COLUNAS
Segunda-feira,
25/11/2002
Eucanaã Ferraz
Maria João Cantinho
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A aposta das edições Quasi na publicação de poetas brasileiros, a par de poetas portugueses, não deixa de ser arriscada, num país onde a leitura de poesia é reservada a uma minoria. Porém, é louvável que haja uma editora que se empenhe em divulgar a poesia brasileira, de forte tradição e grande qualidade, retomando uma ligação que parecia perdida desde Drummond de Andrade, Ferreira Gullar e João Cabral de Melo Neto.
De ambos os lados do Atlântico, queixam-se os poetas. Da ignorância e do desconhecimento mútuos, embora as universidades de ambos os países jamais tenham abandonado esse fértil intercâmbio. Recentemente, o número 7 da revista de poesia Relâmpago foi inteiramente consagrado às novas e contemporâneas vozes da poesia brasileira: António Cícero, Armando Freitas Filho, Eucanaã Ferraz, Leornardo Fróes, Paulo Henriques Brito e Waly Salomão. Todos esses autores possuem linguagens diversas, evidenciando a riqueza da poesia brasileira, portadores de uma herança que, diferenciadamente, se constitui, também, como abertura para novas poéticas e contribuem para uma reanimação da poesia brasileira.
Esta obra coloca-se, desde o seu início, sob o signo da claridade. Iniciando o livro com "Desassombro I" e terminando-o com "Desassombro II", Eucanaã Ferraz define um universo poético, marcado pela procura do rigor e da clareza da linguagem, tomada na sua essencialidade. Com o poema "Um fio de luz", o autor procura iluminar e, simultaneamente, recortar, criando um horizonte de sentido para as coisas que, desta forma, são subtraídas à sua sombra, isto é, à sua mudez e tristeza. Iluminar as coisas à nossa volta significa devolvê-las à sua plenitude existencial, a um mundo desassombrado, transfigurado poeticamente. Mais do que iluminar, o poema "recorta", destaca, faz cintilar o que, antes, se ocultava na sombra. Nessa dicotomia, entre a sombra e a luz, entre o querer dizer e o que resiste ao dizer, situa-se toda a tensão da obra. Irrecusável e paradoxal, a tensão dialéctica instala-se no cerne do próprio poema, fracturando a unidade da linguagem e condenando o poeta a habitar o umbral entre o dizível e o indizível, perseguindo a palavra capaz de devolver o esplendor a cada coisa. Tarefa perigosa, sem dúvida, um gesto que se desenha sempre "à beira da beleza/como de um precipício." Com efeito, esta subversão dos limites da linguagem, deixando o poeta à mercê de uma "terra de ninguém", onde apenas a palavra o pode salvar, constitui a marca inalienável da grande poesia. Este é o seu carácter salvífico, em que o poeta luta por devolver tudo aquilo que o rodeia à claridade do dizer poético. Todavia, a transparência do poema assenta numa recusa do ornamento, do "atavio", para que possa atingir-se "(...) o peso nenhum/ de quando nenhum atavio:/ tábua/ sem nada em cima." O poema constrói-se a partir da essencialidade do nomear, "o gesto necessário./ E só."
Na secção que se segue a "Desassombro I", em "À mesa de trabalho", o poeta medita sobre o seu ofício, em que o canto ou a musicalidade do poema nasce da sua imperfeição. Tal como Eucanaã Ferraz o afirma: "O poema insiste:/ brune, lava, escoda// Mas já não sonha/ o perfeito.// Verruma/ porque o canto é isso mesmo./ Isso:/ toda palavra é defeito.". Se, por um lado, se procura o cristal da palavra no seu despojamento, por outro, a perfeição é recusada como uma ilusão. A perfeição revela-se como um nada, um "lugar vazio", um "azulejo sem qualquer desenho". Longe de devolver o mundo à sua claridade e ao desassombro da beleza, "O poema perfeito,/ por sê-lo,/ silenciaria". O poema é um ser vivo, respira e tem uma vida natural. É um ser orgânico que contrasta, por inteiro, com a perfeição do intemporal, como o poeta o afirma nos "Poemas do Antiquariato". Tomem-se como exemplo a beleza do príncipe, onde não há "Nenhum sinal de/ sangue ou espanto", as marcas do humano. A sua beleza jovem é monstruosa, justamente por ser desumana e não haver nela qualquer nota de fragilidade, tal como a "Pobre rainha:/ enbalsamada.". A sua beleza deixa-nos indiferentes, não nos emociona, "Faz de todo aquele/ que a olha - eunuco".
Se recorro aos poemas de tom mais alegórico, isso permite-me destacar aspectos que considero essenciais na obra de Eucanaã Ferraz. Falar da sua poesia como um trabalho intensamente depurado não significa, de modo algum, que o poeta renuncie à emoção, mas sim ao barroquismo e artificialismo da linguagem, mantendo a sua musicalidade. Se por um lado, se procura a elipse, no poema, o corte brusco e a suspensão, como efeito estético de choque, manifestando a influência poética de João Cabral de Melo Neto, por outro, esses efeitos são imediatamente suavizados pelo retomar da musicalidade do poema, criando no leitor uma emoção imediata, uma empatia irrecusável. À influência cabralina sobre a obra de Eucanaã Ferraz vêm juntar-se outras vozes que latejam na sua poesia, num diálogo constante com a poesia de Sophia de Melo Breyner Andresen e Eugénio de Andrade, influências que são claramente assumidas pelo autor. E não se pense que essas influências fecham a sua poética, reduzindo-a. Ao invés, interiorizando essas vozes, o autor conforma uma experiência poética, marcada pelo recurso inteligente a uma imagística poderosa e claramente original. Como é disso exemplo o admirável poema, em que o poeta compara os gritos dos morcegos, em torno do edifício, a facas: "Gritam como facas/ apressadas, afiadas/ à roda do edifício.// Teresa diz-me que/procuram das frutas/ o açúcar. Alerta:// que eu não deixe bananas dormirem/ sobre a mesa da cozinha./ Mas como esconder// o doce à tona dos meus olhos,/ quando, no escuro dos quartos e da sala,/ diferentemente dos morcegos,// quero e não sei o que quero?/ E quero que amanheça,/ e quero não morrer." A tensão, que se vai avolumando num crescendo, paira como um grito silencioso ao longo de todo o poema, adquirindo um tom pungente e intensíssimo. Dessa fragilidade do humano, lutando contra o "cerco" da morte e da noite escura, ainda uma metáfora da morte, fala-nos a poesia de Eucanaã Ferraz, a cada passo, resgatando a imperfeição e a fealdade das cidades, (re)vestindo-a da beleza que se quer total e desassombrada, luminosa: "beleza, beleza,/ beleza,/ mais nada.".
Sabendo que se vive sempre "entre o vómito e a primavera", entre a tristeza dos dias e a sublimidade do desejo, o poeta é o que luta, melancolicamente, por reconduzir as coisas à sua alegria, procurando escutar o secreto canto que existe no coração das coisas, o canto que se oculta na escuridão. Urge, por isso, redescobrir a esperança, actuar sobre o tempo que há, nos dias que passam, descobrindo "certo ouro que há no tijolo", mesmo que a esperança e a alegria pareçam ter-se eclipsado. Por isso, o poeta diz: "Pudesse um poema, um amor,/ pudesse qualquer esperança/ viver assim o engano."
Trata-se de, ainda e sempre pela palavra e pela imagem poética, fazer deflagrar a continuidade temporal, o fluxo dos acontecimentos, recortando com "o fio de luz", metáfora operatória, por excelência, do dizer poético, os acontecimentos, subtraindo-os à voragem das sombras. Daí que o poeta se reclame como aquele que espera, a cada momento, que a palavra se lhe revele no seu segredo, ensinando-lhe o "gesto necessário", que lhe permita operar a alquimia do poema, concentrando em si o fulgor da imagem e da palavra que ilumina. A nostalgia desse desejo, o de "ser o cão da palavra", configura-se como uma imagem que reaparece constantemente em toda a obra, como um foco ou uma ideia a que chamaria, sem hesitação, derradeira. Essa "Palavra que ordenasse até:/ nenhum poema! Eu, cão fiel,/ calava. Mas o ar jamais faltasse./ Ela surgiria// como nas noites marinhas/ o farol: estrada certa,/ luzidia, sem cessar./ Vai o cão."
Pode dizer-se que Desassombro, embora aparente uma descontinuidade poética, já que os poemas nos aparecem sem títulos, mas integrados em secções, se revela como uma obra de grande coerência e unidade, em que todos os poemas são guiados por um fio condutor que irrompe, frequentemente, mais ou menos explicitamente, e que demonstra uma exemplar maturidade poética. A atestar essa coerência, ressalto o último poema do livro, "Desassombro II", em que o poeta compara o trabalho do moleiro, aquele que começa o seu dia de trabalho, mal o sol se levanta, ao seu próprio ofício. Desmitificando uma certa ideia da poesia como algo de puramente mediúnico e sagrado, intocável, Eucanaã Ferraz afirma a poesia como uma tarefa humana e artesanal, tal como a arte do moleiro, realizada "à mesa de trabalho", contaminada pela imperfeição. Porque, como ele próprio diz, o poeta "já não sonha o perfeito// Verruma/porque o canto é isso mesmo.// Isso:/ toda a palavra é defeito. "
Eucanaã Ferraz, Desassombro, Quasi Edições, Biblioteca "arranjos para assobio"/5, Vila Nova de Famalicão, 2001.
Entrevista com Eucanaã Ferraz
Eucanaã Ferraz nasceu no Rio de Janeiro, em 18 de maio de 1961. Formou-se em Letras e realizou o mestrado em literatura brasileira pela UFRJ, com a tese Drummond, um poeta na cidade (1994). Fez o doutorado em literatura brasileira, pela mesma universidade, com a tese Máquina de comover: a poesia de João Cabral de Melo Neto e suas relações com a arquitetura (2000).Publicações: jornais, revistas e antologias (entre elas, Esses poetas, uma antologia dos anos 90, org. de Heloísa Buarque de Holanda. Rio de janeiro: Aeroplano, 1998). Em parceria com Victor Loureiro: O outro e o outro, Rio de Janeiro: Luxo/Lixo, 1984). Individualmente: Livro Primeiro, Rio de Janeiro: Edição do Autor,( 1990), Martelo (Rio de Janeiro: Sette Letras, 1997), Desassombro (Quasi, Vila Nova de Famalicão: 2001).
M.J.C. - Começou a publicar poesia em 1990. Mas defendo a ideia de que a experiência poética começa muito cedo, na infância, por exemplo. Quer falar nisso?
E.F. - Realmente, a experiência poética encontra na infância um tempo ideal, pois é quando a curiosidade e a liberdade em lidar com as formas exercitam-se com mais naturalidade, rentes ao sentir, ao corpo, ao sonho. A criança constrói seu conhecimento do mundo não raro por meio de associações inusitadas, insólitas, muito próximas da metáfora. Jamais voltamos a experimentar um tal desembaraço, ainda que tenhamos, na arte, o desejo de retornar à experiência poética natural da infância.
M.J.C. - Quando é que começou a escrever?
E.F. - Quando criança, vivi numa casa praticamente sem livros. Eles apareciam nas mãos de meu pai esporadicamente, em forma de trabalho, algo inacessível e despido de qualquer interesse para mim. Minha aproximação com a poesia, no entanto, deu-se em casa mesmo. Conto isso em uns versos de Livro primeiro: "Conheço o primeiro livro de poemas/ - Eu/ de Augusto dos Anjos// Meu pai o tem entre tratados de odontologia/ sem capa/ velho/ enferrujado". O livro era, na verdade, terrível, com longos poemas sobre a morte, o apodrecimento dos corpos, tudo visto sob um ponto de vista materialista, cientificista, e construído com um vocabulário exagerado, heterodoxo, antipoético, o que deveria ser repulsivo para uma criança. Mas não o foi. Ao contrário, este livro tornou-se fundamental para mim, pois, durante muito tempo, toda a minha leitura de poesia se restringiu a ele, convertido então numa espécie de sinônimo de poesia. Ou seja, aquilo era a poesia, Augusto era o poeta. Mais tarde, na escola, vivi com grande espanto a experiência de ver morto um de meus professores, um bom velho chamado Veloso. Perturbado, achei que devia falar sobre aquilo. E o melhor modo seria usar a palavra escrita, ao modo de Augusto dos Anjos. Com um verdadeiro impulso emocional, mas sem qualquer maturidade existencial ou literária, escrevi uns versos. Tanto estes quanto os outros que se seguiram eram ingênuos pastiches do que havia de mais superficial naquele poeta. Mas, hoje, gosto de pensar que naquela época já surgia em mim a desconfiança de que a poesia se faz sempre a partir de um "susto", existencial ou estético, a ser traduzido depois por um arranjo incomum de palavras.
M.J.C. - Sei que tem uma relação estreita com a poesia portuguesa. Nomeadamente com os poetas Sophia de Melo Breyner Andresen e Eugénio de Andrade. De que modo acha que essas influências se cruzaram com as da poesia brasileira ou não se cruzam?
E.F. - Acredito que todas as influências se cruzam, atuam umas sobre as outras, entram em tensão, geram formas. E, de certo modo, tudo é influência, já que tudo ajuda a formar nossa sensibilidade. Assim, precisaria registrar a leitura entusiasmada da poesia de Pessoa e de Jorge de Sena. Mas, realmente os nomes portugueses fortes são Sophia e Eugénio. Encontrei em ambos, sobretudo, a força que nasce da delicadeza e da luz. A ternura de Eugénio é das coisas mais grandiosas que a poesia já produziu. A palavra de Sophia é absoluta, generosa, abraça uma dimensão cósmica, procura libertar-se de toda contingência, do tempo, do espaço, da descontinuidade dos nomes e dos corpos. A generosidade de Eugénio, por sua vez, parece mais chã, consiste em abrigar as coisas e os seres com as sua pequenas raias para acendê-los com a dignidade, a beleza e o afeto. Não me acredito minimamente capaz de chegar a tanto. Mas creio que estes dois autores revelaram alguns valores muito altos que gostaria de perseguir. Poderia dizer o mesmo da simplicidade sofisticadíssima de Manuel Bandeira. Já a poesia de João Cabral de Melo Neto orientou-me decisivamente para certo materialismo, que tanto me interessa na poética de Eugénio e mesmo em certa poesia de Sophia, e para um realismo que aos poucos foram me afastando como poeta, não como leitor e admirador, do "estilo" de Herberto Helder. Mas nenhum poeta me ensinou tanto a oficina poética quanto Carlos Drummond de Andrade. Lendo e estudando sua poesia descobri minhas próprias habilidades, minhas aptidões para esta ou aquela maneira de dizer. Mas seria preciso acrescentar ainda a pintura de Matisse, a música de Caetano Veloso, a prosa de Clarice Lispector. Tudo se cruza e se amplia, pois permaneço à procura de linguagens, obras, autores e vivências que definam, que afinem o desempenho de minha escrita.
M.J.C. - São claramente evidentes essas influências, na sua poesia. Creio que em Desassombro elas se tornam mais explícitas e acentuadas, querendo referir-me ao aspecto apolíneo da sua poética, não concorda? O próprio título sugere o contraste e toda a obra se coloca sob esse signo...
E.F. Penso que em Desassombro as marcas do diálogo com outras poéticas estão de tal modo assimiladas que já não surgem sob a forma de influência. Quanto ao que chamas de aspecto apolíneo, de fato minha poesia prima pela clareza, pela ordem e pela plástica. Mas se há uma valorização da razão e da materialidade das coisas, não há exatamente uma ocultação do fundo trágico da existência. Mesmo num livro que se consideraria mais apolíneo, como Martelo, lê-se que "o poema é ver/ com lanternas/ que cor é a cor/ do escuro". Assim, há tanto uma vontade de tornar claro quanto um desejo de conhecer o escuro. Esta luz de que tanto falam os meus poemas é da ordem da razão, sim, mas ela é também a imagem da compreensão de nossa condição trágica. Só que sou um lírico a falar do trágico. Um outro poema de Martelo diz da "sorte/ precária/ de uma luz/ em meio à sombra/ que tudo amesquinha". A luz é também conforto existencial, físico, tem a ver com o bem-estar que experimentamos quando nos esquecemos da morte. Há um poema algo narrativo de Desassombro que põe em cena uma mulher que passeia num jardim e se depara com a estátua de uma ninfa a qual falta o rosto. A mulher se depara com a tragédia, a violência, a repulsa, o horror. Os versos tratam disso, mas, ao final, surge o homem por quem a mulher esperava, eles se beijam e ela sorri. O poema tem um final feliz! Termina iluminado! A mulher compreende seu corpo, sua existência, a natureza, o tempo. O aprendizado se dá pelo vislumbre do trágico, mas tudo chega a um termo claríssimo, ordenado, com a valorização do indivíduo, da razão, da própria aparência como valor capaz de produzir um alto conhecimento da existência. O espírito apolíneo é apenas um polo das tensões que minha poesia apresenta. Eu até gostaria de fazer uma poesia absolutamente apolínea. Não faço por não saber, por não poder.
M.J.C. - A sua poesia, em qualquer um dos livros, mas, sobretudo em Desassombro, refiro-me ao último poema, aquele em que compara a oficina poética com o trabalho do moleiro, evoca um lado profundamente "artesanal" da poesia, que encontramos, por exemplo, em Carlos de Oliveira ou em João Cabral de Melo Neto. Reconhece-se nesta tradição?
E.F. - Sim, sem dúvida. Mas a hipervalorização do artesanato, assim como a hipertrofia da inspiração, que teve lugar sobretudo na tradição romântica, pode ser perigosa. Embora eu me ponha ao lado dos trabalhadores, digamos assim, já na primeira parte de Desassombro, a que dei o nome de "À mesa de trabalho", apresento o trabalho de construção do verso, do poema, como um risco: "Sem que fabriquemos/ na procura do cristalino/ o tão-somente incolor,// sem que, à procura do estrito,/ bebamos a estricnina/ do sensabor,//quanto de erro/ é acerto/ na fórmula de fingirmos?" Creio, portanto, que há sempre o risco de esterilizarmos a poesia, de matá-la em nome do artesanato, que é apenas um aspecto da criação. Admiro os escritores inspirados, que são procurados pela palavra. Quanto a mim, procuro por ela. Num outro poema, queixo-me um pouco deste meu trabalho, digo que gostaria de ser "o cão da palavra", ser levado por ela. Uma submissão maravilhosa! Há poetas como a Sophia, a Cecília Meireles, o Manuel Bandeira, escritores como a Clarice Lispector, que falam desta experiência do texto que se faz, cabendo ao poeta obedecer, receber, o que só é possível, é claro, num estado de absoluta atenção, de concentração extrema, de dedicação mais alta e mesmo superior àquela exigida pelo trabalho. Sim, o artesanato parece então alguma coisa realmente menor. Mas é impossível não invejar, igualmente, a engenharia sem-par de um poeta como João Cabral, que estruturou muitos de seus livros definindo, a priori, a quantidade de seus poemas, os temas de cada um, o número de versos, o esquema das rimas, os metros, tudo numa relação matemática perfeita, serial, para depois preencher a "planta" com versos. Veja que nestes exemplos opostos não há nem a exacerbação sentimental e descuidada nem o esfriamento das emoções! Um grande artista sabe escapar dos riscos de que falei antes. Um poema de Sophia é algo perfeito como objeto construído, enquanto um poema de Cabral nos leva à mais intensa comoção. Não sou capaz destas grandezas extremas. Daí, procuro situar-me numa fronteira, sempre a martelar, martelar, a alegria, o amor, a tristeza, a raiva, o susto.
Maria João Cantinho
Lisboa,
25/11/2002
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