Aquelas pessoas que se interessam por arte devem ter ouvido falar do garoto
de 21 anos que pregou uma peça no público e nos organizadores da 25ª Bienal
de São Paulo. Cleiton Campos, estudante de jornalismo da Universidade
Metodista de São Paulo, pintou um navio pirata em um quadro pequeno. No dia
31 de março, um mês após a abertura da Bienal, ele colocou uma bermuda
folgada, enfiou o quadro no bolso e, com a ajuda da namorada, infiltrou o
seu pequeno quadro entre as obras de arte que ali se encontravam.
O Navio Fantasma ficou exposto, no chão, ao lado de pinturas e fotos
eslovenas e foi visto por, talvez, milhares de pessoas.
Passaram-se dois meses e ninguém da coordenação da maior exposição de artes
da América Latina percebeu o intruso. Quando a Bienal acabou ele ainda
estava lá, no chão, entre outros quadros.
Embora o pequeno quadro tivesse sido feito com esmero, o objetivo de
Cleiton não foi expor sua arte. Afinal, ele mesmo não leva muito a sério
suas produções de final de semana: "Não tive pretensão artística; não sou
artista. Estava indo visitar a exposição e tive a idéia de passar esse
trote. Foi uma piada".
A brincadeira de Cleiton é, mais do que nunca, oportuna. Ela nos leva a
refletir sobre o que é arte.
Alguns certamente criticarão meu tecnicismo, mas vejo a arte do ponto de
vista da teoria da informação. Para essa teoria, há duas categorias básicas
para se entender qualquer mensagem: a informação e a redundância.
Informação é o que é novo, diferente, inusitado. Redundância é o que já
conhecemos, aquilo que já foi dito e repetido e já faz parte de nosso
repertório.
A verdadeira arte é essencialmente informativa. Ela nos apresenta o novo,
acrescenta algo a nosso repertório.
Claro que nem tudo que é informativo é arte. Um jornal está repleto de
informação, e nem por isso é arte, até porque seu objetivos são diferentes.
A informação em arte é uma informação diferente, transformadora (quando falo
de arte, não penso apenas em artes plásticas, mas também em cinema,
quadrinhos, literatura, música...) que nos leva a refletir sobre o mundo em
que vivemos ou até mesmo sobre nós mesmos.
É esse caráter informativo que faz com que alguns grandes artistas sejam
rejeitados em sua época. Van Gogh que o diga. Há, aqui, um jogo de gato e
rato entre o sistema e o artista. Enquanto o artista busca o novo, o sistema
quer a redundância. Toda proposta deixa de ser artística quando é assimilada
pelo status quo. É por isso que os dadaístas faziam obras sem sentido: numa
tentativa de impedir essa apropriação do sistema.
Isso nos leva à conclusão de que a arte tem muito a ver com atitude. Quando
os dadaístas colocaram um vaso sanitário em um museu, eles estavam fazendo
verdadeira arte. Estavam rompendo com nossos conceitos estabelecidos, nos
fazendo refletir não só sobre o mundo ou sobre nós mesmos, mas,
principalmente, sobre o que é arte. Só é artístico o que está no Museu ou na
Galeria? Um vaso sanitário torna-se uma obra de arte só por estar em um
Museu?
Entretanto, quem, hoje, colocar um vaso sanitário numa galeria pode ser
chamado de idiota. Alguém já fez isso e isso já foi assimilado pelo sistema.
É pura redundância.
Fazer arte consiste em encontrar formas diferentes de fazer aquilo que
outros fizeram.
Nesse sentido, Cleiton Campos foi o mais importante artista da Bienal. Seu
pequeno quadro tinha a mesma importância das grandes obras das artes
plásticas não pela qualidade estética, mas, principalmente, pela atitude.
Esse caráter informativo da arte foi bem definido por Caetano Veloso: "Onde
queres o ato, eu sou o espírito; onde queres ternura, eu sou tesão; onde
queres o livre, decassílabo". O artista não procura acomodar o receptor, mas
ao contrário, frustrar suas expectativas (incluindo as expectativas dos
críticos de arte).
Os exemplos são muitos: Bob Dylan deixando de fazer canções políticas
porque seu público estava acostumado a só ouvir canções desse tipo; Alan
Moore escrevendo quadrinhos de super-heróis para frustrar o público que só
esperava dele trabalhos intelectuais...
Também da teoria da informação tiramos outro conceito importante: o de
entropia. Entropia é sinônimo de caos, destruição, degradação, mistura.
Embora possa ser muito negativa, ela tem um aspecto importante: o de
criação. Toda criação começa com um processo entrópico. Não é por outra
razão que Chico Science dizia: "Eu me desorganizando vou me organizar".
A obra de Cleiton é entropia para o sistema artístico, mas é também
sinergia, pois apresenta a possibilidade de novo.
Olá, Gian
O Cleiton jogou areia na engrenagem. Iconoclasta, cometeu uma "suave loucura". Não foi necessário colocar uma bomba de fabricação caseira na porta da bienal.
E se fosse o gerente da loja, teria preferido a bomba mesmo, pois o navio pirata fez muito mais estrago.
Parabéns pelo texto.
Bom Arte não se define, vive-se, sou artista plástica e creio que a maior expressão da arte é a vida como um todo, é tolice achar que podemos ter a pretencão de ditar regras, pois o maior artista, Deus, nos poe face a face todo dia com a vida.
Viva-a !
Pratique Arte !!!!