O mindinho é o dedo mais aristocrático, mais boa-vida de todos. Trabalha pouco, é um bon-vivant e bem cuidado. É um tremendo símbolo de frescura. E adora isso. Quando vai tomar aquela xícara de chá, empertiga-se todo, levanta-se como se quisesse mostrar-se ao mundo, falando: vejam toda a minha importância, vejam como sou elegante tomando o chá das cinco, sou um lord inglês.
Até que alguém venha acabar com esta frescurite toda e coloque o dedo no seu devido lugar. E há dois desses lugares que são os piores que ele poderia agüentar: o nariz e o ouvido. Sim, todo mundo enfia o dedo no nariz e no ouvido, não adianta negar. Alguns disfarçadamente, elegantemente. Em casa, trancados no banheiro. Algumas mulheres chegam a enrolar um pedacinho de papel higiênico no dedo para limpar essas partes. Um pouco de exagero. Por outro lado, quem nunca, no meio do congestionamento matinal das nossas cidades brasileiras, olhou para o lado e pegou alguém na maior limpeza interna?
Está bem, deixemos as escatologias de lado e voltemos ao centro desta nossa resenha: o dedo mindinho. Um verdadeiro dedo dândi, deliciosamente retratado por Mário Prata em toda sua importância. Sim, porque muitos não dão muita importância a este dedo. É porque não o perderam ou nasceram sem ele. É o que retrata o escritor num livro construído de forma muito interessante. Como uma colagem de textos, Prata constrói a história de Mindinho, ou melhor, Fabrico de Oliveira Lima (sim, é Fabrico mesmo, não é erro de digitação), um homem marcado (ou desmarcado) pela ausência do dedo mindinho.
Com esse argumento, o autor consegue, na primeira parte do livro, criar uma extraordinária colagem de textos, inclusive usando outros autores como João Ubaldo e o cabo-verdeano Germano Almeida. São esses jogos entre realidade e ficção que tornam a escrita de Mário Prata absolutamente saborosa. Mas, talvez a história mais interessante, seja a de Zeca Junqueira, o primeiro a usar a unha do mindinho comprida (moda atualmente entre cobradores de ônibus, não me pergunte porquê).
Como eu falo no início desta resenha, a unha comprida no mindinho nasce exatamente para comprovar a natureza dândi e aristocrática do dedo. O que causa ainda maior estranheza quando encontramos cobradores adeptos desta moda criada pela alta burguesia. Mas, enfim, talvez a unha sirva, como diz Ubaldo, para limpar a sujeira do umbigo, do nariz, do ouvido ou de outras partes ainda menos nobres.
Na segunda parte do livro, perde-se um pouco do pique interessante da primeira. Fica uma sensação um pouco de "enrolação" para completar o número de páginas combinado. Buscando informações na Internet, Prata (talvez o único escritor brasileiro que realmente incorporou a Internet aos seus escritos - e isso é um enorme mérito dele) completa o livro com pequenos recortes de informações sobre o dedo em questão. A maioria traz pouco ao livro, a não ser o engraçadíssimo primeiro capítulo de uma novela de bang-bang absurdo.
Mas, este pequeno deslize na segunda parte do livro, não tira o mérito e a qualidade das histórias que Prata conseguiu juntar sobre o dedo menor. Como a do marceneiro corno ou a maravilhosa novela (o que a Globo está esperando para filmar?) sobre as cidades interioranas disputando sua sobrevivência, junto com uma comovente história de amor proibida e a busca de um extraterrestre por sua filha - numa mistura de A Indomada com Romeu e Julieta, e Arquivo X.
Este é o terceiro volume da coleção "Cinco Dedos de Prosa" da editora Objetiva, onde o tema, como diz o nome, são os dedos da mão. Carlos Heitor Cony já escreveu sobre o dedo indicador em "O Indigitado" e Fernanda Young, sobre o dedo mais sexual, o médio, em "Efeito Urano". Ainda restam dois autores que prometem, Manoel Carlos e Luís Fernando Veríssimo.
Este volume, apesar de ser inferior a outros sucessos do autor como "Minhas mulheres e meus homens" e "O diário de um magro", vale a leitura. Principalmente, neste momento eleitoral, onde poderemos ter até um presidente sem o dedo mindinho.
Para ir além
Buscando o seu Mindinho - Um almanaque auricular
Mario Prata
Ed. Objetiva
243 páginas