"Nas muitas viagens que fiz pelo Brasil em busca de material para meu livro História da Arte Brasileira, encontrei em Mariana, Minas Gerais, o artista plástico Elias Layon, de raro talento, que se dedica a pintar, impregnando de poesia e lirismo, o casario colonial da região envolto em brumas". (Pietro Maria Bardi)
Quem visita a histórica Mariana, em Minas Gerais, deveria, antes de percorrer a cidade, entrar no atelier do artista Elias Layon. De lá sairia com o olhar contaminado por uma imagem poética da cidade que a realidade está longe de proporcionar.
Mais importante do que os casarios coloniais, na pintura de Layon as brumas são seu fundamento constitutivo. No rigor de cada composição, a palpabilidade do mundo desaparece e o motivo das brumas se impõe preponderantemente - as brumas são o leitmotiv da sua arte, podemos dizer.
Para Layon, a paisagem é o lugar onde as brumas eclodem. Ele é o artista do transitório, da mobilidade efêmera das brumas. Nas suas telas vagos personagens, paisagens e motivos urbanos, mal distinguido pela vista, são obrigados a adaptar-se ao vago misterioso das penumbras e se acham mergulhados na suavidade uniforme e líquida das brumas. A bruma, tornada forma plástica, é poderosa e se impõe inabalavelmente. A paisagem transformada e transfigurada pela operação artística torna-se fonte de fascinação.
Ao falar do mistério da aparição das brumas na natureza, o que a arte de Layon quer é que o mundo das brumas seja restituído em sua plenitude. O artista soube deter o movimento das horas naquele instante luminoso em que as brumas dão a impressão mais fugidia, no momento em que iam se desfazer com o nascer do sol, como que dizendo que a vida passa e que os instantes mostrados por tantas luzes, não tornamos a reencontrá-los senão através da arte. À fidelidade fugidia das brumas, Layon responde com sua arte intantaneizando-as numa espécie de realidade vivida no pretérito perfeito.
Na sua obra a cor, as linhas e as massas pictóricas refletem a essência dessa toalha fina de neblina fresca, a bruma, em sua profundidade, no seu aveludado, na sua maciez - pode-se até dizer, no seu odor.
A cada nova tela do artista, o mundo se dissolve sobre os reflexos da bruma. A cidade, com seus monumentos altivos onde as brumas se agarram, parece transfigurada por uma atmosfera mágica. Layon não quer, portanto, revelar os mistérios da cidade, quer torná-la uma terra de mistérios.
Suas telas refletem cada pequeno espaço da cidade, de sua natureza, de suas luzes. Mas tornando magníficos todos estes espaços, porque revelando o que eles têm de mais íntimo e sublime.
Uma amanhecer suave, outonal, uma bruma invernal, os lampiões da noite, são detonadores que apenas esperam seus pincéis. Estas aparições são capturadas em um momento delicado de suas existências, no trágico momento de sua instabilidade, no perpétuo momento de sua aniquilação. Mas o artista, ao compor cada tela de forma fecunda, acaba eternizando o universo destas aparições, negando suas possíveis ameaças e vertigens.
A partir da obra de Layon, Mariana passa a possuir uma autoconsciência transcendente, pode-se dizer, sem sombra de dúvida, uma consciência metafísica. Como se cada tela fizesse ecoar a recordação de secretas harmonias, cujo gesto o pincel traduz como o movimento íntimo da beleza.
Ao mergulhar em cada tela do artista parece que provamos do hálito de eternidade que o movimento da arte nos traz, nos transportando para além dos limites toscos da aparência, ampliando nossas esferas de sensibilidade, levando-nos para além do tempo físico e nos mantendo suspensos numa atenção antemporal, diante de uma visão só possível de ser capturada pelos pincéis do artista.
Como dizia Marcel Proust, "um quadro é uma espécie de aparição de um recanto misterioso do mundo, do qual só podemos conhecer através das telas do artista". Layon comunga com essas palavras. Sua arte devolve à cidade de Mariana a sua condição perdida, condição poética que é redescoberta e iluminada pela arte, sabendo que é a obra de arte que a torna perene, indestrutível.
O artista realiza o milagre de tornar cada pequeno facho de luz, cada movimento da neblina, cada frescor matinal e folhas de árvores que dançam ao sabor do vento, num edifício imenso de força viva, que transpira uma permanência indefinida. Provamos de uma alegria, que à simples lembrança de suas telas, sempre retorna. Pois, como dizia o poeta Keats, "uma coisa bela é uma alegria para sempre".
Mas nosso artista não apenas é pintor. Como se dentro do pintor estivesse sendo cultivado um outro artista, guardado silenciosamente para esse momento vital da sabedoria, que é a idade adulta, Elias Layon descobriu, após uma vida dedicada à pintura, a expressão artística da escultura. E essa descoberta da escultura já surpreende em sua riqueza de expressão e qualidade técnica.
O sublime de sua arte se manifesta no talhe cuidadoso da madeira, na riqueza de gestos que suas figuras contêm, nas expressões dos traços dos rostos mergulhados em vibrações divinas, nas escolhas das cores que já trazem em si a sua própria expressão espiritual. A glorificação das figuras criadas se apresenta nos gestos das mãos, no movimento da cabeça, na qualidade nobre da indumentária. A serenidade das atitudes e a calma das expressões faciais mostram sua forma inspirada.
Para ele, é a figura humana que fornecerá à escultura o tipo ideal para sua busca do belo e do espiritual. Pois sabe que a escultura do humano, ordenada plasticamente pelo artista, é o veículo que se relaciona mais diretamente com a interioridade do espírito.
A espiritualização da matéria pela arte não é novidade para Layon, suas telas o comprovam. Seu diálogo com as formas invisíveis está presente em suas paisagens serenas, nas brumas etéreas, nos casarões que se impõem poderosos ao nosso olhar. Essa experiência o artista traz para sua nova forma de criar artisticamente: a escultura.
Agora ele talha a madeira, toca-a, tateia-a, acaricia-a, mede os espaços, modela a fluidez na prefiguração da forma. Como meios para traduzir a diversidade da plenitude da obra insere um tom quente aqui, outro frio ali, outro pesado acolá, uma linha dura ascende, outra flexível descende, movimentos que obedecem ao seu toque para compor a visão total da obra. A sensibilidade táctil não cria apenas o relevo e o volume, são forças musculares provindas de um movimento interior a partir do qual vemos emergir, de um simples tronco tosco de árvore que o artista despe de sua vestimenta rugosa, um universo de segredos e maravilhas.
O que se pode ver hoje pelo chão de seu atelier são sobras que estão por toda parte, como documento dessa luta contra a matéria bruta quando, então, através do engenho do artista, novos seres se erguem diante de nós.
A matéria de que se serve e sobre a qual pinta ricos tons, penetra nas sombras douradas do tempo que não morre. É então que se faz ouvir, com um encanto religioso em que se confundem sensualidade e espiritualidade, o cântico da arte.
Utilizamos para ilustrar nosso artigo três obras do artista, duas pinturas onde aparecem a Rua Direita e a Praça Gomes Freire e uma escultura policromada de Santa Rita de Cássia, além de uma foto do artista no seu atelier.
Gostei do texto e a forma como se abordaram "as brumas" como elemento temático e como "artifício". Para quem, estando muito perto e ao mesmo tempo distante, esse texto me fez reavaliar minha posição sobre Layon e sua arte, numa perspectiva de reabilitação. Quando via os quadros de Layon, por limitação talvez, só me lembrava de que são surpreendentemente técnicos, belos, bem pintados (um equívoco?). Quem sabe não é chegada a hora de me deter mais e esperar a emoção, ficar para sentir.Obrigado pelo texto. Abraços, Jardem Cavalcanti, abraços...