlotado. Desço no West End e, entre as ruas estreitas, fétidas e mal iluminadas pelo sol da tarde, caminho até 14 Bedford Street. Lá encontrou Geoffrey Bailey.
Geoffrey é gerente da livraria Crime in Store, certamente o lugar para ir em Londres se você está atrás de pistas sobre literatura policial. Muitos, muitos livros sobre todos os crimes que sua imaginação puder conceber. O local tem menos títulos sobre Sherlock Holmes do que a loja do museu - não mais que duzentos diferentes -, mas é o vasto conhecimento de Geoffrey que me interessa. Algo entre 20 e 30 livros de Holmes são vendidos por mês nesta livraria. "Ele faz sucesso por que os livros são muito bem escritos", diz a testemunha. "Conan Doyle é um dos poucos escritores vitorianos que sobrevivem com força até hoje. Ele conseguiu descrever como poucos o cotidiano daquela época". E qual é a melhor aventura de Holmes? "Se você nunca leu, tente The Hound of The Baskervilles", sugere Geoffrey, pegando o livro que neste ano completa 100 anos desde que começou a ser publicado, aos poucos, no periódico britânico Strand. 3,99 libras, algo como 12 reais. Mas eu fico impressionado com um outro livro, ou melhor, um catatau de 1126 páginas, que certamente vai me dar todas as respostas que preciso. The Original Illustrated "Strand" Sherlock Holmes traz tudo o que foi publicado por Conan Doyle no periódico, com suas ilustrações originais - inclusive o The Hound of The Baskervilles. Paguei 10 libras, algo em torno de 30 reais, e adicionei o tomo ao meu dossiê.
Embora um tanto decepcionado pelos meus esforços terem sido em vão na tentativa de identificar o paradeiro do detetive, não desanimo. Uma investigação é um trabalho de detalhes e paciência e, enquanto bebo minha ale "The Sherlock Holmes" no famoso pub The Sherlock Holmes da Nortumberland Street, penso nos próximos passo da minha busca. Distraídamente, abro o jornal. Bem longe da seção obituários, encontro uma pista fundamental. "Recém-publicado na Escócia o primeiro conto de Sir Arthur Conan Doyle". A obra, batizada de The Haunted Grange of Goresthorpe, foi escrita por Doyle quando ele tinha apenas 18 anos e era estudante de medicina. Ela permaneceu escondida por mais de 100 anos por desejo da própria família do autor e introduz personagens semelhantes a Holmes e Watson. Humm. Então ele está lá, na Escócia. Decidiu voltar às raízes. Ainda devo ter tempo de embarcar em algum trem partindo para a capital escocesa hoje à noite. Termino minha cerveja, coloco meu chapéu deerstalker e ascendo meu cachimbo calabash. Elementar, meu caro leitor. Ele pode trocado Londres por Edimburgo, mas seu mito permanece um sinônimo do que há de mais londrino - há mais de um século. Essa é certamente a chave do... mistério.
Em tempo: Você sabia que Sherlock Holmes NUNCA falou "elementar, meu caro Watson" em suas histórias originais? Segundo o site Sherlockian.net, a origem dessa frase é o filme The Return of Sherlock Holmes, de 1929. Trata-se de uma pista falsa...
Para ir além
The Sherlock Holmes Museum
221b Baker Street, London NW1 6XE
Perto do metrô Baker Street
Aberto todos os dias das 9h30 às 18h30
Entrada: 6 libras
Crime in Store
14 Bedford Street, London WC2E 9HE
Perto do Metrô Covent Garden
Aberto de segunda a sábado das 10h30 às 18h30 e domingos das 12h às 17h, entre junho e setembro.
Pub The Sherlock Holmes
10/11 Northumberland street, London WC2N 5DA
Perto do Metrô Charing Cross