Zen-budismo, mafiosos italianos, um bando de órfãos do Brooklyn nova-iorquino e um detetive com Síndrome de Tourette. Com essa mistura anormal Jonathan Lethem consegue criar uma instigante história de detetives, como há muito não se via. Lethem consegue dar um colorido especial aos clichês típicos deste tipo de história, mesmo aos clichês anticlichês como o detetive meio atrapalhado e pouco inteligente. Isso porque seu herói sofre de uma das menos prováveis doenças para serem encontradas num detetive, e poucas vezes retratadas na literatura, também.
Então, sem ser uma comédia, onde podem ser encontrados os antidetetives clássicos como o inspetor Closeau de Peter Sellers ou os vividos por Woody Allen, o livro consegue divertir muito. É a estranheza da Síndrome de Tourette que consegue tornar tão divertida, situações que, de outra forma, seriam absolutamente normais.
O detetive Lionel Essrog fica obcecado por descobrir o assassino de seu maior amigo, patrão e mentor. Mas o problema é que quanto mais tenso ele fica, mais seus tiques ficam incontroláveis. E este, talvez, seja um dos poucos defeitos do livro: a obsessão touréttica do personagem é transplantada para o livro. Perde-se a conta das vezes em que o detetive Lionel descreve a doença e suas conseqüências. Talvez um pouco menos de descrição poderia aumentar o grau de estranheza no comportamento do detetive e valorizaria suas ações. Mas isto não chega a ser um grande problema na história.
Aos poucos, Essrog vai se embrenhando numa confusa rede de interesses, traições e violência, envolvendo mafiosos italianos e monges budistas. Não falta nem mesmo alguma dose de perseguição de carros e heroísmo.
Uma das muitas qualidades do texto deste escritor nascido e crescido no Brooklyn é exatamente a transformação desta região nova-iorquina, imortalizada pela "colonização" italiana, num quase-personagem. O Brooklyn participa da história, como um pano de fundo, moldando as personalidades de todos os personagens, mesmo aqueles que não são nativos.
O autor, Jonathan Lethem, é considerado um dos melhores escritores da nova geração ficcional norte-americana. Neste seu quinto romance, lançado originalmente em 1999, Lethem ganhou o National Book Critics Circle Award, importante prêmio nos EUA.
Não poderíamos deixar de citar a maravilhosa tradução de Hélio Guimarães que conseguiu captar toda a complexidade da fala touréttica do detetive. Só esperamos agora que a Companhia das Letras lance as outras obras de Lethem.
Para ir além
Brooklyn sem pai nem mãe - Jonathan Lethem - 375 páginas - Companhia das Letras
Direções Literárias
- A Ediouro lançou um volume com as poesias completas de Cruz e Souza, juntando Broquéis, Faróis e Últimos Sonetos. Numa edição bem cuidada e barata (fator muito importante), podemos ter acesso à poesia deste filho de escravos que enfrentou bastante preconceito, além da miséria. Foi chamado, por críticos, de "negrinho mau rimador". Mas, Cruz e Souza conseguiu se tornar o mais importante poeta do simbolismo brasileiro, usando frases vagas trabalhando com a imaginação do leitor.
Poemas completas - Cruz e Souza - Ediouro - R$ 9,90.
- Mecanismos do Silêncio é o lançamento da EdUFSCar, Editora da Universidade Federal de São Carlos, que retrata os mecanismos de censura usados pela ditadura militar contra artistas e meios de comunicação. A pesquisa percorre os 20 anos de dominação militar e os métodos
utilizados para silenciar os opositores. A autora pesquisou o funcionamento dos principais órgãos de censura como a Divisão de Censura e Diversões Públicas (DCDP), que era o centro da censura.
Mecanismo do Silêncio - Creuza de Oliveira Berg - EdUFSCar - R$ 23,50
- Mais um importante lançamento da editora Paz e Terra para ajudar a compreensão da história brasileira. Desta vez, através dos arquivos de um ativo político e diplomata, Afonso Arinos. O autor, filho de Arinos, pesquisou atrás de personagens, fotos e relatos que cobrissem os anos de atividade de seu pai, principalmente, como não poderia deixar de ser, os mais dramáticos como os pré-1964.
Diplomacia Independente - Afonso Arinos Filho - Paz e Terra - R$ 45,00
- É preciso dizer que Nick Hornby criou um estilo todo próprio de escrever. Voltado ao público jovem sem ser "juvenil". Muitas vezes imitado, inclusive no Brasil, mas nunca igualado. Isso porque, apesar de falar dos problemas típicos da juventude, conseguiu não se repetir no estilo. Neste livro, ele conta a história de uma mulher, Kate Carr que decide passar sua vida a limpo. Pede divórcio do marido por telefone e fica em dúvida sobre se é uma pessoa legal ou não.
Como ser legal - Nick Hornby - Rocco - R$ 31,00
- Escrever poesia no Brasil é quase um crime, mas felizmente com a Internet dá para a gente espiar o que nossos irmãos portugueses estão fazendo. A Editorial Caminho lançou mais um livro de poemas de Teresa Guedes, onde a brincadeira com as cores torna-se uma surpresa para todos os sentidos. Através do branco, a poetisa consegue mostrar uma outra realidade com palavras sensuais. O branco, de neutro, passa a provocador.
Em Branco - Teresa Guedes - Editorial Caminho (Portugal)
Concordo plenamente com a sua critica favorável ao referido livro de teresa guedes.Aqui em Portugal é bastante recomendado nas escolas.Sou professor de Português e conheço também os outros livros da autora na area da pedagogia.
Parabens pela sua coluna tão actualizada.
Marcos Gouveia