Um bar em permanente construção | Rafael Lima | Digestivo Cultural

busca | avançada
89046 visitas/dia
1,9 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Hospital Geral do Grajaú recebe orquestra em iniciativa da Associação Paulista de Medicina
>>> Beto Marden estreia solo de teatro musical inspirado em Renato Russo
>>> Tendal da Lapa recebe show de lançamento de 'Tanto', de Laylah Arruda
>>> Pimp My Carroça realiza bazar de economia circular e mudança de Galpão
>>> Circuito Contemporâneo de Juliana Mônaco
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
>>> Left Lovers, de Pedro Castilho: poesia-melancolia
>>> Por que não perguntei antes ao CatPt?
>>> Marcelo Mirisola e o açougue virtual do Tinder
>>> A pulsão Oblómov
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
Colunistas
Últimos Posts
>>> Lisboa, Mendes e Pessôa (2024)
>>> Michael Sandel sobre a vitória de Trump (2024)
>>> All-In sobre a vitória de Trump (2024)
>>> Henrique Meirelles conta sua história (2024)
>>> Mustafa Suleyman e Reid Hoffman sobre A.I. (2024)
>>> Masayoshi Son sobre inteligência artificial
>>> David Vélez, do Nubank (2024)
>>> Jordi Savall e a Sétima de Beethoven
>>> Alfredo Soares, do G4
>>> Horowitz na Casa Branca (1978)
Últimos Posts
>>> Escritor resgata a história da Cultura Popular
>>> Arte Urbana ganha guia prático na Amazon
>>> E-books para driblar a ansiedade e a solidão
>>> Livro mostra o poder e a beleza do Sagrado
>>> Conheça os mistérios que envolvem a arte tumular
>>> Ideias em Ação: guia impulsiona potencial criativo
>>> Arteterapia: livro inédito inspira autocuidado
>>> Conheça as principais teorias sociológicas
>>> "Fanzine: A Voz do Underground" chega na Amazon
>>> E-books trazem uso das IAs no teatro e na educação
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Animismo
>>> Expectativas e apostas na Copa de 2010
>>> Paixão e sucata
>>> A pulsão Oblómov
>>> O papel aceita tudo
>>> Figurinhas
>>> O que é a memética?
>>> Marcus Aurelius
>>> Diariamente
>>> Assim falou os mano
Mais Recentes
>>> História da Civilização - Biblioteca Educação é Cultura de Roberto Accioli pela Mec (1980)
>>> Crítica - III Série de Humberto de Campos pela W. M. Jackson (1954)
>>> Empregabilidade: Como Ter Trabalho e Remuneração Sempre de José Augusto Minarelli pela Gente (1995)
>>> Se essa Cidade Fosse Minha... de Rossana Honorato pela Ufpb (1999)
>>> Crítica - IV Série de Humberto de Campos pela W. M. Jackson (1954)
>>> Brasil: Como Enfrentar os Desafios do Crescimento Econômico de Cláudio Adilson Gonçalez e Outros pela Serasa (2007)
>>> Antologia da Academia Brasileira de Letras de Humberto de Campos pela W. M. Jackson (1954)
>>> Trabalhar por Conta Própria de José Augusto Minarelli pela Gente (1997)
>>> São Paulo sem Medo: um Diagnóstico da Violência Urbana de Paulo Sérgio Pinheiro e Outros pela Garamond (1998)
>>> Organizational Behavior de Stephen P. Robbins pela Prentice Hall (2001)
>>> Como Combater Asma e Alergias - Coleção Vida Saudável de Dra. Anjali Arora pela Universo dos Livros (2011)
>>> África - Revista do Centro de Estudos Africanos 24/25/26 - 2002 a 2005 de Vários Autores pela Usp (2009)
>>> Gmat: Supercourse - Arco de Thomas H. Martinson pela Macmillan (1995)
>>> Revista Reflexão - Filosofia: Atenção e Projeto - 14 de Vários pela Pucc (1979)
>>> Cadeia de Suprimentos: Projeto e Gestão de David Simchi-levi e Outros pela Bookman (2003)
>>> 30 Anos de Dph - Departamento do Patrimônio Histórico de São Paulo de Dph pela Revista do Arquivo Municipal (2006)
>>> Sistemas Administrativos: uma Abordagem Moderna de O&m de Carlos Eduardo Mori Luporini e Outro pela Atlas (1990)
>>> Indústria: um Só Mundo de Pierre Beckouche pela Ática (1998)
>>> A Estratégia e o Cenário dos Negócios: Texto e Casos de Pankaj Ghemawat pela Bookman (2004)
>>> Aperfeiçoando Sua Personalidade de Marilyn Hickey pela Adhonep (1992)
>>> O Estado Inteligente: Parceria e Privatização no Nordeste de José Chaves e Abelardo Baltar pela Record (1994)
>>> Flawless Consulting - a Guide to Getting Your Expertise Used de Peter Block pela John Wiley (1999)
>>> Introdução à Epistemologia de Francis Bacon de Carlos Motta pela Nova Harmonia (2016)
>>> Administração - Princípios e Tendências de Francisco Lacombe; Gilberto Heilborn pela Saraiva (2009)
>>> Glaucoma - Informações Essenciais para Preservar Sua Visão de Dr. Remo Susanna Jr. pela Mg Editores (2013)
COLUNAS

Terça-feira, 18/6/2002
Um bar em permanente construção
Rafael Lima
+ de 10800 Acessos
+ 2 Comentário(s)

Alfredo é o de barba grisalha
Primeiro ato: 13 de dezembro de 1968. O Ato Institucional número 5 é decretado em Brasília. Naquela noite, no bar e restaurante Veloso, à rua Montenegro, é lançado o livro de cartum 10 em Humor, uma coletânea com os melhores humoristas da época, incluindo Henfil, Claudius, Fortuna, Leon Eliachar. Enquanto isso, em Copacabana, Alfredo Jacinto Melo vai comprar uma Cibalena na rua Almirante Gonçalves quando se depara com um festejo em frente à farmácia. É a inauguração de um bar, chamado Bip Bip, onomatopéia bem sessentista, talvez do desenho animado da Warner Bros., talvez do módulo espacial Sputnik. Boca livre? É comigo, entra para tomar umas batidas: estava completamente duro. Dali, meio sem saber como pagar, toma um táxi para Bangu. Tinha que tentar esconder por lá alguns amigos de movimentos de esquerda, ocultar provas que pudessem denunciá-los.

"O que me ocorre quando penso no Bip Bip é que, de todos os donos de botequim que conheço, Alfredo é o mais parecido com um freguês. Mas isso é tão óbvio que, certamente, Alfredo está cansado de ouvir observações desse tipo. Não há a menor dúvida de que ele criou uma das obras primas da boemia carioca." (Sérgio Cabral)

Segundo ato: Por volta de vinte anos depois. Jamil Feres, dono da loja na qual o Bip Bip está instalado, joga uma conversa mole para cima do Alfredo, tentando convencê-lo a comprá-la. O ponto já era de Alfredo há quatro anos; trabalhava na parte de câmbio em uma firma de assessoria técnica sobre importação e resolvera usar um dinheirinho guardado. Não queria lucro, comprara o bar para poder beber de graça, atividade à qual se dedicara fielmente nos últimos anos, contratando até um gerente para não ter que trabalhar. Jamil insistia: "ajuda eu, Alfredo, preciso comprar uma carrinha para minha filho..." Alfredo retruca: "Vem cá, eu te pago xis em dinheiro e dois milhão em Old Eight." Jamil fecha o acordo sem titubear; nos próximos meses irá freqüentar o bar como mais um freguês, só que, ao invés de pagar, anota a quantidade de doses de seu uisquinho em um caderno. Quando completa dois milhões, o bar está pago. Alfredo gosta tanto das suas piadas que lhe oferece mais um milhão em doses, só pela sua companhia. Jamil não aceita, irritando profundamente Alfredo.

"O Bip Bip é, sem dúvida, o melhor dos piores botequins do mundo" (Altair Baffa)

Terceiro ato: Elton Medeiros comandava uma roda eclética demais para ser chamada apenas de samba na calçada do Bip Bip, isso antes da prefeitura ter proibido roda de samba na calçada. Não que hoje, por causa da proibição, não haja mais roda de samba; ela fica totalmente do lado de dentro, nos minúsculos 18m2 do bar, mas não era nem isso o que eu queria dizer. Eu ia falar é que, já no comecinho dos anos 90, o Elton cultivava o saudável hábito de, nas tardes de sábado, puxar uma descontraída roda de samba na calçada do Bip Bip, bem naquele esquema de roda mesmo: alguém levava um violão, "lembra essa?" e tal, as horas passando ao sabor da música. Pois foi numa roda dessas do Elton que Miriam Gama, cuja mãe fora cantora lírica, começou a levar uma série de canções francesas, daquelas bem antigas e bonitas, Luciene Boyer, Paul Durand e lá vai fumaça. Eis que um mendigo que dormia na marquise ao lado - mas um mendigo bem mendigo mesmo - acorda com a cantoria, e muito educadamente pede licença para entrar na roda. Canta, junto com Miriam, com boa voz e pronúncia perfeita canções francesas. Por horas a fio, encantando a quantos por ali passassem. Nunca mais foi visto.

"O Bip Bip é a melhor mentira que todos querem cultivar" (Didu Nogueira)

Quarto ato: A notícia das rodas de samba começa a se espalhar pela imprensa, gerando uma série de reportagens chapa branca, meio pelo turístico, sobre o Bip Bip. Além do samba, contribui para o folclore do bar o fato que lá, os fregueses anotam, eles mesmos, o que consumiram num caderninho, acertando com o Alfredinho no final (mais ou menos no mesmo sistema do Jamil). Durante os fins de semana, ou o próprio Alfredo anota, utilizando seu sistema de notação bem peculiar: "careca lá do fundo", "Dinamarca", "gordão", etc., ou alguma cliente mais antiga acaba dando uma força como garçonete. Não que haja muita coisa para servir, praticamente é só cerveja gelada, sobretudo depois que o Alfredo tirou o pequeno balcão que ficava no fundo. Quando ainda havia um balcão, provavelmente por conta de uma reportagem daquelas, apareceu por lá um casal bem jovem, talvez namorados, deslumbrados com a galeria de fotos e caricaturas nas paredes: Nelson Cavaquinho, Walter Alfaiate, Aldir Blanc, João Nogueira... Foi o rapaz quem falou:
- Tem algum tira-gosto?
- Queijo ou azeitona - respondeu o Alfredinho, no seu modo afungentar-clientes-novos.
Uma troca de olhares foi o suficiente para os dois se decidirem:
- Queijo, então.
Alfredinho retrucou como um chicote:
- Puta que pariu! Só para me dar trabalho de cortar!

"O Bip Bip é um bar impossível. Pela lógica, não podia existir. E, não bastasse, o Alfredinho ainda ganha o prêmio de segundo melhor garçom do Rio." (Henrique Cazes)

[Nota: o prêmio a que Henrique se refere não é força de expressão; existe mesmo e é organizado pela prefeitura anualmente, quando urnas são colocadas na porta de diversos botequins da cidade para que os eleitores votem em categoria como melhor botequim, melhor petisco, melhor chopp, melhor garçom. Apesar dos fregueses darem quase sempre conta do recado, Alfredo já foi medalhado como melhor garçom mais de uma vez.]

Quinto ato, com pano rápido: esse eu vi, ninguém me contou. E até já contei essa história por aqui, vai lá ler. Mas depois, volta.

"O Bip Bip é o único bar que conheço sem fins lucrativos" (Jaguar)

Sexto ato: Alfredo encontra-se com Aquiles Rique Reis, do MPB-4, no camarim do Teatro Rival após um show. Queria saber mais do projeto "Se essa rua fosse minha", cuja camiseta Aquiles usara durante a divulgação do show no programa Sem Censura, meninos de rua: "Aquiles, eu tou querendo trabalhar e botar o Bip à disposição dessa garotada". Chamou Cristina Buarque, outra fundadora das rodas de samba, Aquiles mostrou uns vídeos, Alfredo entendeu e encontrou seu espaço. Foi ao McDonald's a quatro quadras do Bip Bip, arrumou caixas de engraxate, botou meia dúzia de meninos engraxando com caixas do McDonald's, e patrocinou caixas para mais uns tantos. Ainda hoje vários fregueses contribuem com uma quantia mensal para o "Se essa rua...", que mantém trinta crianças estudando numa casa em Vila Isabel, e todo mês de setembro, sai uma Kombi do Clube Maxwell levando os cinco quilos de alimentos não perecíveis cobrados de ingresso a cada participante da roda de samba com feijoada que comemora o aniversário do Alfredinho.

"A vida depois do Bip Bip não é mais a mesma. É para holandês ver e aprender. Que a melhor música do Rio é ao ar livre e é grátis. Que se escuta pendurado numa lixeira da Comlurb, ou deitado no capô de um carro. Que, todavia, se faz amigos num bar. Que vida se festeja. Que bondade ainda é coisa de grande cidade." (Ineke Holtwijk)

Sétimo ato, e final: Na época em que havia uma guerra declarada entre o Bip Bip e seus vizinhos, com direito a abaixo-assinados, fiscais, ovos e papel higiênico molhado, uma meia dúzia de cinco PMs chegou no bar, cobrando satisfações. Conversa vai, conversa vem, aquela diplomacia do limite da legalidade e o Alfredo praticamente implorando para que alguns fregueses, loucos para dar palpite, não se metessem. Um dos fardados fechou questão, enfim:
- Tudo bem, mas vamos ter que prender a churrasqueira.
Foi a senha para algum moleque gritar, lá do fundo:
- Churrasqueira! Teje presa!

[Comentário final: a despeito do elevado grau de absurdo, o Bip Bip realmente existe, como pode ser comprovado a partir da página 47 do livro Confesso que Bebi, do Jaguar (Record, 2001), no capítulo que tem o mesmo nome do bar; através dos Guias Rio Botequim de 98, 99 ou 2000, dos links inseridos neste texto ou pelo livro Bip Bip, Um Bar a Serviço da Alegria, de Francisco Genu, Luís Pimentel e Marceu Vieira (edição independente, 2000), de onde muitas informações deste artigo foram retiradas, à venda apenas no próprio local.]


Rafael Lima
Rio de Janeiro, 18/6/2002

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Como você aprende? de Débora Carvalho
02. Os donos da voz de Rafael Fernandes


Mais Rafael Lima
Mais Acessadas de Rafael Lima em 2002
01. Coisas nossas - 23/4/2002
02. Pi, o [fi]lme, e o infinito no alfa - 25/6/2002
03. Ar do palco, ou o xadrez nos tempos da Guerra Fria - 16/4/2002
04. Quando éramos reis, bispos, cavalos... - 9/4/2002
05. Quebrar pratos com Afrodite - 14/5/2002


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
18/6/2002
09h33min
Rafael, Isto não é coisa que se faça...me deixou com uma enorme saudades do Rio. Uma saudades de um Rio que não conheço (sou paulista), mas que minha intuição me diz que existe, todas as vezes que desço no Santos Dumont. De um Rio que obviamente está lá...Resistindo em algum bar (será no Bip Bip?), independente da insistencia da midia em dizer que ele acabou...Um Rio que é o por-de-sol mais lindo do mundo e a música mais gostosa, misturada e louca que já escutei...Um Rio que ainda espero conhecer e que, contraditóriamente, torço para que fique meio em segredo, a salvo, intacto. Beijos, Ana. PS: Vc tinha razão: Não é necessária nenhuma concentração para conhecer o Rio...Acho até que atrapalha...*s*
[Leia outros Comentários de Ana Veras]
28/12/2007
09h11min
cantinho de saudades, de novas amizades, de vontade de viver um novo amor...
[Leia outros Comentários de dayrton]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.




Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Prisioneiros do Inferno
Jeniffer McMahon
Record
(2014)



Na Venda de Meu Pai
Luiz de Paula Ferreira
Armazém
(2001)



Pratica de Texto - para Estudantes Universitários
Carlos Alberto Faraco; Cristovão Tezza
Vozes
(1992)



Gerência de Uma Página
Riaz Khadem e Robert
Record
(1988)



Detox 559
Andrea Henrique
Alfa Livros
(2013)



Introdução à Arquitetura de Computadores
Miles J. Murdocca Vincent P. Heuring
Campus
(2000)



O Mapa do Tesouro Direto-seu Guia para Ser Credor do Governo
Mara Luquet
Letras e Lucros
(2008)



Emagrecimento de a a Z
Walmir Coutinho
Ediouro
(1996)



Deuses, Cúmulos e Sábios
C W Ceram
Melhoramentos



A Arte da Felicidade no Trabalho
Dalai Lama
Martins Fontes
(2004)





busca | avançada
89046 visitas/dia
1,9 milhão/mês