COLUNAS
Quinta-feira,
20/3/2003
Mais um coice na nossa cultura
Adriana Baggio
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A cultura fenece na mão dos governantes. Na direção contrária do bom senso e de toda a movimentação da sociedade por um produto cultural de melhor qualidade, o governo da Paraíba resolve mudar a programação da emissora estatal Rádio Tabajara FM, uma ilha de música de boa qualidade em meio ao esgoto cultural que corre pelos meios de comunicação em geral.
A Rádio Tabajara é hoje, ou pelo menos era até o último dia 16, uma exceção na programação de rádio de João Pessoa. A exemplo de outras emissoras estatais, como a Rádio Educativa, de Curitiba, a Tabajara privilegiava a música popular brasileira, do rock ao samba autêntico, e o que é melhor, dava espaço à produção musical local. Tudo bem que, no meio da programação, fôssemos obrigados a ouvir coisas como "a palavra do governador". Era um preço baixo a se pagar por um produto de qualidade muito superior ao oferecido no mercado.
Não é a primeira vez que a Rádio Tabajara sofre sob o peso da mão do governo. Em 1937, quando ainda funcionava no sistema de "rádio clube", a Tabajara foi doada ao patrimônio da União, e passou a funcionar como veículo de propaganda do governo de Getúlio Vargas. Esse tipo de procedimento não é exclusividade da Paraíba. Acontece com as rádios e com os meios de comunicação de todo país. O mérito da Tabajara era, mesmo estando ideologicamente a serviço do governo, ser um canal para a divulgação da boa música.
A Paraíba é um lugar onde as pessoas valorizam seus talentos locais. Os artistas, dos mais populares aos mais elitizados, têm seu público fiel; o curso de Música da UFPB é um dos melhores do país, e de lá saem nomes como Radegundes Feitosa, considerado um dos melhores trombonistas do mundo. Dos ritmos tradicionais, como forró e jazz, às experiências misturando blues, rock e elementos regionais, muito do que é feito aqui tem aprovação de quem realmente entende do assunto.
Esse é o cenário que até o último final de semana preservava uma rádio com programação de qualidade, que valorizava a boa música, os talentos locais e não se deixava levar pela mercantilização da cultura promovida pelas outras rádios. Aliás, essas outras rádios, por mais lixo que toquem, estão no seu direito, e talvez até no seu dever. Como empresas particulares, têm por objetivo o lucro, e se o povo gosta de lixo, que o lixo seja veiculado.
Considerada elitista, já que o Cavalo de Pau do Alceu Valença dá muito menos audiência do que a Egüinha Pocotó do MC Serginho, a Tabajara atraía um tipo de público que os publicitários chamam de "selecionado". São pessoas que têm um alto poder aquisitivo ou, no mínimo, um alto poder opinativo, o que interessa muito aos anunciantes. Mesmo não sendo esse o seu objetivo principal - vender publicidade -, já que é uma rádio estatal, a Tabajara começava a ter uma participação importante neste mercado.
Foi com desculpa de que a Tabajara deve ser uma rádio para todos os gostos - papel que já é cumprido de forma exagerada pelas outras rádios do estado, inclusive pela versão AM da estatal - que o governador Cássio Cunha Lima promoveu a alteração na programação da emissora, fazendo da Tabajara mais uma alternativa para quem aprecia o refugo da indústria cultural.
A verdade, comenta o pessoal que circula pelo meio político, é que a mudança na programação da Rádio Tabajara faz parte de um projeto do atual governador para derrubar o poder de fogo de um dos maiores grupos de comunicação do estado, o Sistema Correio, que esteve a favor da candidatura rival nas últimas eleições. Uma programação mais "popular" tende a gerar uma concorrência entre a nova Tabajara e outras rádios da mesma linha, inclusive as que fazem parte do dito sistema. Outras táticas da mesma estratégia referem-se à veiculação da propaganda do governo, que passaria a privilegiar o grupo que controla, entre outros veículos, a afiliada local da Rede Globo (e cujo jornal impresso tem mais força no curral eleitoral que projetou o governador, a cidade de Campina Grande), em detrimento dos veículos do Sistema Correio, que possui o jornal de maior circulação no estado.
Esse é o panorama no qual a Rádio Tabajara, de onde saiu uma das melhores orquestras do país, homônima da emissora, tem sua participação distorcida. A Tabajara deixa de ser provedora de boa música, incentivadora de talentos locais, solitária opção de qualidade entre o detrito cultural veiculado por outras rádios, e torna-se mais um exemplo de utilização do bem público para servir aos interesses mesquinhos de quem está no governo.
Algumas pessoas protestaram, tem um e-mail de repúdio correndo por aí, mas o barulho é quase nada. O mais triste é que, em um país onde o artista não consegue viver da própria arte e precisa de um emprego que garanta o leite das crianças, e num estado onde a maior parte destes empregos é o de funcionário público, fica difícil protestar com tanta veemência. Afinal, o que vale mais: ter a música tocada na Rádio Tabajara ou calar a boca e garantir o emprego proporcionado pelo governador?
Se você percebeu que tem algo ver com essa história, mesmo estando a milhares de quilômetros da Paraíba, mesmo achando que aqui só se anda de jegue; se você percebeu que isso acontece aqui, mas acontece também na sua cidade, no seu estado e no seu país; se você estiver com vontade de mostrar sua indignação, lá vai: Rádio Tabajara FM 105,5, João Pessoa-PB. E-mail: [email protected]. Fone: (83) 218-7920 ou 218-7922.
Adriana Baggio
Curitiba,
20/3/2003
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