Mulher, negra e favelada
Conversando com meu irmão durante um filme, chegamos à uma conclusão interessante. Antigamente, sempre que havia um personagem negro em um filme qualquer, era o Sidney Poitier quem interpretava, qualquer que fosse o personagem. Hoje, há vários atores negros no cinema, atuando de acordo com o tipo de personagem que se procura. Por exemplo, se há um crioulo intelectual, quem vai interpretar é o Morgan Freeman. Se for crioulo galã, o papel é do Denzel Washington. Crioulo presepeiro é o Eddie Murphy, ou o Chris Tucker. Crioulo folgado: Cuba Gooding Jr. Crioulo ativista, Spike Lee. Crioulo macho-pra-caramba? Samuel L. Jackson. Arrumaram até um Shwarzenegger preto, o Wesley Snipes, crioulo só para filmes de pancadaria. Quer dizer, houve a seguinte evolução(?): antes, qualquer que fosse o personagem, ele seria interpretado pelo mesmo ator (uniformizando tudo pelo preconceito: não importa o que o crioulo era, importa que era crioulo); hoje, existem vários atores diferentes para cada papel, mas apesar das diferenças, a impressão que fica é a que estamos sempre vendo a mesma pessoa: um crioulo. Porque vai ser o crioulo folgado, o crioulo galã, o crioulo ativista, etc. Tá vendo, seu Luther King, para isso que o senhor morreu. Para que a tolerância se traduzisse em estereótipos mais maleáveis (stereos, do grego: sólido). Só isso.
Para quem não entendeu o título: as 3 palavras lá de cima foram extensamente utilizadas pela ex-senadora e atual vice-governadora Benedita da Silva como plataforma de governo e política eleitoral enquanto candidata no Rio de Janeiro. Assim como Hollywood, a Bené sabe muito bem como jogar com estereótipos.
Gays, Lésbicas e Similares Giles Lascar, proprietário da boate gay Le Boy em Copacabana, avisa que já, já, vai inaugurar outra casa nos moldes desta, exclusivamente lésbica, chamada La Girl. O comentário óbvio é um trocadilho idem: é de lascar. A Le Boy completou 9 anos de funcionamento em maio, com uma clientela fixa e fiel, além de alguns eventos ultrapassando o mero gueto gay, como o show da cantora Gloria Gaynor. De vez em quando também pinta por lá alguma Vera Fischer ou Ana Paula Arósio, o único local onde elas podem dançar sem um monte de homens dando em cima. Com isso, Giles reforça a idéia de que Copacabana, atualmente, é um dos quartéis-generais gay do Rio de Janeiro, o que - opinião de morador do bairro desde o nascimento - não sei se é bom. Explico: desde o início de seu crescimento, desde que a cidade começou a crescer paralela ao mar, inclusive por causa do imenso espaço disponível, Copacabana teve o caráter de agregar em seu interior uma rica fauna de seres urbanos coexistindo num intrincado ecossistema social ao longo das décadas. Encontraram-se por aqui, entre outros espécimes, a colônia de pescadores do Posto 6; os grã-finos e turistas ricaços, no Copacabana Palace; a turma dos cafajestes, na Adega Pérola; os ratos de praia, na Miguel Lemos; os músicos da bossa nova, na boate do Hotel Plaza; as prostitutas da La Cicciolina; as hordas de aposentados, nas praças e no Bairro Peixoto, compondo um complexo e diverso quadro que motivou o compositor Fausto Fawcet a dizer que se a Bahia tinha dado régua e compasso a Gilberto Gil, Copacabana havia lhe dado a papelaria inteira...
Quando o bairro assume a bandeira do movimento gay, abre mão de toda essa histórica e conhecida vocação inclusivista e integradora. Porque, pelo que a prática mostra, o mundo gay tem muito pouco de inclusivista. Giles Lascar avisa que na nova casa a entrada de homens será, simples e objetivamente, proibida. Na Le Boy mulheres só entram acompanhadas de homens e pagam mais. A Le Boy atualmente ocupa um lugar dois números ao lado de onde foi originalmente inaugurada, que está ocupada pela Bunker 94, exemplo daquilo que jornalistas culturais chamam de boate alternativa. Pois bem, aos domingos a Bunker promove uma noite especial para lésbicas em que homem só entra acompanhado e paga o triplo, batizada como o hilariante nome de "Disckotcheca", criando a curiosa situação de alinhar uma fila só de homens exatamente ao lado outra só de mulheres, na entrada das casas noturnas. Como, apesar de tudo, ainda estamos de Copacabana, a mesma quadra que abriga a Bunker e a Le Boy ainda encontra espaço para a Mariuzzin, outra boate, essa straight e decadente há anos, e um autêntico botequim da categoria dos pé-sujos, coladinhos, um no outro. Mas se depender da turma GLS, tenho minhas dúvidas que em breve essas duas casas serão arrendadas e o que era um caso de convivência pacífica (a menos dos ovos e sacos de xixi arremessados por alguns moradores) vai se transformar num gueto social. Falo isso por dois motivos: 1) o alto poder aquisitivo dos gays, cria uma demanda sempre crescente de lugares onde se sintam à vontade - e como se sabe, os empresários só sentem atração sexual pelo verde-dólar; e 2) a tomada de Constantinopla que os gays promoveram em outros lugares do Rio, virtualmente colocando para correr quem não é do time. Cito aqui dois exemplos: o conjunto de bares e pubs na esquina da Visconde Silva com Mena Barreto em Botafogo (o extinto "baixo gay" ), invadido na segunda metade da década de 90, dizem, por causa das inúmeras obras que rolavam na cidade, mudando completamente os ambientes, e o tradicional reduto boêmio de Ipanema, o bar Bofetada, onde um dia já se reuniram para criar a mitologia da cidade Sérgio Porto, Flávio Rangel e Ferdy Carneiro, e hoje nem o emérito bebedor Jaguar põe os pés lá no turno noturno sem ser catalogado pelo menos entre os S do GLS. Por isso tudo eu me pergunto: qual o real valor de mais uma casa strictly gay em meu bairro? Será que os gays conseguirão criar uma ambiente tão aberto e integrador quanto era o bairro que elegeram para seus embalos noturnos?
Síndrome de máquina remarcadora
Apesar de não ser muito dado a esse tipo de coisa, inventei um rótulo para definir um tipo de comportamento altamente questionável que cada vez mais se encontra por aí, principalmente entre jovens profissionais urbanos: "excesso de auto-indulgência pós-moderna" (foi entre aspas para angariar mais respeito). Você provavelmente já ouviu muita coisa assim...
1. Essa música é só para dançar
2. Eu só vou lá para ganhar o meu dinheiro
3. Ué, você não vê filme ruim de vez em quando?
4. Não é obrigado, mas é altamente recomendável
5. Nós temos que atender ao cliente
6. Acho que todos aqui tem o seu valor
7. Você tem que aprender a se auto-conhecer
8. É só para passar o fim-de-semana
9. Ah, é ruim, mas é divertido
10. Um pouquinho, pode tudo
Molambo power Guga é tri: viva "estopa", no topo do mundo! Acho que vou deixar o cabelo crescer que nem o dele. Se não posso ser campeão do mundo jogando tênis, ao menos acho consigo ficar com o cabelo daquele jeito... (nunca é demais lembrar que aquele espanhol estava de barba feita, cabelo cortado, e nem suava direito na testa).
Rafael, se você fica tão triste ao ver crioulos na tela, basta não assistir mais aos filmes americanos. Suponho que voce seja de esquerda, não? Então, veja apenas filmes nacionais... Eu, como sou crioulo, e de direita, adoro ver filmes americanos, e não perco um episódio de "Um Maluco no Pedaço", no SBT.
P.S. Vou votar no candidato do FHC, o Serra, por causa da lei de cotas (mas mudo o voto, se surgir um candidato crioulo, gay ou mulher)
Mauro, eu fico triste é de ver que os crioulos americanos, historicamente, tenham interpretado estereótipos na tela de cinema, quando poderiam aproveitar muito melhor seu talento. Para entender melhor ao que me refiro, assista ao filme Bamboozled (A hora do show), do Spike Lee.