COLUNAS
Quinta-feira,
27/3/2003
Stela Adler Sobre Ibsen, Strindberg e Chekhov
Ricardo de Mattos
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Stella Adler Sobre Ibsen, Strindberg e Chekhov é mais um daqueles livros a estimular leituras e novas leituras. Sendo aulas de teatro, as lições da autora devem ser direccionadas às peças comentadas. Contudo suas considerações gerais, no caso de Chekhov, instigam a ler ou reler seus contos - momento propício com o lançamento de O Assassinato e Outras Histórias.
Filha de Jacob e Sara Adler, nasceu no ano de 1.901 na cidade de New York. Não só seu pai é o grande nome do teatro iídiche - aquele de origem judaico-polonesa - como sua família estava de tal forma envolvida com o teatro a ponto de se dizer: "Nenhuma cortina se levanta em New York sem que um Adler esteja atrás dela". Ela mesma estreou quando mal sabia falar, aos quatro ou cinco anos. Este meio garantiu-lhe vivência, entrosamento, familiaridade, características estas apreciáveis à larga em todo o texto. Todo o explicado por ela sobre estes homens é baseado em seu conhecimento pessoal, adquirido e aprofundado pelos anos. Foi uma das fundadoras do Group Theater e as aulas ministradas para seus membros, bem como na Dramatic Workshop da New York School for Social Research e no próprio Stella Adler Conservatory of Acting, foram seleccionadas e organizadas por Barry Paris - escritor e tradutor norte-americano - para o presente volume. O projecto original previa um segundo, com três autores norte-americanos, porém foi interrompido pela morte da actriz em 1.992, contando 91 anos.
Stella Adler foi actriz teatral. Via no cinema o predomínio do apelo comercial e distinguia sinceramente o "astro" do "grande actor". Actuou apenas em três filmes: Love on Toast (1.937), Shadow of the Thin Man (1.941) e My Girl Tisa (1.948). A carreira de professora teve para ela a mesma importância, algo imediatamente perceptível tanto no folhear aleatório quanto na leitura definitiva do livro, não só pela linguagem como também pelo modo dela dirigir-se a alguém. Há certas "chamadas" que não são do escritor pedindo a atenção do leitor, mas da professora ressaltando algo aos alunos. O endereçamento desta selecção, segundo ela mesma, "É para atores. É para diretores. É para outras pessoas. É para leitores. Um número impressionante de gente de teatro quer conhecer e entender, você não acha?".
Em 1.925, ela encontra pela primeira vez Konstantin Stanislavski, com quem trabalharia muito em 1.934. Nascido Konstantin Sergeyevich Alekseyev, Stanislavsky foi actor, director e autor de A Construção do Actor (1.926) e Formando um Carácter (1.948). Foi co-fundador do Teatro das Artes de Moscou, sendo ao lado de Bretch um dos maiores nomes da dramaturgia do século XX. Tão grande o entusiasmo de Adler em relação a Stanislavsky a ponto de, na minha óptica de leigo em teatro, questionar se seu apreço final era mesmo pelas peças de Chekhov ou pelo tratamento dado a elas por aquele. Falo isso pensando até em música: gostamos de uma peça, mas inclinamo-nos sempre por uma interpretação específica.
Como dito, foram reunidas as aulas relacionadas a três autores: Johan Henrik Ibsen, Johan August Strindberg e Anton Pavlovich Chekhov. Todos ainda vivos quando ela nasceu.
Johan Henrik Ibsen nasceu em 1.828 na cidade de Skien, Noruega. Chegou a trabalhar como aprendiz de farmacêutico antes de envolver-se com o teatro. Seu debut deu-se em 1.850, aos 22 anos - quem faz isso hoje? - com a apresentação de sua peça Catilina. Foi director das principais casas teatrais norueguesas: a de Bergen e o Teatro Norueguês de Kristiania (antigo nome da capital Oslo). Viaja pela Europa, seu trabalho tem péssima recepção na Inglaterra, estreia peças na Itália. Veio a falecer em 1.906.
São de sua autoria: Peer Gynt, O Pato Selvagem, Hedda Gabler, A Dama do Mar, Casa de Bonecas, O Mestre de Obras - esta conheci como Solness, o Construtor -, entre outras, ultrapassando o número de vinte. O primeiro dos nomes citados talvez seja mais lembrado pelas suítes compostas entre 1.874-6 pelo compositor norueguês Edvard Grieg, a pedido do próprio dramaturgo, que as usaria como música incidental.
Ibsen é apresentado sempre como precursor do Realismo no teatro, mas este dado simples não revela sua importância. Ocorre que suas peças são produzidas para a principal plateia novecentista: a classe média. Portanto, como crítico social, era-lhe mais importante apresentar questões retiradas do seio desta classe. Primeira alteração: embora tenha escrito várias peças em verso, acaba utilizando a prosa. Comparação sofrível, mas vamos a ela: ligando a televisão e vendo os actores de uma novela representando em verso, declamando, o espectador fará alguma ligação daquilo com a sua vida? Não, e esta a alteração formal, por assim dizer, de Ibsen.
Ainda o espectador em frente à televisão, assistindo uma novela. Na sua vida comum, padronizada, terá ele algum interesse em ver um homem acorrentado a uma rocha no Cáucaso, tendo o fígado devorado por uma águia, fígado este que renasce e é novamente devorado no dia seguinte? Não. E as comparações param necessariamente por aqui.
Desta forma, saem os heróis, príncipes, reis e deuses e entram as pessoas com as quais cruzamos diariamente nas ruas. A intenção era fazer quem assistia reconhecer a si ou algum próximo naquele representado no palco pelo actor. Além disso, uma função didáctica: o ideal era que o público fosse embora sabendo algo mais sobre si e sobre o mundo. Cem anos passados impedem a exacta compreensão da tempestade causada por Ibsen. Em Casa de Bonecas, a personagem Nora sai de casa n'uma época de fobia ao desmanchamento do lar. Outra revolução incutida neste mesmo proceder: ela não é nem uma heroína, nem uma vilã a ser castigada ao final. Ibsen toma dada proposição abençoada pela unanimidade e seus personagens são encarregados de apresentar razões favoráveis e contrárias. Talvez até se diga melhor que cada personagem mostra a sua razão para determinada solução. Ou seja, não há o certo ou o errado e nem uma Verdade; há o verdadeiro para uma circunstância delineada. Dois conflitos são apresentados paralelamente: o referente a uma nota promissória falsificada por Nora, e o referente ao próprio casamento, cujo ápice é provocado por aquele. Resolvida a questão da nota, imagina-se a resolução do outro, e aqui Ibsen deve ter causado surpresa ao desvincular as soluções. Quando tudo aparentava estar resolvido, Nora pede o divórcio.
Também por isso, Adler insista, exija, a representação de um personagem com pleno conhecimento, pelo actor, da mentalidade e história da época. O vinculo ao tempo é uma constante em seu ministério. "Então Ibsen não era realista, pois o divórcio, por sua raridade, não era facto apreciável na observação da sociedade estudada por ele", pode-se pensar. Não. A partir de uma situação extrema, ele revolve todo o escondido sob a instituição do casamento. Para Nora decidir-se pela renúncia ao lar, ela sofre todos os conflitos inerentes ao casamento burguês e de fachada. Qualquer instituição organizada pela classe média era alvo da crítica de Ibsen, pois poderia ser a organização e disfarce de todos os vícios encontrados por ele em seu tempo. As peças "sociais" deste autor são um exemplo de obra de arte a ser analisada em conformidade com determinado contexto. Arquive-se.
Considero relevante lembrar os três grupos em que Ibsen dividiu as pessoas. O Idealista representa o grupo predominante, composto pelos iludidos, os demasiadamente fracos para procurar as verdades da Vida. Um grupo intermediário é formado pela reunião dos Conciliadores, pessoas lúcidas o suficiente para perceber os enganos, porém indispostas a reformar algo, acomodam-se. O menor grupo é o do Realista, o conhecedor da verdade a actuar por seu predomínio, mas sempre mal visto por afrontar directamente a sociedade, por questionar e mesmo atacar seus valores.
Johan August Strindberg nasceu no ano de 1.949 em Estocolmo, na Suécia. Originário de uma classe pobre, foi autor de teatro e romancista, envolvendo-se em carácter secundário com a pintura e com a fotografia. Teve a vida mais turbulenta do trio. Moralista, mas ateu; neurótico, teve colapsos nervosos causadores de internações; casou-se três vezes apesar de misógino. Suas peças são apontadas como autobiográficas e caracterizadas justamente por essas contradições todas - "dualismo dramático". Foi vitimado pelo câncer, morrendo em 1.912. Pelo visto, elaborou a versão teatral da filosofia de Schopenhauer. Srta. Júlia, e O Pai são as peças analisadas. Infelizmente é um autor com o qual ainda não tive contacto.
Já Anton Pavlovich Chekhov (1.860/1.904) é um velho amigo que conheço pelos seus contos. Um observador exímio da alma humana, daqueles a conhecer melhor o indivíduo melhor que este por si mesmo. Algo ressaltado por Adler mas já de alguma forma sabido pelo leitor são os antecedentes do personagem. Ela reforça este ponto para o actor aprimorar sua técnica, porém "já que ela falou" notamos ser assim mesmo. Um tipo nos chega já com um histórico. Algo aconteceu antes da cena apresentada, um conflito já ocorreu ou está em curso. No caso de As Três Irmãs, percebemos primeiro a nostalgia, depois os fundamentos. Um personagem é apresentado e só então entendemos a angústia de outro, como na mesma peça, Masha e seu marido. Chekhov destaca a classe social em declínio: a aristocracia russa. São pessoas que praticamente desaprenderam a viver e precisam adaptar-se às mudanças em curso. Todo tipo de radicalismo político está em andamento e a antiga casta vê-se insegura, perdida, tacteando. Apesar disso, é o público principal de Chekhov, ainda sabe apreciar o que assiste, ainda tem discernimento. Não são apresentadas soluções. Há aquela indisposição para a luta, a pré-ciência da inutilidade da batalha. Qual o motivo do esforço se o resultado já é sabido de antemão? A única coisa a fazer é tentar. Ao menos tentar, nunca desistir. Isso é realismo, não pessimismo.
Para ir além
Ricardo de Mattos
Taubaté,
27/3/2003
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