Todo ano de Copa do Mundo sinto a mesma coisa: a sensação de um peixe fora d'água. E pelo simples fato de não ser fã de futebol, o que no Brasil pode ser considerado uma heresia.
Normalmente para mim, futebol não passa de chamadas em noticiários televisivos ou manchetes na primeira página no jornal, acompanho de forma bem distante e isso basta. Não sei qual jogador joga em qual time, ou qual foi vendido, qual é o craque do momento e muito menos para qual país ele foi jogar. Pura falta de interesse. E isso nunca afetou minha vida.
Pois bem, meses antes da Copa já vira aquela febre, todo mundo falando, comentando a escalação, quem deveria ser convocado, quem foi deixado de fora, as táticas do técnico e por aí vai. Só que no meio desses comentários vem sempre aquela perguntinha fatal de alguém, direcionada a você numa rodinha: "O que você acha? Fulano vai ser a revelação?". Pronto, e agora? Nem sei pra qual time esse "fulano" joga, e muito menos quem é. Pior se isso acontece numa rodinha um pouco mais formal. Todos olham para você, e você com aquela expressão de paisagem, sem saber o que responder, odiando o pobre interlocutor, paralisado. Como responder sem parecer antipático, antipatriota ou arrogante?
Nessa situação existem duas saídas: enrolar ou dizer que não sabe. Na primeira hipótese, você começa dizendo (com a maior cara-de-pau do mundo) que "claro que 'fulano' será uma revelação, esta é a Copa dele, afinal, não é à toa que ele foi escalado". Pronto, é só esperar que a bola passe para outro jogador e você mais uma vez conseguiu se livrar, respirando aliviado. Depois dessa, saia da rodinha, diga que vai ao banheiro, que vai encher o copo, que vai cumprimentar alguém, que caiu a lente de contato, qualquer coisa, mas fuja! E só volte quando mudarem de assunto. Porém, se você insistir em permanecer petrificado onde está, existe sempre o perigo de alguém achar que você é um entusiasta do futebol e começar a desenvolver o assunto, aí não vai ter muito jeito. Mais cedo ou mais tarde você será desmascarado como alguém que não sabe nada de futebol e ainda veste a camisa de profundo conhecedor. Além de ignorante no assunto você pode ficar com fama de arrogante. Dupla falta!
A outra alternativa, para os mais corajosos, é dizer "não sei de quem você está falando, não gosto de futebol". Pronto, você começa a ficar verde, criar escamas, nascem antenas e, por fim, vira um alienígena. Alguns vão lançar olhares surpresos, outros embaraçados e outros até com uma certa antipatia. E se o assunto continuar, aí que você irá se sentir o pior dos mortais, lá, no cantinho da roda, ignorado, quieto, como um aprendiz entre os mestres. Mas se o assunto morrer na sua resposta, você acaba sendo encarado como um corta-assunto, e odiado da mesma forma, sentindo no ar aquele silêncio constrangedor. E ainda ganha fama de antipático. Cartão vermelho!
E não há escapatória. Caso você vá viajar para o exterior, vamos dar um exemplo, Itália. Se descobrem sua nacionalidade logo começam a falar do Ronaldinho, do Romário, do Pelé...Incrível, não tem onde se esconder!
Enfim, não tem jeito. Mas isso não quer dizer que eu não gostaria que o Brasil ganhasse, que não ficaria feliz em saber que a nossa seleção está goleando todos os times, que está se destacando, sendo o favorito etc. Afinal de contas, é o meu país.
Mas que é difícil morar no país do futebol não gostando de futebol, isso é.
Não demorará muito e será inaugurada a primeira clínica para recuperação de "não-amantes" do futebol. Não porque o número destes tenha aumentado, mas sim pelo aumento incontrolável do fanatismo em relação a este esporte. Certas vezes, é necessário repetir que se não gosta de futebol, pois o interlocutor não acredita na primeira vez e fica olhando atônito. Antes do primeiro jogo do Brasil eu já estava irritado.
Também não sou fanático por futebol e minha sugestão para sair desta "saia-justa" é simples: A maior parte das pessoas fala de futebol (salvo os fanáticos) para manter uma conversa amena, assim como falam sobre o tempo, o último episódio do BBB , etc. Para sair desta situação, basta dar uma breve olhada nas manchetes esportivas e repetí-las com algumas variações, pois mesmo as opiniões dos "experts" não apresentam muito mais do que isso, afinal de contas, como vocês sabem, "futebol é sempre uma caixinha de surpresas" ...
Gosto de futebol. Mas só de futebol. Explico: nos últimos anos a TV conduziu o interesse do público para fora das quatro linhas. Mostra-se a mãe do Vampeta na cozinha, a mulher do Romário passeando com as crianças, o Ronaldinho levando a Ferrari para passear, etc. Não há como não considerar isso uma manifestação inequívoca da estupidez generalizada: publico e produtores de TV não têm mais aonde descer em termos de tolice e banalidade. Futebol, em condições normais de saúde mental, deve ser considerado como um lazer, um entretenimento, um passatempo que está no mesmo nível do ioiô. Se um sujeito bate no outro ou considera alienígena qualquer um que não se mate ou não mate por um time de futebol, então mande-o conversar com um mecânico da mente. O cara tá com a escala de valores danificada.
A mídia estúpida viu um filão que poderia florescer através da receptividade ilimitada comum aos iletrados. O futebol deixou de ser apenas uma componente do orgulho de ser brasileiro, algo que sabíamos fazer bem. Passou a ser também um negócio e aí a habilidade que um sujeito tem com a bola no pé passou a ser coisa secundária.
Com uma mídia estúpida (pois feita por estúpidos) dominando os caminhos do futebol, os subprodutos pipocaram: comentarista de arbitragem (um imbecil que passa o jogo inteiro explicando regras de arbitragem que já são do conhecimento de 100 milhões de brasileiros) e comentarista para as táticas elaboradas pelos técnicos. Essas duas espécies de cometarista foram os responsáveis por eu ter sido considerado doido pela vizinha que chegou a minha casa e me viu assistindo a uma partida de futebol com o volume da TV no zero. É essa a minha vingaça: volume zero.
Futebol prá mim é noventa minutos mesmo. Assisto apenas a partir do instante em que o sujeito bate o centro e, quando o jogo tá bom, vou até o apito final, com um intervalo de economia de energia de quinze minutos entre os dois tempos. O resto é tolice.
Os técnicos são um capítulo à parte. Hoje são tratados como gênios da estratégia, no mesmo nível de um Napoleão ou de um Saladino.
A imprensa infla o ego desses sujeitos que mal sabem falar e esquece que o Feola (antigo técnico da seleção brasileira) dormia no banco de reservas enquanto o Brasil metia a sola nos adversários. Mas isso faz parte de um tempo em que bastava saber jogar futebol para ganhar um torneio. Hoje é requisito ter um idiota gesticulando na beira do campo, de preferência vestido de paletó. Só idiotas vão a campos de futebol vestidos de paletó. Técnico de basquete muda o jogo numa substituição antes de 5 segundos para acabara a partida. Mas técnico de futebol é uma figura que detém aproximadamente, segundo meus cálculos, 0.003% de participação no desempenho de um time. Já ouvi o Carlos Alberto Torres dizer que aqueles gritos e gestos do treinador na beira do campo é coisa pras câmeras. Não exisitia antes que a TV desse tanta atenção a essas figurinhas medíocres. O próprio Carlos Alberto, que já foi técnico e jogador, disse que os jogadores não ouvem nada do que o imbecil grita na beira do campo. E quando ouvem não entendem o que querem dizer aqueles gritos e gestos. E quando entendem não acatam, fazem de conta que não ouviram.
Como disse no início, gosto de futebol. Mas para mim o sistema solar não é futebolcêntrico, como os Luxemburgos querem fazer parecer.