COLUNAS
Quarta-feira,
3/7/2002
Teatro para todos
Rennata Airoldi
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Há muito que venho questionando a realidade do teatro brasileiro contemporâneo. Quem são nossos autores, atores, diretores? Quem produz arte no nosso país? Sobre o que falam, sobre quem e para quem? Nos tempos áureos dos "reality shows", às vezes fica difícil tentar entender o que pode agradar ao grande público. Mais difícil ainda é conquistar o espectador. Os motivos são diversos, inúmeros: desde a dificuldade financeira, que é sem dúvida uma grande barreira, até a falta de cultura e educação, que atinge boa parte da nossa população. A grande massa não está acostumada a freqüentar salas de teatro, sente-se excluída e, muitas vezes, o teatro não é acessível à maioria.
Há cinco semanas, porém, o Teatro Popular do SESI abriu uma grande janela para esclarecimentos, debates, espetáculos e encontros. A "Mostra de Dramaturgia Contemporânea" reuniu um núcleo de quatro atores, em torno de quinze textos, escritos por alguns dos novos dramaturgos de nosso país. Isso, somado a uma equipe de quinze diretores atuantes de nosso teatro, técnicos, produtores, jornalistas. A cada semana, uma mesa redonda, onde a grande questão era a nova produção teatral. Em cartaz: três peças diferentes, a cada dia de espetáculo. E tudo isso GRÁTIS! Sim, era só chegar um pouco antes, retirar o ingresso, e se divertir. Sempre os mesmos atores que se transformavam em diferentes personagens, a cada novo espetáculo, como "camaleões"! Foram eles: Débora Duboc, Elcio Nogueira Seixas, Luah Guimarães e Renato Borghi.
A mostra foi possível graças a uma somatória de esforços que teve início há mais de um ano atrás. Tudo começou com o encontro entre os atores Elcio e Borghi, na busca por uma dramaturgia brasileira contemporânea. Textos surgiram, pessoas se uniram em função de um único ideal: traduzir o momento histórico de nosso país, de maneira acessível. Falar do homem que vive nas cidades, que sobrevive nas grandes metrópoles. Para tanto, muitos textos foram escolhidos após leituras e encontros; no total, quinze peças. Os critérios para a escolha foram: diversidade de temas e linguagens, autores que tiveram a maior projeção de suas obras na década de 90, podendo assim, trazer à cena o pensamento do homem de hoje, e ainda unir dramaturgos experientes e iniciantes.
Sem dúvida, muitas parcerias tornaram possível esse imenso ato de coragem, de todas as pessoas que se dispuseram a traduzir um pouco de todos nós, no palco do Teatro do SESI. O que esteve em cena, nessas cinco semanas, é um grande reflexo de tudo o que pensamos e também da nossa maneira de enxergar nossa realidade. Com certeza, dentre os quinze textos, há aqueles com os quais podemos nos identificar mais ou menos. Não quero aqui julgar nada e, sim, aplaudir a iniciativa como um todo. O mais louvável foi que, ao contrário da maioria das "mostras" (onde temos vários atores para diferentes textos), tivemos apenas quatro profissionais se moldando a formas e linguagens, a cada semana.
O público compareceu em massa! E não falo apenas de pessoas ligadas à classe, que também prestigiaram o evento, mas também do público espontâneo. Espectadores de primeira viagem. Muito riso, muita diversão e, paralelamente, muitas questões a serem pensadas. Assim sendo, coloco em debate uma velha história: "quem nasceu primeiro: o ovo ou a galinha?" Ou seja: o "povo" não vai ao teatro porque gosta só de televisão ou porque o teatro que não é acessível ao bolso da população? É bem complicado responder a essa indagação, afinal, o buraco é muito fundo.
O fato é um só: a partir do momento em que existe uma publicidade adequada, em cima de um evento gratuito, cresce a probabilidade de se atingir um grande público. Com isso, podemos concluir que as pessoas querem, sim, ir ao Teatro. Querem adquirir cultura. Bastando, para isso, uma boa oportunidade. Dessa forma, mais uma vez devo tirar o chapéu para a Cooperativa Paulista de Teatro, Secretaria de Estado da Cultura, FUNARTE, SESI e todas as empresas que apoiaram esse "mega" encontro entre o TEATRO e o ESPECTADOR.
Na verdade é sempre bom voltar os olhos para a nossa sociedade. Afinal, a arte deve ser um grande espelho de todos nós e deve nos tornar menos medíocres diante da atual "banalização" da vida. O Teatro faz as pessoas dividirem uma mesma experiência e, com isso, torna-as cúmplices umas das outras. E ele não precisa (e não deve apenas falar) de mundos distantes e de tempos passados. Ele pode falar de nós mesmos. De sexo, de violência, de desejo, de amor - como acontece em nosso cotidiano. Pode instruir, tratando de nossos momentos históricos: os índios, a coroa, a república, a ditadura.
Com tanta "fome" de arte, não há como medir a importância do evento para toda a população. Ganham todos: atores, diretores, espectadores e, com isso, o nosso teatro. E na vida aprende-se com o riso, com o choro, com tudo o que é sério e com tudo o que é "chacota". A crítica pode estar implícita nas diversas formas de expressão. O importante, mais uma vez, é a ação. A atitude de fazer e de tornar possível que o teatro cumpra com a sua função social. É preciso persuadir o povo, convencer a população de que o teatro sempre foi - e deve ser - uma ARTE POPULAR. Quando se pensa no Homem, se pensa na vida; não há preconceito, não há exclusão - são todos, ao contrário, bem vindos!
Rennata Airoldi
São Paulo,
3/7/2002
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