Um dos piores escritores do Brasil - e, conseqüentemente, um dos mais lidos e admirados - é o Mario Prata. Seu sucesso seria um insolúvel mistério, se ele escrevesse sozinho entre miríades de cronistas competentes e talentosos. Mas não: seus companheiros de trabalho são quase sempre tão ruins quanto ele. O principal destaque de Mario Prata, na verdade, - e, talvez, o seu especial segredo - é que ele conjuga e potencializa alguns dos piores defeitos dos "melhores" cronistas do Brasil, sem agregar suas qualidades: a absurda ingenuidade política de Luis Fernando Veríssimo; a tediosa falta de assunto de João Ubaldo Ribeiro; a moleza opinativa de Ignácio de Loyola Brandão. E, de todos, a perspectiva umbigocêntrica do mundo, como se fosse capaz de transformar seus incômodos com um pernilongo em um caso engraçado e interessante. Mario Prata, camuflado por prêmios e defendido por fãs, continua sendo, para leitores atentos, um engodo evidente. Só o silêncio poderia esconder sua anemia imaginativa; mas ele decidiu ser escritor. Sua mediocridade, então, é indisfarçável.
É um recurso comum, entre cronistas que publicam regularmente, a encheção de lingüiça deslavada. Mais de dois parágrafos, muitas vezes, com reminiscências bobas e diálogos inúteis, em que fica evidente, para o leitor acostumado, a preocupação do escritor em simplesmente preencher espaço. Cony e Veríssimo, por exemplo, escrevem diariamente, e suas eventuais apelações são compreensíveis. E, mesmo assim, eles sabem controlar o estilo, que, quando o conteúdo é oco, é o que sobra. Cony e Veríssimo escrevem com facilidade e fluência, alternado com precisão, entre curtas e longas, o tamanho de suas frases, e suas palavras são adequadamente escolhidas - sabendo exatamente o efeito que pretendem e que provocam. As crônicas de Mario Prata, no entanto, saem semanalmente. São relativamente curtas, o que, no seu caso, é positivo - mas mais da metade do que escreve é completamente inútil, mesmo para justificar ou ilustrar uma situação ou sua opinião. A única sensação que seu texto pode eventualmente provocar em um leitor inteligente é a de que não é preciso ser inteligente para ser considerado escritor; basta saber enganar. E Mario Prata é um completo embuste.
Um escritor de verdade precisa cumprir, no mínimo, dois requisitos básicos, e em especial para escrever crônicas: possuir um estilo próprio e corrente; e, talvez ainda mais importante, ser um observador atento e alerta, capaz de perceber, em acontecimentos vulgares, alguma coisa de diferente, incomum. Ou seja: o escritor precisa combinar uma capacidade extraordinária de observação com uma formidável habilidade com o idioma, para colocar no papel aquilo que, para os seus leitores, não passa de impressão vaga e perdida. Ou, então, - se escrever como um jornalista apressado e observar como um mecânico ocupado - seu texto será completamente desprezível, reproduzindo opiniões convencionais e retratando a realidade comum. Não registrará, jamais, nada de novo: e a conclusão de seu texto será, com muita probabilidade, no mesmo estilo e com o mesmo conteúdo da última coluna do Mario Prata, "Doidas e doidos": "Seja doido você também! Façamos um país cheio de contentamento, feliz, encantado, com paixão, entusiasmo, incomum, extravagante, exageradamente doido e feliz."
Isso depois de, durante o início da crônica, dizer que os seus conhecidos são todos doidos, mas que ser doido, afinal, não é tão ruim assim. Porque, conforme o dicionário Houaiss, ser doido significa ser feliz - e, portanto, ele quis dizer, na verdade, que todo mundo é feliz. Não é lindo? Não - é, isso sim, extremamente chato. E escolhi sua última coluna por acaso mesmo, porque, se procurar outras, vou cair na mesma bobagem repetida: um elogio irrestrito aos Tribalistas, comparando-os, da forma mais infantil possível, com os tropicalistas; um diagnóstico estúpido, mas comum, das eleições: "Fora o voto dele (Serra) e da família, o resto votava era contra o Silva, contra o analfabeto, contra o metalúrgico, contra o homem do povo. Enfim, 30 milhões votaram contra o brasileiro natural e, portanto, contra o Brasil"; uma homenagem ao cantor Ray Conniff, que ilustra com perfeição sua incompetência arrogante: "Se você não sabe quem foi (é) Ray Conniff, me dá vontade de dizer que então você não viveu". Mario Prata está obviamente congelado no tempo: além de escrever como criança, distribui opiniões sempre baseadas numa nostalgia boêmia, alheia e pentelha ao leitor sensível. O seu assunto esgotou junto com a sua fórmula.
Não é necessariamente exigido, mas referências eruditas escapam com naturalidade de um escritor normal. Não é possível que alguém, que é ou pretenda ser escritor, desenvolva seus dotes naturais sem recorrer eventualmente a clássicos literários, ou, para apurar a sensibilidade, a música erudita, por exemplo. Citações e alusões, de vez em quando, são apropriadas, menos para exibir conhecimento do que para apontar exemplos - e Mario Prata as utiliza, às vezes até exageradamente. Mas quase sempre ridiculamente. Duas vezes, que me lembre, ele se referiu a escritores: Dostoievski e Rilke. Em relação a Dostoievski, reclamou que, depois de inúmeras tentativas, mais uma vez desistiu de ler Os irmãos Karamozovi, muito longo e muito chato. De Rilke, aproveitou seu indispensável mas manjado Cartas a um jovem poeta e, com a desculpa de ilustrar seu assunto, copiou trechos inteiros, completando metade da coluna. Houve outras, talvez - mas duvido que tenham sido diferentes: escritores, para Mario Prata, são ou o incômodo de suas férias ou a salvação de sua coluna - a não ser, é claro, que sejam seus amigos ou leitores. Em outra ocasião, aliás, e com outra desculpa esfarrapada, copiou cartas de seus leitores, preenchendo quase inteiro seu espaço no "Caderno2". Melhor assim, talvez - apesar da chatice insistente, Mario Prata conserva a virtude da brevidade.
Chatice que, por sinal, é sua preocupação recorrente. Mario Prata gosta de chamar os outros de chatos. Como se ele fosse, digamos, legal, porque alguém, há uns oitenta anos, disse a ele que escreve bem - e, diferente de outros escritores, sem ser chato. E ele acreditou. E decidiu ser escritor. E aprendeu, com dedicação, a fórmula necessária, que consiste na lembrança vazia de memórias boêmias com opiniões socialmente bacanas. Assumiu o estilo: que vai desde passagens por spas, com a intenção de largar o alcoolismo, até o descuido com os dentes, para preservar a imagem de desapego a questões estéticas. Funcionou - e agora serve, ele mesmo, como modelo. Não adianta, porém: não há sucesso profissional que mascare uma mediocridade tão óbvia. Mario Prata é, antes e mais do que tudo, justamente aquilo que ele sempre evitou ser: um escritor chato. Não vale, por cinco minutos, uma companhia na privada.
Caro Eduardo,
Falar do Mario Prata também é chato, ele é um escritor que não deve lido ou lembrado com tamanha seriedade. Em seu próximo texto faça uma crítica mais bacana, como a do show Chaetando Meloso e sua trup de rebeldes sem causa ou consequência.
Imaginar que um ataque de armas biológicas no Parque do Ibirapuera poderia livrar o mundo de 100.004 pessoas chatas. Vê se escreve um texto mais legal porque o Mario Prata é muito chato até quando se fala dele.
Abração
Otávio
Concordo plenamente com o texto de Eduardo Carvalho, e acho que o Pratinha assim como Paulo Coelho, deveria ingressar na ABL, e tornar-se um chato e medíocre escritor definitivo. Apenas fazendo um adendo aos comentários acima, Caetano e sua trupe já perderam as ideologias há muito tempo, só lhes restando o insistente reconhecimento por parte de alguns ripongas saudosistas; estes deveriam estar se beneficiando dos serviços prestados pelo INPS ou SUS. Não posso concordar em chamar Tom Jobim de Mário Prata da MPB...isso sim é um absurdo; se Mário tivesse um mínimo da genialidade de Tom, certamente não estaria dependendo da bondade de "amigos e fãs". A música de Tom, é um legado, como a música de Noel e tantos outros.
Prezado Eduardo Carvalho,
Li pela primeira vez um artigo seu e gostei do português, muito raro, hoje, ver alguém escrever bem o nosso idioma.
Estando distante do Brasil, moro em Montreal, nem ao menos sei quem seja este senhor Mário Prata, mas as minhas experiências de ter vivido a famigerada ditadura militar no Brasil e a de hoje viver num país que prima pela liberdade de expressão, fazem-me pensar que aquele senhor tem --aasim como o senhor o tem para criticá-lo-- o pleno direito de pensar não importa o quê, votar não importa em quem, escrever e/ou publicar seja lá o que for e, óbviamente, agradar ou não a esta minoria de brasileiros leitores que têm acesso a literatura.
Achei, portanto, esse seu artigo muito positivo no especto crítico, porém agressivo demais, impondo uma tamanha chafurdação e humilhação ao senhor Prata que assim sugere o seu fim como escritor, o desincentivo dos leitores a lê-lo e, por fim, criando um clima inadequado à liberdade de expressão e de desenvolvimento da boa ou má literatura brasileira.
Gostaria ainda de dizer que num dos comentários ao seu texto, alguém referiu-se ao famoso poeta Tom Jobim, que foi e é uma das maiores personalidades e genialidades brasileiras à nível internacional.
Sucesso! Continuarei a lê-lo.
Normando
Não sou fã do texto do escritor Mário Prata. Mas sua crítica está muito contundente. Há quase algo de pessoal. Aliás achei uma crítica chata.Fui me irritando enquanto lia.Penso que o senhor fez um pequeno laboratório com seus leitores. A ferocidade foi proposital.Não por motivos mesquinhos.Mas para provocar.Teria outra explicação?