Principalmente a partir dos anos 80, tem crescido o interesse do público brasileiro pelas biografias, resultando em sucessos editoriais como Olga e Chatô, de Fernando Morais; O Anjo Pornográfico e Estrela Solitária, de Ruy Castro; ou Mauá, de Jorge Caldeira. Os autores desses best-sellers são jornalistas e não historiadores.
Tentando fazer com que os acadêmicos participem desse boom, a Editora da Fundação Getúlio Vargas, do Rio de Janeiro, lançou a coleção "Os que fazem a História". Segundo a editora-executiva Alzira Alves de Abreu, um historiador ou cientista social, "utilizando métodos rigorosos de pesquisa, busca controlar os dados e informações obtidos nas mais diversas fontes". Assim, seria capaz de "uma narração histórica construída a partir de pressupostos e métodos da disciplina histórica".
E a que leitor se destina a coleção, "comprometida com as características da historiografia contemporânea moderna e/ou pós-moderna, conforme a opção ou não do autor pelo "realismo histórico"? Para seu coordenador, o professor Francisco Calazans Falcon, da PUC carioca, "a um público diversificado", incluindo estudantes secundários e universitários e "todos os que se interessam pela construção do nosso passado e pela compreensão do nosso presente". Ou seja: biografias feitas por quem entende do assunto, para um leitor não necessariamente iniciado.
O primeiro dos três novos lançamentos é José Bonifácio (1763-1838), escrito por Berenice Cavalcante, doutora em História Social e professora da PUC-RJ.
Paulista de Santos, Bonifácio passou uma longa temporada de estudos na Europa, especializando-se em mineralogia e só retornando ao Brasil em 1819, já às vésperas da Independência.
Na Corte, conquista a confiança de Pedro I, sobre o qual exerce grande influência, inclusive graças à maçonaria, da qual ambos faziam parte. Em maio de 1822, assume a posição mais elevada da maçonaria, a de Grão-Mestre, cargo que passa a d. Pedro logo após o 7 de setembro.
Como ministro do novo Império, Bonifácio defende a abolição da escravatura e a integração social dos índios, contrariando o interesse das elites e acaba por desentender-se com o imperador. Deputado à Constituinte fechada por d. Pedro, é preso e exilado para a França, em 1824, voltando ao Brasil em 1829.
Forçado a abdicar em 1831, o imperador nomeia José Bonifácio tutor de seus filhos, inclusive do herdeiro do trono, então com cinco anos. Acusado de conspirar e perturbar a ordem pública, perde a tutoria e é de novo preso. A autora destaca a ética como principal característica do Patriarca da Independência que, absolvido, morre em Paquetá, aos setenta e cinco anos.
José de Alencar (1829-1877) é a personagem de Antonio Edmilson Martins Rodrigues, livre-docente em História e professor da PUC-RJ, da UERJ e da UFF. Ele abre o livro com um capítulo em primeira pessoa, como se o próprio romancista de Iracema e O Guarani resumisse os principais episódios de sua vida. A partir daí, cita autores clássicos que escreveram sobre Alencar, realçando os acontecimentos mais marcantes.
Nesse retrato harmonioso em que se fundem o político e o literato, sobressaem os traços do patriota que tinha um projeto para o Brasil e cuja literatura inovadora foi um dos instrumentos de realização. Várias vezes deputado, Alencar sintetizou suas posições políticas nas Cartas de Erasmo, em que se dirige ao imperador Pedro II, diagnosticando a crise brasileira na década de 1860.
Apesar da postura crítica, Alencar chegou a ser ministro da Justiça entre 1868 e 1869. Deixou o gabinete quando d. Pedro não aprovou sua candidatura ao Senado, alegando que ele era muito jovem. Alencar teria respondido que, nesse caso, o imperador não deveria ter aceito a antecipação da maioridade, assumindo o trono aos quatorze anos...
Embora tenha morrido precocemente, aos quarenta e oito anos, Alencar construiu uma importante obra. Para Rodrigues, "não foi apenas o fundador da literatura brasileira; não foi apenas o homem que mostrou a capacidade de idéias e imaginação que o país possuía, mas sim um grande descobridor do Brasil".
Já o padre Antônio Vieira (1608-1697) é o tema de Marcus Alexandre Motta, doutor em História. Vieira, famoso como orador e por seus Sermões, dificilmente se tornará mais conhecido através desta obra sobre sua vida. Motta decidiu narrar a trajetória do jesuíta barroco como se escrevesse uma peça de teatro com três personagens: a Ironia, o Luto e o Mar.
Os dados essenciais, é claro, estão lá: o célebre "estalo" no cérebro, quando o jovem suplica à Virgem que lhe conceda o talento que não tinha, as inúmeras viagens e pregações, a defesa da liberdade dos índios, o julgamento pela Inquisição. Mas entremeados de diálogos por vezes longos, grandiloqüentes, filosóficos e até de difícil compreensão.
Um pequeno exemplo? Da página 39: "Mar - Gosto da seguinte idéia: a biografia de Vieira, desfocada e desolada, coagula a hemorragia da composição originária dos Descobrimentos portugueses. Ironia - O senhor quer dizer: a individualidade de Vieira se confunde na ilusão narrativa daquele fato. Algo da apreensão fantasmática de si, enquanto indivíduo ao alcance daquela fatalidade histórica."
Se o livro não deveria destinar-se a especialistas acadêmicos, mas a um público diversificado, não chega a dar saudades do estilo fluente dos jornalistas-biógrafos? O próprio Motta recomenda, dirigindo-se ao leitor que espera "a exaustão do que se pode admitir como uma biografia de Antônio Vieira": não leia...
Para ir além
* José Bonifácio: razão e sensibilidade, uma história em três tempos, de Berenice Cavalcante, 136 págs.;
* José de Alencar: o poeta armado do século XIX, de Antonio Edmilson Martins Rodrigues, 156 págs.;
* Antônio Vieira: infalível náufragio, de Marcus Alexandre Motta, 164 págs., R$ 14 cada volume, Editora FGV.