Há milhões de projetos nacionalistas em curso, um para cada mente de
doutor Mabuse de plantão. Em música, o nacionalismo só serviu para garantir
os privilégios de um determinado grupo de compositores, maestros,
instrumentistas etc. Em música erudita, o caráter postiço dos nacionalismos
fica muito claro. No Brasil, o nacionalismo teve seu ápice no Estado Novo de
Getúlio Vargas. Sua trilha sonora era Villa-Lobos. Na Rússia, Dmitri
Shostakovitch, apesar de não o querer, não deixava de justificar a matança
stalinista. Hitler foi um animador da típica música alemã – que, para ele,
tinha só um nome: Richard Wagner.
Nacionalismo é garantia de mercado. Em alguns lugares, não passa de
outro nome para xenofobia. Mas música criativa não deve e não pode se basear
em preconceitos regionalistas ou nativistas para se justificar como arte.
Ela deve ser local, sim, porque locais são os homens, sua sensibilidade, sua
visão de mundo. Mas precisa ser universal porque, dentro dessas sensações e
sentimentos, há invariantes compartilhadas por toda a humanidade.
O debate nacionalista não leva a lugar nenhum. Nacionalista é o cara
que gosta de É o Tchan porque a música do grupo de pagode baiano é nacional.
Nacionalismo é quem nivela por baixo e coloca no topo os sertanejos e a
música de axé. O axé acaba de completar 20 anos e se institucionalizar. É
o Tchan completou 10 anos de história. Os bumbuns de Scheylas e da antiga
Carla Peres viraram também vultos da pátria. Preferência nacional em
compasso de pagodão.
O público brasileiro foi cultivado para ser patrioteiro e segura o
mercado assim, sendo conduzido em seu gosto. A televisão cultivou o gosto do
brasileiro para o carnaval baiano, pela lei da insistência, do
bombardeamento dessa música de inferior qualidade, assim como o pagode e o
sertanejo. Essa tríplice aliança de Carnaval, Sertão e Litoral domina a
música popular brasileira de forma avassaladora. Por causa dela, os
roqueiros se submeteram ao vexame de "misturar" pop e ritmos folclóricos. E
saiu uma bobajada, estilo mangue beat e quejandos. O rock brasileiro foi uma idéia nacionalista de Raul Seixas e vingou no final do século XX como única
possibilidade de sucesso para quem praticava som mais pesado.
Agora o nacionalismo rançoso adentrou a seara eletrônica. Estamos
ouvindo sambinhas bossa-novisados com loopings, samples e grooves. Outro monte de besteiras. É Bebel Gilberto e companhia ilimitada. É Maria Rita clonando a mãe como uma assombração.
O Brasil é alvo predileto dos intelectuais nacionalistas. Estes querem mostrar que Brasil mesmo é da "cintura para cima" (do Rio para o Norte). A linha de baixo não tem nada a ver com nação; é um amontoado disforme de populações surgidas da imigração. Será verdade? Ou não será, mais uma vez, a justificativa de um grupo para exercer hegemonia cultural sobre os outros? O que é Brasil? Samba, futebol e carnaval? Não é cateretê, rancheira e boi-de-mamão? Na música popular, o Brasil de cima domina o de baixo. O Nordeste é um deserto econômico, mas uma meca cultural. Dentro desse raciocínio, o Sul é a caatinga da cultura popular.
Preconceitos nacionalistas. Era quase impossível um paulista se
identificar culturalmente com o tambor-de-mina do Maranhão, embora faça
parte da cultura musical da nação. De São Paulo para baixo, a gente vê que
os discos de samba antigamente não vingavam. Era só ópera italiana. Agora
tudo é axé, sertanejo e pagode.
O músico brasileiro deixou de pensar, ou nunca pensou. Se fosse pelo
nacionalismo, a França jamais teria Yves Montand, que era italiano, a
Argentina nunca exaltaria Carlos Gardel (nascido em Marselha); nem Gershwin
seria um símbolo americano, ele que era filho de imigrantes judeus vindos da
Ucrânia. Não me venham com Carmen Miranda (cujos 50 anos se completam este
ano com todo tipo de efemérides e livros de ocasião), porque ela era
portuguesa, nascida e criada em família portuguesa. Pois esses estrangeiros
criaram uma imagem nacional que não tem a ver com nacionalismo. Foi a sua
criatividade, não suas raízes, que os tornou imortais. Abaixo a tríplice
aliança!
Maior que o nacionalismo fora de órbita é absorver a musicalidade universal achando que é nossa, sem parâmetros culturais, sem referências. Concordo com você a respeito dos Axés, e outros que "fazem muito barulho por nada"... Maas as vertentes musicias que criaram o mangue beat tinham uma sonoridade que apetecia a criatividade e fazia bem aos ouvidos de quem entende de música na sua inspiração harmonica... Os instrumentos nunca estavam em demasia... É lógico que, com o seu criador (Chico Science) morrendo, o que sobrou? Nada... A Maria Rita é uma sombra de Elis e uma das que não refletem nem o por-do-sol nas águas do pântano... Mas acredito que a boa música está na capacidade criativa de cada um, não importa em que área do planeta esteja vivendo, só precisamos conhecer a música e sua referência nmusical.
Um fator a mais para a preponderancia de certos "tipos" de musica e a expectativa do que e musica brasileira no estrangeiro... Aqui nos EUA musica brasileira e' samba, e musica eletronica com loops de bossa, e tom jobim, e agora os funks e pagodes. O brasileiro que faz uma destas coisas imediatamente tem "reconhecimento" e mercado. Por outro lado, quem se dispoe a ser o Gershwin brasileiro? Afinal, Gershwin compos musicas com a cara dos EUA, morando por aqui e absorvendo justamente influencias locais, isso tudo num pais com mais dinheiro e educacao que o nosso... Talvez para o Brasil seja o Lenny Kravitz :).
Calma, seu Giron, bater na xenofobia que assolou a música brasileira é chutar cachorro morto, negócio já está tão bem guardadinho que ninguém sabe, ninguém viu onde e em quais paradas anda a tal música popular brasileira, reserva de mercado dá nisso, a bagaça tá tão dramatica que já existe até sambista xenófobo implementando um upgrade ligeiro para a salsa, é mais uma tentativa desesperada de arribar para si os trocos da manezada, não é só música, não, outro negócio que está em baixa são os livros de dialeto africano, não estão vendendo nadinha, sabia?