"Soluções são eventos temporários, específicos de um contexto, desenvolvido através de relacionamentos de pessoas e circunstâncias." (M.J. Wheatley)
O e-mail virou lugar-comum. Ninguém mais se lembra de quando começou a usar o e-mail. E de como o e-mail mudou sua vida. Para melhor e para pior, não importa. O fato é que não se discute muito sobre o e-mail. A internet virou, mundialmente, a vergonha nacional. Boca pequena ao falar da internet. Da graaande ilusããão da internet. Às vezes, é como se tivesse morrido. Mas as pessoas continuam usando o e-mail. Ou talvez não seja nada disso. Dizem que quando uma tecnologia é definitivamente assimilada ninguém mais fala nela. Como o telefone, por exemplo. Alguém já parou para pensar nas maravilhas que o telefone proporciona? Não. Porque ele já se instalou. Já faz parte. O que é aquilo? Ah, aquilo é o telefone. Ora, não vai me dizer que você não conhece o telefone? Você não conhece o telefone??? Telefoniii! Ô, telefone!!! Vem cá, telefone! Vem cá que eu quero te apresentar a uma pessoa...
Bom, do e-mail para as comunidades virtuais é um passo. Todo mundo já participou de uma comunidade virtual, pelo menos uma vez na vida. E se apaixonou, e amou, e brigou, e se desiludiu, e se separou - e prometeu nunca mais participar de uma comunidade virtual (na vida). [Pra mim, chega.] Existem várias teorias sobre porque as comunidades virtuais não dão certo - ou porque dão certo apenas durante algum tempo. Uma delas se refere justamente ao e-mail. O e-mail é também uma arma. [Vocês sabiam? Sabiam, lógico que sabiam.] Uma forma de se ser sincero ao extremo. O grande absurdo da franqueza. No limite da ofensa e, muitas vezes, para além da ofensa, direta e aberta. Algumas vezes, nem se falando o que realmente se pensa, mas apenas querendo ofender, pura e simplesmente. E, se Eliot estava certo, o ser humano não consegue suportar, assim, tanta realidade. As verdades (ou inverdades) vão sendo cuspidas na cara do sujeito. Com uma coragem que o remetente (do e-mail) jamais demonstraria pessoalmente. Mesmo que depois se arrependa, o e-mail já foi, já chegou, já ofendeu, já arruinou a comunidade virtual para sempre.
Jayme Teixeira Filho escreveu um livro a respeito. Comunidades virtuais (2002, 184 págs.), pela editora Senac Rio. Embora seu foco seja mais o dos negócios (como as empresas ganham ou perdem com isso), há aspectos psicológicos envolvidos. Por exemplo: Jayme Teixeira Filho tem a sua própria teoria sobre o porquê do fim das comunidades virtuais. Na verdade, ele divide o processo todo em três etapas. Inicialmente, a da "apreciação", que se subdivide em: concepção/catalisação, conexão de pessoas e compartilhamento. Em seguida, a do "ponto crítico", onde ocorre o que chama de "construção da confiança". Por fim, a "co-criação", que resulta em: colaboração, "criação de conhecimento" e renovação/morte. Ou seja: independentemente das divergências internas, da personalidade de cada participante, ou até da troca de ofensas, uma comunidade virtual está fadada a morrer, assim que percorrer o ciclo completo. Exercício findo, alguns membros manifestam sua mudança de prioridade (que não inclui mais a comunidade virtual) e tendem a se desligar. A sobrevivência do grupo depende, então, da aquisição de novos membros ou da formação de novas comunidades virtuais.
Mas por que toda essa conversa sobre comunidades virtuais, de onde vêm essas coisas? Jayme Teixeira Filho tem outra teoria a respeito. Mais amplamente, sobre a internet. Acredita que essa tecnologia e esses mundos paralelos se desenvolveram graças ao "efeito cocoon". Cocoon que, em inglês, significa casulo, no fundo, remete àquele filme de 1985 - em que extraterrestres se energizavam em cápsulas, numa piscina, na Terra, enquanto eram descobertos por velhinhos aloprados. Não é preciso ser pesquisador do assunto para saber que, atualmente, as pessoas vêm se isolando cada vez mais em suas casas - consagrando-se à fatal combinação de pizza, controle remoto e sofá. As atividades outdoor vão sendo substituídas por facilidades indoor. Os centros urbanos são superpovoados; as vias, congestionadas; há filas, e irritação, em toda parte - é preciso substituir o contato direto pelo acesso remoto. Ninguém melhor que a internet para dar conta do recado: as compras do mês vão sendo feitas via site do supermercado; as contas de banco, pagas através do home banking ou do bankline; a paquera, que antes ocorria em bares, vivida em salas de bate-papo. Nesse movimento - de juntar os que estão longe e de separar os que estão perto - a internet foi promovendo também encontros entre aficionados. Aficionados de toda sorte. Aficionados que foram se descobrindo aqui e ali, ao redor, nos recantos mais insuspeitados, nos confins do mundo. Daí nasceram as comunidades virtuais. E foram dispensadas as obsoletas "reuniões presenciais".
[Se você se espantou com a expressão, prepare-se que vem mais.] As comunidades então se estruturaram com base na lista de e-mails dos participantes. Se alguém colecionava selos comemorativos da Bielo-Rússia, poderia se juntar virtualmente com outras pessoas que faziam o mesmo, em qualquer parte do globo. Da mesma forma, quem tinha se especializado no ronco do Homem de Neandertal. Ou então quem, como o Sócrates de Aristófanes, estudava o bater das asas da mosca. De repente, por mais esquisito e solitário que o sujeito fosse, ele estava salvo (!) - e o que era melhor: por outros sujeitos iguaizinhos a ele, separados apenas por uma dessas ninharias geográficas (milhares de quilômetros de distância). E aí, vamos formar uma comunidade virtual? Dos enxadristas de computador, das bordadeiras da mão canhota, dos confeiteiros de bolo de noiva? Definido o tema, bastava escolher uma entre as opções de hospedagem no Brasil ou no exterior e, voilà, estava estabelecida a troca de mensagens, opiniões, informações, elogios e... ofensas. Claro, a débâcle não é a regra numa comunidade virtual. Jayme Teixeira Filho, inclusive, propõe que se implantem regras de etiqueta (netiqueta). Igualmente, que se crie uma "memória eletrônica", uma "enciclopédia viva", uma seção de frequently asked questions (FAQs, com as perguntas e respostas mais comuns) - facilitando o entendimento. A partir disso, está formada a "base de conhecimentos" - e ninguém mais vai segurar essa comunidade virtual.
A culpa toda é de Pierre Lévy. O inventor dessa presepada intelectual no ciberespaço. Segundo o guru francês, o telefone (aquele) é a típica comunicação um-para-um. A televisão, um-para-muitos. E a internet, muitos-para-muitos. Está instalado o caos - em que todos falam e ninguém ouve, ameaçando seriamente a Grande Rede, e a convivência nas comunidades virtuais. Jayme Teixeira Filho evoca inconscientemente Dom Pedro I, a Constituição de 1824 (outorgada), e deposita todas as suas esperanças no Poder Moderador. É uma boa aposta. Compõe o seu elenco de fatores críticos (para o sucesso da empreitada): conteúdo, abrangência, participação, divulgação e mediação. Apesar das previsões apocalípticas, e das implacáveis conclusões, as comunidades virtuais seguem se multiplicando na WWW. Até a publicação do livro, eram mais de duzentas mil no mundo. E se o conceito for estendido para os participantes de um fórum eletrônico, para os leitores de uma publicação on-line, e até para as lamentáveis correntes (e piadinhas) por e-mail, ninguém mais escapa. Quem sabe a internet não seja uma grande comunidade virtual? (Se for, onde andará o bendito moderador?) E se for mesmo, que consiga então se renovar, antes de sucumbir à mesquinhez humana.
In memorian
Este texto é dedicado a Jayme Teixeira Filho, falecido em 2002.
eu mesma me apaixonei por um amor virtual fiquei dois anos sonhando recebendo e-mails lindos sentia que aquilo me fazia bem, pois estava amando a um homem que nunca vi, mesmo assim sonhava com ele como fosse um principe encatado vivia aflita para clicar aqui e sentir todas emoções das mqnsagens fiquei triste desiludida quando um dia tudo ficou mudo não chegaram mais e-mails e me senti infeliz era como ficasse sozinha com a minha paixão dolorida sem poder falar dela para ninguem afinal era uma paixão virtual
O desafio é organizar toda essa bagunça (excesso de informação) para que a internet continue sua revolução de aproximar, quase instantaneamente, pessoas com interesses comuns, não importa em que lugar do globo estejam. É o que tentam fazer as aplicações mais bem sucedidas da internet (ICQ, o finado Napster, o bem sucedido Kazaa, o Google, etc.).
amei ver a minha modesta narração ao lado do seu nome, me senti importante obrigada. ´precisamos mesmo de ter
uma coluna em um cantinho qualquer no seu jornal. afinal, somos seus leitores. assim sentimos que não estamos tão abandonadas. é muito bom saber que alguem nos ouve.... mais uma vez obrigada ja tenho você uma estima especial
lecy
A internet me escandaliza, me assusta, me diverte e me ajuda. É o lugar aonde consigo ser mais verdadeiro comigo mesmo. Sim, porque se quero mentir, tripudiar ou enganar alguém encontro ali um espaço sagrado aonde ninguém ousa pisar. A garantia? O anonimato [o doce e covarde]. [Mas aí eu não seria verdadeiro, dirão vocês.] Claro que serei verdadeiro, mas comigo mesmo. Meu "compromisso" é comigo somente. O outro, o do "lado de lá da linha", ele que se vire. Ah, que remorso me dá ... sinto que essa gaveta está mal fechada, atravessada. Mas daqui não saio. Quero ver a cor do bicho, olho no olho. Não vou correr, não [Como "ensinou" recentemente G. W. Bush]. Tenho esperança na internet. A lâmina que tira a vida não a pode salvar? A energia nuclear também não é dicotômica em suas finalidade? A internet vai ser sempre a internet. Aliás, ela só quer ser isso. Nós é que temos que ser maiores do que ela para vivermos sem medo da felicidade. Vindo para ficar, a internet é solução. Podemos aderir sem medo, ela só "mata" se puxarmos o gatilho [porque gatilho ela tem de sobra].