Passou a euforia da população brasileira com a conquista do Penta, e cá
estamos na torcida por outro tipo de campeonato, de desfecho muito mais
incerto e sofrido do que aquele: a corrida das eleições presidenciais, tendo
como pano de fundo a febre do mercado financeiro, por conta de uma dívida
interna acima de 700 bilhões de reais. A dívida externa, essa o mercado nem
lembra mais quanto é. Afinal, quem será que vai começar a descascar esse
abacaxi: Lula-laite, Serra-softe ou Ciro-harde?
Mas, para não dizer que não falei de futebol...
Durante a última Copa, muito se disse sobre a beleza do Hino Nacional
brasileiro, uma unanimidade em todos os quadrantes do mundo - ao menos se
acreditarmos o que disseram alguns repórteres da TV Globo.
Analisemos, com algum detalhe, os hinos nacionais de alguns países, que,
meses atrás, muitos adivinhos e cartomantes juraram que não deixariam que
conquistássemos o Penta no Japão, a exemplo da poderosíssima França, da
imbatível Inglaterra e, quem sabe?, da zebra EUA. Tendo, sempre como
referência, o Hino brasileiro.
Comecemos pela terra de Victor Hugo. O hino francês, a "Marsellaise", é um
dobrado militar, viril, um convite à guerra, com faca na boca, para um
combate corpo a corpo. A gente até vê o sangue esguichar, os heróis tombando
com orgulho e um sorriso nos lábios. A música de combate sempre deve ser
vibrante, senão turba alguma se lançaria à luta. Afinal, o hino foi feito
ainda sob a fumaça da queda da Bastilha, após a Revolução Francesa. O hino
francês segue em ritmo frenético, num fraseado musical ascendente, até
atingir seu clímax, ao chamar "aux armes, citoyens!" É verdade, o hino tem
algumas alterações musicais, alguns sustenidos ou bemóis - não me lembro
mais, pois há muito não dedilho teclado nem leio partitura -, para maior
dramaticidade, no trecho em que fala sobre "mugir ces féroces soldats". Mas,
em relação ao hino brasileiro, é uma música absolutamente previsível, sem
medo de imitar o padrão de tantos outros por aí, mundo a fora.
O hino inglês, por sua vez, é majestático, lento e um tanto fúnebre, tem
apenas 7 notas musicais. Qualquer teclado de criança, de apenas uma escala,
serve para executar a música - o que não deixa de ser um feito, para a
música, e uma grande vantagem, para o músico. Não sendo pomposo como a
"Marsellaise", o hino de Sua Majestade também tem um "crescendo", curto o
quanto permitem suas poucas notas musicais, concluindo com um grito de "God
save the Queen". (Pelo visto, demorará muito para ouvirmos "God save the
King", a Rainha Elisabeth tem uma saúde mais forte que pau-ferro...) Música
igualmente previsível, o cara ouve a primeira frase musical do hino inglês,
não tem dificuldade de preencher as notas restantes no pentagrama. É um hino
para se ouvir sentado, de preferência deitado, lembrando o outrora grande
Império Britânico, sobre o qual o sol nunca deixava de brilhar. Se
analisarmos o tamanho da escala musical de "God Save the Queen", podemos
dizer que eqüivale à nossa canção folclórica "Asa Branca", de Luiz Gonzaga.
Mas há uma grande diferença: o hino inglês é apenas uma marcha fúnebre,
enquanto "Asa Branca", com apenas 6 notas, consegue retratar magistralmente
a epopéia nordestina.
O hino americano é pomposo, como convém que seja o hino da nação mais
poderosa do planeta. Ao contrário do inglês, o hino americano esparrama suas
notas por duas oitavas quase completas, é preciso ter peito de Pavarotti
para cantar com força e empostação todas suas notas musicais, da mais grave
à mais aguda. Por isso, apenas divas do "bel canto" costumam cantar o hino,
seja em estádios de beisebol, seja durante a abertura de mais uma Olimpíada
na terra de Tio Sam. Um cantor comum apenas conseguiria assobiar as notas
mais agudas. "The star-spangled banner" é uma música bastante vibrante, sim,
mas primária, com uma alternância simplificada de notas fundamentais e
dominantes, uma espécie de "Con te partiró", que Rinaldo e Liriel cantam
quase todo sábado no "Programa Raul Gil", da Rede Record. Por isso, chega a
empolgar uma galera não muito exigente, especialmente pronta para ir à
guerra de mentirinha contra o Afeganistão, ou para mexer com os brios dos
gigantes da NBA. Mas não deixa de ser uma composição simplista, com jeito de
blefe, um laralilará de canto de banheiro, um simples dó-sol-dó para aquecer
as cordas vocais de um tenor ou soprano antes de entrar no palco.
Vejamos, finalmente, o Hino Nacional brasileiro. De fato, em um país de
botocudos, como o nosso, é admirável que tenhamos um hino com letra tão
bonita e uma música tão sofisticada. É notável que na terra do samba, do
pagode, do sertanejo e do funk, além da bossa-nova, nosso hino tenha tantas
alterações musicais, com sustenidos, bemóis e bequadros a quatro por quatro.
Uma música de composição tão rebuscada, cuja introdução orquestral está
cheia de vibrantes trinados, só executáveis por músicos calejados, uma
música de canto mais difícil ainda, cheia de meio-tons, era de se esperar
que viesse da terra de um clássico, como Handel, ou de um moderno, como
Gershwin, nunca da terra de Zeca Pagodinho. Por isso, não dá para entender
também que um país que tenha um compositor da estatura do teuto-britânico
Handel, autor do celestial "Aleluia", vá se contentar com uma singela e
dorminhoca marchinha para ser seu hino nacional. "Aleluia", depois que foi
aplaudido de pé pelo Rei e sua corte, após a primeira apresentação, costume
que os palcos repetem até os dias atuais, deveria imediatamente substituir
aquela cancãozinha fúnebre que faz as vezes de hino de Sua Majestade.
Não dá para entender mesmo nada. Nosso hino, pela lógica, deveria ser
simples, como o hino inglês, com no máximo umas cinco ou seis notas, não o
contrário. Com "Asa Branca" estaríamos bem representados para as solenidades
quando subisse a Bandeira brasileira por ocasião da entrega de medalhas de
ouro nas Olimpíadas, quando eventualmente (e põe "eventualmente" nisso!)
Rubinho Barichello subisse mais alto no pódio da Fórmula 1, ou quando,
enfim, Cafu erguesse a taça nos céus do Japão. Com "Cana Verde", de Tonico e
Tinoco, também estaríamos satisfeitos, não precisaríamos nem lançar mão do
gingado e do balanço de "Garota de Ipanema", de Tom Jobim, para impor nossa
nacionalidade. Claro, "Coração de Luto", mais conhecido como "Churrasquinho
de Mãe", de Teixeirinha, estaria descartado. "O Ébrio", de Vicente
Celestino, também. Por mais bregas e atrasados que somos, não há duas
músicas mais cafonas do que estas últimas em toda a musicologia mundial.
Depois que ouvi o Olodum executar nosso Hino no Palácio do Planalto, me
convenci de vez que temos que mudar a letra e a música da canção de nossa
Pátria o mais rápido possível. Minha preferência, por ora, fica com "Asa
Branca". O leitor que faça também a escolha do seu hino preferido, simples,
belo, fagueiro, na escala de dó, portanto sem teclas pretas, só brancas (me
desculpe o Movimento Negro), para substituir o lindo porém sofisticado Hino
Nacional brasileiro. É muito sustenido, muito bemol, letra bonita demais
para um povo que ainda sofre de "complexo de vira-lata", como disse Nélson
Rodrigues, que só quer saber de samba, pagode e funk. Porém, "Eu não sou
cachorro não", de Waldick Soriano, não vale...
Caro Félix Maier, não me leve a mal mas descordo plenamente de seu comentário a respeito de nosso Hino Nacional. Penso que seria mais digno de um patriota, que mesmo vendo as falcatruas e robalheiras que acontecem em nosso país, criar um movimento não para adaptar o nosso Hino ao nosso povo, e sim que houvesse uma adaptação do nosso povo ao nosso Hino. Ainda acredito no Brasil, e neste ano teremos a chance começar a promover está mudança. Afinal, dos filhos desse solo és mãe gentil, Pátria Amada Brasil.
Jefferson
Faltou dizer que a melodia do Hino americano é copiada de uma velha canção inglesa do século XVIII, chamada "To Anacreon in Heavens". Os americanos, tão ciosos de sua "superioridade" em relação ao resto do mundo, não tiveram muita criatividade, portanto...
Caro Félix, quando se fala (em inglês) que alguém é bem humorado pode-se dizer que o fulano tem uma "sunny disposition". Trata-se de uma expressão em desuso, mas que guardei porque a acho muito simpática. Menciono isso a propósito de seu texto, que irradia "sunny disposition" da primeira à última linha. Como se não bastasse a lufada de bom astral, você nos transmite informações muito interessantes. Se me é dado opinar, também vou de Asa Branca. Abraço.
Jefferson: você não pegou o “espírito” da mensagem, ou como disse Toni, a “sunny disposition” que tive ao escrever o texto.
Claro que eu não sou pela mudança da letra e da música de nosso Hino. Pelo contrário, a letra e a música são magníficas. Por isso, deverão ser mantidas “ad aeternum”, apesar do movimento “politicamente besta” que anda por aí, vez por outra, dizendo que o hino deveria ter uma letra mais “popular”. Acho, também, que o Hino deveria ser cantado por todas as crianças nas escolas, pelo menos umas duas vezes por semana, ao mesmo tempo em que se hasteasse a Bandeira. /// Graças a Deus, o Hino foi feito numa época em que se dava mais valor à música de qualidade, não como hoje, quando qualquer pagodeiro e funkeiro ganha milhões para cantar bobagem. Já imaginou se tivéssemos que escolher nosso Hino nos dias atuais, mediante consulta popular? Teríamos que optar entre Zeca Pagodinho ou Ivete Sangalo, entre Chitãozinho e Chororó ou Zezé di Camargo e Luciano. Até o Bonde do Tigrão iria fazer sua proposta... /// Foi uma pena. Na chegada da Seleção de Futebol ao Palácio do Planalto, FHC deveria ter chamado, não o Olodum, mas a Orquestra Sinfônica Brasileira, para junto com a Banda dos Fuzileiros Navais, executar nosso Hino, que seria cantado por 1.000 vozes do Coral da Universidade de Brasília, e mais 50.000 vozes do povo nas imediações, para fazer tremer o Palácio, partir suas vidraças, fazer desabar o Parlatório. De preferência, chamando Rinaldo e Liriel para soltar suas magníficas vozes, dando um coroamento ao majestoso, sofisticado e lindo Hino que temos. Ivete Sangalo ficaria de bom tamanho nas ruas de Brasília, em cima do trio elétrio, assim como o Olodum. Agora, ter que ouvir o Hino ao som de uma batucada, isso mostra a que nível chegamos. Fafá Belém, a musa da “Dieta-já”, pelo menos soube dar uma entoação dignificante ao nosso Hino por ocasião da morte de Tancredo Neves...
Transcrevo, abaixo, interssante mensagem recebida de Margarida. ///
"Deu no The Guardian
Félix, veja o que o jornal inglês "The Guardian" escreveu sobre o nosso Hino Nacional um dia antes do jogo do Brasil e Inglaterra. (A tradução está logo abaixo.) "...Try to be in front of your television by 7.20am tomorrow to catch another of Brazil's great gifts to human happiness. With France gone, Brazil now possesses the best national anthem left in the 2002 World Cup. First penned by Francisco daSilva in 1841, the Hino Nacional is arguably the jauntiest, cheeriest, most tuneful and most beguiling national anthem on the planet. It feels as if it comes ready composed from the opera house, and the influence of Rossini is hard to miss, though scholars now think Da Silva may have cribbed the tune from a religious work by his teacher, José Nunes Garcia. Admirers have included the Creole composer Louis Moreau Gottschalk, who wrote a set of variations for piano and orchestra on it that are well worth hearing. In his book "Futebol: the Brazilian Wayof Life", our South America correspondent, Alex Bellos, explains how the Englishman Charles Miller first brought football to Brazil. But by the time Miller arrived at Santos in 1894, the Hino Nacional had long expressed in song what Pele and his successors later expressed so wonderfully on the field. While the Marseillaise makes bellicose calls to arms, the Hino Nacional stirs national feelings by appeals to Brazil's "pure beauteous skies, " its sound of the sea and the flowers" of its "fair smiling fields". A natural setting for the beautiful game. When Rivaldo and Ronaldo put another two goals past Belgium on Monday, thus setting up tomorrow's quarter-final with England, the London Evening Standard led its later editions with a huge one-word headline. It said simply: BRAZIL! Quite a tribute. It is hard to imagine any other country whose mere name could be used in such a way with such confidence, in the certainty that the readers would react with pleasure and excitement. Were England to be playing Argentina, Germany, France or Italy tomorrow, expectation would be mixed with fear. To play Brazil, on the other hand, is simply a delight and an honour."///Publicado no "THE GUARDIAN" - Londres, INGLATERRA, em 20 Jun 2002. (Uma tradução imediata) "O BELO HINO" Tente ficar em frente de seu televisor cerca das 07:30 da manhã, de amanhã, para sentir outra das grandes dadivas do BRASIL pela pela felicidade humana. A FRANÇA indo embora, o BRASIL agora possui o melhor hino nacional na COPA MUNDIAL de 2002. Tocado primeiramente por FRANCISCO DA SILVA em 1841, o Hino Nacional é alegadamente o mais alegre, o mais animado, o mais melodioso e o mais encantador Hino Nacional no planeta. Sente-se que é como tivesse vindo pronto, já composto, de uma casa de ópera, e a influência de Rossini é difícil descartar, embora estudiosos agora pensem que Da Silva possa ter tido a inspiração da melodia de uma obra religiosa de seu professor, José Nunes Garcia. Admiradores têm destacado o compositor "crioulo" Louis Moreau Gottschalk, que escreveu um conjunto de variações para piano e orquestra sobre o hino, que vale a pena ouvir. Em seu livro "Football: The Brazilian Way of Life", nosso correspondente na América do Sul, Alex Bellos, expõe como o inglês Charles Miller trouxe pela primeira vez o futebol para o BRASIL. Mas à época em que Miller chegou em Santos, em 1894, o Hino Nacional já tinha expressado de muito, em canto, o que Pelé e seus sucessores expressariam mais tarde de modo tão maravilhoso no campo de jogo. Enquanto a Marselhesa faz belicosos apelos às armas, o Hino Nacional estimula os sentimentos nacionais, apelando para o "formoso céu risonho e límpido" do Brasil, seu "som do mar" e as flores dos seus "risonhos campos". Um conjunto natural para o belo jogo. Quando Rivaldo e Ronaldo fizeram outros dois gols na Bélgica na última segunda-feira, classificando-se assim para as quartas de final com a Inglaterra, o London Evening Standar encabeçou sua última edição com uma enorme manchete de uma só palavra. Dizia simplesmente: BRASIL! Um verdadeiro tributo. É difícil imaginar qualquer outro país cujo mero nome pudesse ser usado de tal modo, com tal confiança, na certeza de que os leitores reagiriam com prazer e excitamento. Fosse a Inglaterra jogar contra Argentina, Alemanha, França ou Itália amanhã, a expectativa estaria misturada com temor. Jogar com o Brasil, por outro lado, é simplesmente um deleite e uma honra."