As grandes gravadoras
multinacionais estão aprendendo a duras penas que precisam cativar, e não
apenas cercear, o mercado da música
pirata online. No Brasil, ensaiam algumas iniciativas locais, todas
muito tímidas, como revela um rápido inventário.
Para começar, o maior
diretório brasileiro, o Yahoo, não lista
nenhum serviço de download operado por grande gravadora multinacional. E
não adianta buscar nos sites dessas empresas. Download por lá só
se for de wall papers, screen savers, fotos, e-cards, etc.
- memorabilia eletrônica... Sony e WEA vendem CDs, é bem verdade, mas apenas
aqueles que os consumidores encontram nas lojas físicas.
Estratégias mais agressivas
adotam algumas empresas nacionais. O Grupo Abril, que fracassou na sua incursão
no mercado fonográfico tradicional, controla o bem sucedido Usina do Som, um serviço de streaming.
Promovido como uma rádio web, o Usina do Som faz também comércio
eletrônico. Em seu site, além de ouvir música de graça, a audiência pode
comprar CDs dos catálogos das principais gravadoras. Mais ousada ainda é a
aposta da Som Livre e da Trama: oferecem CDs
personalizados, on demand, e download (pago) de músicas. Em ambos
os casos, a tecnologia é do iMúsica, o
maior empreendimento de distribuição de música digital brasileiro.
Graças a uma ampla rede de
parceiros comerciais, entre eles, MSN, Americanas.com, a Saraiva.com e o Usina
do Som, o iMúsica contabiliza até 500 mil usuários únicos por mês. Seu acervo é
amplo, e inclui também gravações da BMG, EMI, Sony, da finada Abril Music, e
mais uma porção de pequenas gravadoras brasileiras. As faixas para download
são oferecidas no formato WMA (Windows Media Audio), uma tecnologia de
compressão de áudio concorrente do MP3, que, ao contrário desta, permite o
controle da cópia. Combinando-o com o sistema DRM (Digital Rights Management)
da Microsoft e alguns softwares próprios, o iMúsica pode então exigir que o
usuário licencie (leia-se: pague) a faixa baixada antes de executá-la. "Na
hora que o usuário comprar a música, o nosso sistema puxa informações da sua
máquina, e cria uma espécie de chave digital que só abrirá no computador do
usuário. Não tem como outra pessoa pegar a mesma música", garante Cláudio Campos,
vice-presidente da empresa.
Um balanço negativo
E quanto rende operação tão bem bolada? Bem, em 2003 o iMúsica
planeja faturar cerca de R$ 3 milhões. Este valor, uma ninharia se comparado ao
faturamento da indústria fonográfica no Brasil (R$ 1 bilhão em 2001), reflete
bem a dimensão da internet como canal de distribuição de música no país: 2% das
vendas totais do setor. Os números de 2002, quando fechados, não deverão ser
muito diferentes. Caso as vendas pela internet mantenham-se no mesmo patamar de
2001, as gravadoras daqui podem se dar por satisfeitas. Nos EUA , as vendas de
música online estão em queda acentuada e contínua. Mais precisamente: o
faturamento caiu, respectivamente, 12%, 28% e 39% nos três primeiros
quadrimestres de 2002 - o cálculo é sobre os montantes de 2001. Os dados são do
instituto de pesquisas norte-americano ComScore
Networks, que relaciona o fato ao crescimento acentuado dos serviços P2P
durante o ano passado.
Reinventado o download pago
Esse fenômeno está levando
alguns analistas a definir 2002 como o ano em que a
música morreu. Descontando-se o exagero das manchetes, o mínimo que se pode
dizer é que os serviços de download pago terão de se reinventar. Em
meados do ano passado, Allan McGlade, presidente do MusicNet, joint venture dos
poderosos AOL Time Warner, Betterlsmann AG (controlador da BMG) e EMI, declarou que o desafio
seria oferecer um catálogo tão amplo quanto o das redes P2P e criar um serviço
de maior qualidade, isto é, sem arquivos mal identificados, sem vírus e download
otimizado. A receita de McGlade incluía ainda o serviço de gravação (ou
'queima') de CDs, algo que as gravadoras relutavam permitir até pouco tempo
atrás, além de vários pacotes de preços - assinatura, taxa adicional para uso
permanente da música, e pagamento por faixa para não assinantes.
Ao final do ano de 2002, o
problema de acervo parecia resolvido. As cinco grandes gravadoras do mundo (as
chamadas majors) entraram em acordo e passaram a oferecer o seu catálogo
tanto no MusicNet quanto no Pressplay,
serviço controlado pela Sony e pela Universal.
Soluções deste tipo seguem o
grande princípio do marketing orientado ao homo economicus: aumentar o
valor utilitário do produto, oferecer mais funcionalidade por um custo igual ou
inferior. Mas será que a concorrência das ameaçadoras redes P2P se baseia
apenas em valor econômico? Os fãs de MP3 trocam esses arquivos apenas porque é
um negócio vantajosa não pagar por música? Sua motivação aqui é essencialmente
poupar uns trocados?
Achados perturbadores
Se os internautas podem
obter música de graça na internet, por que iriam continuar pagando por ela?
Inicialmente essa pergunta não era levada muito a sério. A indústria nem sequer
a considerava. Para as majors o download grátis de MP3 era o
maior culpado pela queda nas vendas de CDs, e ponto.
Um estudo
conduzido pelo Jupiter Media Matrix, porém, perturbou tal certeza ao indicar
que usuários de programas P2P estariam comprando mais música do que a média dos
fãs de música com acesso à internet. Segundo essa pesquisa, realizada em junho
de 2001, 29% dos fãs de música online declararam ter mudado seus hábitos
de consumo de música em função da internet. Desse universo, 19% reportaram
aumentos nos gastos e 10%, redução. Surpreendentemente, era 41% mais provável
que os usuários de P2P fossem contados no grupou que relatou aumento de gastos
do que naquele que informou ter diminuído seus gastos. Foi revelado
ainda que 34% dos usuários de P2P declararam que passaram a gastar mais com
música depois que começaram a usar a internet para trocar arquivos de áudio,
enquanto apenas 15% disseram estar gastando menos.
Motivações nada utilitárias
Tais achados sugerem que a
música digital não seria um substituto perfeito das formas tradicionais. Para
alguns, o caráter fetichista do original continuaria a existir para muitos
consumidores, e as trocas de MP3 seriam apenas uma oportunidade para alguns
deles reafirmarem sua identidade num espaço com regras diferentes daquelas do
mundo real [1].
Neste sentido deve-se lembrar
que ao ouvirem determinados tipos de música as pessoas indicam pertencer a
certos grupos sociais, subculturas ou "tribos", o que lhes permite afirmar sua
particular identidade [2].
O exercício é muito comum nos canais de bate papo do IRC. Basta que se junte a
um canal abrangente como o #salvador (rede Brasnet) para observar tal fenômeno.
Uma das mensagens mais comuns nesse tipo de canal é a que informa aos colegas
que arquivo MP3 o indivíduo está escutando enquanto participa do bate papo.
Essa informação é postada automaticamente através de um comando específico dos scripts
para IRC, e não é interpretada como uma 'fala'. Para os membros do canal é como
se eles estivessem 'escutando' o que o colega está ouvindo. Como na vida real,
essa revelação é mote para uma série de interações interpessoais. O indivíduo
tanto pode ser saudado por pares com gostos afins, como pode ser
ridicularizado, ou até ofendido, por outras pessoas com preferências
opostas.
É porém nos canais IRC
especializados em MP3 que o fenômeno torna-se mais patente. Os indivíduos que
lá atuam usam várias ferramentas ao mesmo tempo, e, por meio delas, movem
arquivos de um canto para outro no ciberespaço enquanto conversam (chat)
com seus pares. A atividade deles é bem ordenada socialmente, com papéis,
privilégios e obrigações claramente definidos, e, quando observada à luz do
conhecimento corrente sobre ação social, ela revela pessoas construindo status
num sistema social que lhes parece "como qualquer outra rede em que
participam". A questão do direito autoral parece ser secundária para tais
consumidores. "Eu compro CDs que eu quero escutar, mas baixo arquivos MP3 de
músicas que eu penso não valer a pena comprar, ou que eu não consigo encontrar
por um preço razoável" [3].
O que pensar disso?!
Que talvez esses indivíduos
não estejam engajados na troca de música SÓ por uma razão utilitária; que
comprar ou não um CD talvez seja para eles um problema de outra natureza, de
uma outra dimensão, resolvido apenas parcialmente por meio de sua atuação como
piratas de áudio.
[3] COOPER, Jon; HARRISON, Daniel M. The social organization of audio piracy on the internet. Media, Culture & Society, London, volume 23, p. 71-89, 2001.
Eu sou prova do que a troca de músicas na internet provoca. Antes de começar a trocar músicas pela internet, eu tinha uns 20 cds, depois que eu tive a oportunidade de conhecer outras coisas através da internet minha coleção de cds teve um crescimento enorme, hoje, um ano depois, tenho mais de 100 cds...