Você é jovem, estuda no sistema escolar brasileiro, mas, por algum mistério que nem a religião explica, gosta de ler alguma coisa, sem ter tido o necessário incentivo para isso. Se sente perdido, sem orientação, e, ao se deparar com a antiquada biblioteca do colégio, não sabe por onde começar. Meu editor me pergunta: que dez livros eu recomendaria?
Eu sou um leitor médio ― que adora ler e o faz com muita assiduidade ― que começou a ler por mero hobby, sem compromisso estético, crítico ou com a tal da alta cultura. Tive muita sorte de ter tido uma boa orientação. Infelizmente, não foi através do meu colégio, que me indicou grandes pérolas como Diário de um Grande Sertão: Veredas, da Bruna Lombardi (8ª série), Amar, verbo intransitivo (7ª série) e Vidas Secas (1º ano do 2º grau). Naquele cenário de terror literário, me lembro que O alquimista, do Paulo Coelho, parecia uma ótima leitura, porque tinha uma história que eu conseguia entender aos 14 anos.
Pois bem. Como disse antes, tive pessoas na minha vida que foram muito bacanas comigo. Me recomendaram livros que me fizeram continuar a gostar de ler. Porque, na verdade, quando somos bem novos gostamos de ler. Temos toda a coleção de livros da série Para Gostar de Ler, temos os quadrinhos, temos um monte de outros livros que nos levam a conciliar o prazer de brincar, de andar de bicicleta e subir na mangueira com o prazer de brincar de ler, de fantasiar histórias. O problema, mesmo, começa quando você cresce. Por algum motivo, os professores e adultos, em geral, no Brasil, parecem acreditar que, para você ler, tem que ler coisas que eles acham chatas! Até hoje não compro a idéia de que alguma pessoa sã possa recomendar Diário de um Grande Sertão... Se bem que já ouvi de uma professora de literatura do 2º ano pensar em recomendar Joyce para os prisoneiros do seu gulag escolar. Será que um jovem médio, que não teve a sorte e iniciativa que eu tive, continuaria a ler? Passar o fim de semana jogando Pogo me parece muito mais divertido. Comer jiló com fígado parece mais apetitoso.
Por que os adultos imaginam que o mundo adolescente tem que ser atacado por intelectualismo sofisticado? Porque para eles a percepção do livro como diversão parece estar em segundo plano. Educar se tornou clonar. Vamos clonar o que é sofisticado, porque o jovem assim criado será sofisticado. Educar deveria ser prover as ferramentas para as pessoas serem mais criativas, independentes e felizes. Educação tem que ser minimamente divertida. O jovem não é um robô, nem um ser primitivo que está pedindo catequese. Pelo contrário, são pessoas com gostos próprios, e com vários interesses competindo pela sua atenção. São livres, curiosos e felizes. Aquilo que lhes interessa talvez seja muito mais importante do que aquilo que achamos que eles deveriam se interessar por.
Então, fiquei pensando, não creio que possa indicar dez livros para o leitor iniciante. Indicar livros é uma atividade que exige um altíssimo nível de conhecimento pessoal do gosto da pessoa. Mas pensei em dez atitudes que irão lhe ajudar a encontrar o prazer na leitura. Seria mais fácil talvez dizer os dez livros que mais me inspiraram. Mas acho que seria injusto e improdutivo. Eles são baseados no meu gosto pessoal, e são em número muito maior que dez. Uma lista com nomes de livros, sem saber os interesses dos leitores, é como servir um "frango surprise" para quem está lendo a coluna: "Mas isto não é frango, é fígado", "Surprise!".
Pois bem: seguem então os meus dez mandamentos como leitor, ou as dez atitudes que me ajudam a ler com prazer, inclusive fora da literatura de ficção:
I. Não ler o que não se gosta
Pode parecer paradoxal, mas tem muita gente que lê ou tenta ler aquilo que não gosta ou entende, imaginando que leitura é uma espécie de treinamento para maratona. Só que se você não se diverte correndo uma maratona, para que ferrar o seu joelho?
II. Não deixar de encontrar o seu gosto pessoal
Quando não se conhece o próprio gosto de leitura, o importante é explorar. E o melhor lugar para se explorar é a nossa Arca de Noé moderna: a biblioteca. Passar algumas tardes do mês em uma biblioteca rapidamente irá lhe colocar em contato com seu gosto pessoal.
III. Não levantar falso testemunho
Uma atitude que acompanha ler o que não se gosta é sair recomendando aquilo que não se entendeu. O problema disso tudo é que você gasta mais tempo mantendo aparências do que se divertindo com o prazer da leitura.
IV. Não viajar sem a companhia de um livro
Aquele tempo no avião, no ônibus ou esperando nos aerportos pode ser bastante proveitoso e divertido: basta a companhia daquele amigo divertido que conta um monte de histórias. Sempre que viajo levo comigo a reboque alguns livros. Como nunca sei o que vou ter vontade de ler, costumo levar pelo menos dois livros. E sempre a viagem parece passar rápido demais.
V. Não ficar preso a estilos e autores
Descubra o universo da literatura explorando novos livros, autores que você não leu mas ouviu falar, estilos que seus amigos lhe recomendam, um livro que você viu recomendado em um site ou blog e assim por diante. Até mesmo quadrinhos são literatura! Explorando este mundo de idéias e histórias você jamais irá ficar entediado com o livro. Melhor ainda: você evitará ficar entediado com a vida. Em suas explorações, respeite a sua própria impressão, porque senão deixará de ser exploração para se tornar rotina torturante. Como diz um amigo, leia livro a livro, obra a obra, sem criar expectativas por se tratar deste ou daquele autor, deste ou aquele estilo.
VI. Não ser submisso às autoridades literárias
Se algum crítico ou amigo escritor lhe desperta a curiosidade para ler algum livro, vá lá, folheie o livro, tente ler. Mas não aceite a estética do seu colega como sendo uma norma. Leia os livros que você gosta. Algumas vezes, livros que você não gostou ou não conseguiu terminar numa primeira leitura irão lhe parecer obras-primas quando lidas mais tarde. Gostar de um livro é uma espécie de coincidência astrológica, depende de onde você está, do seu estado emocional, da sua inclinação lingüística do momento, e tantas outras variáveis que você nunca sabe o que pode lhe chamar a atenção.
VII. Cultivar o hábito da leitura
Mesmo quando você está cansado, ler pode ser um ótimo relaxamento. Ninguém precisa ler um livro inteiro de uma sentada só. Ler um pouco cada dia, ou, de vez em quando, se entregar a ler sem largar o livro da mão é a melhor maneira de treinar o hábito de ler. Entre outros benefícios à saúde, ler bastante aumenta a nossa capacidade de concentração.
VIII. Não criar expectativas
A pior coisa na vida é criar expectativas sobre suas experiências. Isso vale também para a prazeirozíssima atividade de ler. Quando se criam muitas expectativas, é quase certo que você saia frustrado. Existem pessoas que esperam grandes mudanças pessoais a cada livro que lêem. E, portanto, não mudam nunca. Outras lêem por prazer, entregues ao mundo criado em parceria com o autor. E quando se dão conta, algumas vezes, sua visão de mundo muda. Portanto, para não perder a viagem, vale a pena ler com o mesmo desprendimento que você vai ao cinema ou assiste televisão.
IX. Corra para uma livraria bacana!
Não existe lugar mais inspirador para quem quer ler que uma livraria bonita, com aquele cheirinho de livro novo. Raramente consigo entrar numa livraria e sair de mãos vazias.
E o último, que é mais observação do que mandamento...
X. Ler não é viver, mas não dá para viver sem ler (ou eu não imagino como)
Pode parecer jingle do Ministério da Educação, mas é a mais pura verdade. Quem lê, vive mais, vive melhor. Quem lê, automaticamente educa seus filhos em uma das atividades mais importantes da existência humana: pensar e criar independentemente. Assim como eu não acredito em quem enfia livros goela abaixo dos jovens, também acho que se você não cultiva o hábito de leitura, seu filho terá menos chances de fazê-lo. A leitura de um livro pode mudar sua vida. E nem precisa ser um livro de auto-ajuda... Vivemos em um mundo cada vez mais mecanizado, intensamente materialista e com centenas de regras de comportamento. O universo da literatura é um dos poucos lugares em que você pode deixar sua imaginação à solta, sem repreensões, sem preocupação. Não torne o ato de ler uma regra para você ou sua família, deixe que os livros naturalmente se tornem seus companheiros. Nenhum livro substitui um bom amigo e não acredito em se tornar escravo de um determinado autor ou obra, sacrificando a realidade pessoal para viver segundo realidade escrita em livro (não acredita? Basta ver o tanto de beatniks modernos, viúvas de Clarice e outros). Mas o livro pode ser, sim, um ótimo amigo e uma grande experiência.
Quando você estiver respirando neste mundo de ler, vai entender como é que as pessoas que estão com um livro no colo parecem estar perdidas em um outro universo, sem nem se dar conta do que acontece ao seu redor. E aí você vai ver que até mesmo os dez mandamentos acima são fúteis.
É graças a pessoas como o autor do texto acima que, um dia, o Brasil será um país de livros, e não de novelas. Só discordo quando você diz que "não existe lugar mais inspirador para quem quer ler que uma livraria bonita, com aquele cheirinho de livro novo": eu prefiro uma biblioteca com livros velhos. Adoro cheiro de livro velho!
Tive a sorte de gostar de ler no ensino fundamental; me mandaram ler O Escaravelho do Diabo até certo dia, gostei tanto da esperiência que continuo a praticar até hoje. Além de ser muito prazeroso, a leitura ajuda na minha fala - sou gago - e com o passar dos anos já diminui bastante com a leitura.
Como no comentário anterior, tive a sorte de professores que incentivaram a leitura de modo natural ainda no ensino fundamental, somado a pais que liam e tinham muitos livros a disposição em casa. Da época em que "bancas" vendiam livros na pça. da Sé (SP), com os mais variados títulos e assuntos, que meu pai sempre comprava também, ainda que não chegasse a ler, mas estavam à disposição, uns eu lia, outros iniciava a leitura e parava por achar chato, outros nunca toquei, mas o fundamental foi ler sem preconceitos uns quantos estilos ou autores, o que contribuiu p/ melhorar o vocabulário. Encarar o livro como um lazer, tal qual o cinema: às vezes queremos um filme com conteúdo, às vezes uma cómedia romântica ou um besteirol nos atrai, o importante é a distração, seja lendo Cervantes, Jorge Amado, Nikos Kazantzakis, Kafka, Noah Gordon ou mesmo Dan Brown. Com certeza, algo de bom vai ficar. Gostei muito do texto.
Ótimos mandamentos, Ram. Principalmente aquele que afirma que não se deve ler aquilo que não se gosta. Mas é interessante também, que, alguma vezes, quando damos uma segunda chance a um determinado livro, passamos a gostar dele, porque, enfim, é outro momento. Mas talvez o que falte aos brasileiros seja permitir que a imaginação flua um pouco. As pessoas muitas vezes não dão chance aos livros, porque estes não são frenéticos, ou porque não acompanham o ritmo de vida atual. Repensar um pouco sobre o ato de ler e qual o prazer que há em parar por um tempo com um livro na mão é um bom início para as pessoas se tornarem leitores. Assumir que se gosta de autores que a maioria das pessoas não gosta como Paulo Coelho também é importante nessa trajetória de ser leitor.