"....Supondo o espírito humano uma vasta concha, o meu fim é ver se posso extrair a pérola, que é a razão; por outros termos, demarquemos definitivamente os limites da razão e da loucura. A razão é o perfeito equilíbrio de todas as faculdades; fora daí insânia, insânia e só insânia."
Esta citação é do Dr. Simão Bacamarte, o maior dos médicos do Brasil, de Portugal e das Espanhas, do conto O Alienista, de Machado de Assis. Ela nos vem à lembrança quando lemos nos jornais as declarações de outro famoso cientista, o Dr. James Watson, que nos acordou para uma possível criação de homens sem burrice. São de James, um ilustre geneticista que há 50 anos descobriu a estrutura do DNA, as palavras:
"Se alguém é realmente burro, eu chamaria a isso de doença. Os 10% inferiores que realmente têm uma dificuldade, mesmo na escola elementar ... - qual é a causa disso? Muitas pessoas gostariam de dizer: 'é a pobreza', coisas assim. Provavelmente não é assim. Eu gostaria então de me livrar disso, para ajudar os 10% inferiores."
Em primeiro lugar, a lembrança do Dr. Simão Bacamarte nos vem porque o Dr. James Watson, com essa pérola de pensamento, também gostaria de extrair da concha humana uma outra pérola, a da burrice. Vejamos se o compreendemos: onde o Dr. Simão Bacamarte vê o espírito humano como uma vasta concha, o Dr. James Watson vê um complexo de genes. Onde o Dr. Bacamarte vê uma pérola na razão, no equilíbrio mental, o Dr. James vê somente genes de burro, na estupidez mental. Mas com finalidades diversas. Enquanto o Dr. Bacamarte gostaria de isolar a razão, para melhor defendê-la e guardá-la, o Dr. James gostaria de isolar a burrice para fazê-la correr da espécie humana. Se nos permitem uma burra metáfora, o Dr. James Watson gostaria de produzir um ser humano melhorado como alguém produziria um boi só filé.
Em segundo lugar, a lembrança nos vem porque o Dr. Simão Bacamarte, bem ou mal, melhor dizendo, mal, define o que deseja separar. Já o Dr. James Watson, não. Tentemos então melhor compreendê-lo, quem sabe, não fôssemos tão burros, ajudá-lo na sua nobre ciência. Tentemos.
Os genes da burrice, evidentemente, pois assim nos autoriza imaginar o nosso mínimo de inteligência, os genes da burrice não se anunciam em faixas, "somos nós os burros". Não, que são burros mas não se denunciam. Então, como obtê-los? Ora, evidentemente nos indivíduos burros, naqueles 10% de inferiores que vão mal até na escola elementar. Evidentemente? Os que se saem bem na escola, na universidade, na vida acadêmica, pertenceriam pois aos homens de nível de inteligência médio ou superior? Seria mesmo assim? Ponderemos. Por um lado, nunca é demais lembrar a observação de Shaw, a de que um estudante no século XV não poderia escrever numa prova as informações de Copérnico, ainda que as conhecesse, porque em vez de passar em primeiro lugar seria queimado na fogueira como herege. Ou a de que se um aluno possui idéias originais, deve escondê-las, principalmente do seu professor. Vale dizer: num sistema que premia a reprodução, ou para usar um jargão mais próprio, que premia a clonagem de conhecimento, é discutível achar que há necessariamente inteligência entre os primeiríssimos graduados.
Por outro lado, cairíamos em grande risco se escolhêssemos os 10% de inferiores, a partir da denúncia do seu rendimento na escola. Poderíamos estar excluindo da humanidade o compositor Cartola, o senhor Charles Chaplin, numa palavra, poderíamos excluir todos aqueles homens necessários que são e foram filhos de pais analfabetos, de mães loucas, de pais rufiões e senhoras prostitutas, em suma, todo filho de trabalhador braçal. Como, assim, excluí-los? Alguém precisaria lembrar ao Dr. James que um homem é filho da parte "boa" (os genes "inteligentes") e da parte "podre" dos que o antecedem, sem discriminação e sem escolha? Que um sêmen de um gênio em nada difere do sêmen de um idiota? Quem sabe, se diferença há, poderá ser para melhor no sêmen de um idiota?
Melhor encerrar o artigo a esta altura, até para não abusar da inteligência de quem nos acompanhou nestes parágrafos de genes descartáveis. Lembremos só que o The Times, onde primeiro saiu a notícia dessa pérola do geneticista, informou à parte, como num comentário de teatro, que o Dr. James Watson tem um filho que sofre de uma deficiência cognitiva, similar (negrito nosso) à doença do autismo. E que esse fato o Dr. James não costuma abordar em público. Well, se bem compreendemos, um ser idiota é semelhante a um autista, pois não? Pois sim. Por que, como, terá sido mesmo que um Nobel de ciência gerou um rapazinho de mal parecido ao de um autista? Well, se ainda assim o Dr. James sustenta a opinião de que genes burros existem, e se transmitem, somente é possível mesmo uma conclusão: do tipo que se anuncia e se denuncia, o ilustre Dr. James Watson é um idiota.
Caro Urariano. Concordo com você que a segregação dos 10% ditos inferiores é uma árdua e perigosa tarefa, dado o risco de injustiças que você bem lembrou. Além disso, será que nós, usualmemte, não confundimos falta de cultura com burrice? Você nunca conheceu alguém rotulado de burra, mas olhando cuidado observou que na realidade ele apenas não quis aprender o que queriam que ele aprendesse? Será que pessoas que contam apenas com um acentuado instinto de sobrevivência não seriam também inteligentes? Será que nós não veremos, no futuro, descobrirem que há vários tipos de burrice, à semelhança da descoberta de vários tipos de inteligência? Abraços. Bernardo Carvalho - Goiânia/GO - [email protected]
Olá,Urariano
Muito bom saber que temos mais um espaço para ler seus sentimentos.
O exemplo de Bacamarte "mesmo na escola elementar...'" é muito infeliz, uma vez que a escola do jeito como ela se coloca ainda hoje (talvez com raríssimas exceções, tão raras que não conheço nenhuma)não dá nenhum parâmetro ou critérios válidos que dê alguma possibilidade de julgarmos um ser humano (em toda a sua complexidade) inteligente ou não.
Neste âmbito, louvemos Gardner e sua teoria das múltiplas inteligências, téorico, talvez mais sano ou menos "insano". Pena Forte ao analisar esta teoria dá vários exemplos de pessoas que se destacaram na vida, nas mais diversas áres do conhecimento e que foram muito mal na vida escola. Acho que agora cabe a frase mais chavão: "O que seria de Pelé se não existisse o futebol? Quantos Pelés teremos em busca "daquilo" em que possam realmente manisfestar suas habilidades.
Teorizei demais?
Desculpe...
Não sou poeta.
Abraços.
Rosana