A primeira Rolling Stone | Antônio do Amaral Rocha

busca | avançada
89046 visitas/dia
1,9 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Hospital Geral do Grajaú recebe orquestra em iniciativa da Associação Paulista de Medicina
>>> Beto Marden estreia solo de teatro musical inspirado em Renato Russo
>>> Tendal da Lapa recebe show de lançamento de 'Tanto', de Laylah Arruda
>>> Pimp My Carroça realiza bazar de economia circular e mudança de Galpão
>>> Circuito Contemporâneo de Juliana Mônaco
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
>>> Left Lovers, de Pedro Castilho: poesia-melancolia
>>> Por que não perguntei antes ao CatPt?
>>> Marcelo Mirisola e o açougue virtual do Tinder
>>> A pulsão Oblómov
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
Colunistas
Últimos Posts
>>> Lisboa, Mendes e Pessôa (2024)
>>> Michael Sandel sobre a vitória de Trump (2024)
>>> All-In sobre a vitória de Trump (2024)
>>> Henrique Meirelles conta sua história (2024)
>>> Mustafa Suleyman e Reid Hoffman sobre A.I. (2024)
>>> Masayoshi Son sobre inteligência artificial
>>> David Vélez, do Nubank (2024)
>>> Jordi Savall e a Sétima de Beethoven
>>> Alfredo Soares, do G4
>>> Horowitz na Casa Branca (1978)
Últimos Posts
>>> Escritor resgata a história da Cultura Popular
>>> Arte Urbana ganha guia prático na Amazon
>>> E-books para driblar a ansiedade e a solidão
>>> Livro mostra o poder e a beleza do Sagrado
>>> Conheça os mistérios que envolvem a arte tumular
>>> Ideias em Ação: guia impulsiona potencial criativo
>>> Arteterapia: livro inédito inspira autocuidado
>>> Conheça as principais teorias sociológicas
>>> "Fanzine: A Voz do Underground" chega na Amazon
>>> E-books trazem uso das IAs no teatro e na educação
Blogueiros
Mais Recentes
>>> A crise dos 28
>>> Animismo
>>> Expectativas e apostas na Copa de 2010
>>> Paixão e sucata
>>> A pulsão Oblómov
>>> O papel aceita tudo
>>> Figurinhas
>>> O que é a memética?
>>> Marcus Aurelius
>>> Diariamente
Mais Recentes
>>> Pintura a Base de Cal de Kai Loh Uemoto pela Ipt/associação Brasileira Dos (1993)
>>> O Noviço de Martins Pena pela Mcgraw-hill do Brasil (1975)
>>> Teatro Infantil 1975 de Mec; Funarte; Serviço Nacional de Teatro pela Do Livro (1976)
>>> Cruzando o Caminho do Sol de Corban Addison pela Novo Conceito (2013)
>>> Problemática del Arte Contemporáneo de Wilhelm Worringer pela Nueva Visión (1961)
>>> A Nova Música de Aaron Copland pela Record (1969)
>>> Após a Chuva de Lygia Barbiére pela Lachâtre (2018)
>>> A Redenção de um Lázaro de Dineu de Paula pelo Espírito Inácio pela Eme (2020)
>>> Saber Ver a Arte Egípcia de Francesca Español pela Martins Fontes (1992)
>>> Promessa e Esquecimento de Roberto de Carvalho pelo Espírito Basílio pela Aliança (2018)
>>> El Cine y El Desquite Marxista del Arte de Umberto Barbaro pela Gustavo Gili (1977)
>>> O Amor Prossegue de Ricardo Orestes Forni pela Eme (2019)
>>> El Actor En El Teatro Español del Siglo de Oro de Josef Oehrlein pela Castalia (1993)
>>> O Anjo no Galinheiro de Miguel Jorge pela Berlendis & Vertecchia (1996)
>>> A Reforma Íntima Começa Antes do Berço de Américo Marques Canhoto pela Ebm (2012)
>>> O Anjo no Galinheiro de Miguel Jorge pela Berlendis & Vertecchia (1996)
>>> Quando o Amor é o Remédio de Pedro Santiago pelo Espírito Dizzi Akibah pela Eme (2020)
>>> O Anjo no Galinheiro de Miguel Jorge pela Berlendis & Vertecchia (1996)
>>> Hoje Com Jesus de Joaquim Bueno Neto pela Ide (2018)
>>> Tesouros de Arte no Trentino de Ezio Chini pela Casa Editrice Panorama (1987)
>>> À Espera do Amanhã de Diana Machado pelo Espírito Antônio Bento pela O Clarim (2016)
>>> Elemento Vazado de André Ricardo pela Marp/prefeitura de Ribeirão Pr
>>> Correntes do Destino de Célia Xavier de Camargo por Maria Cecilia Alves pela Petit (2009)
>>> Paisagismo de Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas pela Projeto Editores Associados (1978)
>>> Marinheiros e Professores de Celso Antunes pela Vozes (2002)
ENSAIOS

Segunda-feira, 13/11/2006
A primeira Rolling Stone
Antônio do Amaral Rocha
+ de 12800 Acessos
+ 3 Comentário(s)


O autor em uma foto daquela época

Um leitor relembra a saga da célebre edição dos anos 70 da Rolling Stone brasileira, que revolucionou a imprensa cultural do país em 36 edições

O tempo era outro. Exatamente há 35 anos, a primeira versão da Rolling Stone era lançada no Brasil. Durou dois verões, exatas 36 edições. Apesar da ditadura em que vivíamos, a revista divulgava assuntos que "faziam a nossa cabeça". Seus 30 mil leitores, se tanto (eu entre eles), sentiam-se vingados da gorilada que queria fazer o Brasil marchar em ordem unida. Não vivíamos apenas de sexo, drogas, e rock'n'roll, pode crer. Naqueles tempos, a Rolling Stone ensinava uma nova maneira de falar, de escrever, de pensar e se relacionar com tudo. Esta é uma memória daquele tempo, apesar dos pesares, feliz. Afinal, "eu já estou com o pé nessa estrada..."

A década de 70 começou em 68 ou em 69? Imprecisão histórica? Talvez a imprecisão seja a tônica deste texto, pois ele caminha num fio de navalha. E nada mais traiçoeiro que registro embaçado, feito a partir da lembrança.

Maio de 68, as barricadas de Paris: a juventude estudantil e o operariado saem às ruas enfrentando o poder estabelecido. No Brasil: barra pesada, ditadura. Como numa onda, a juventude pensa criticamente. Passeata dos Cem Mil, congressos estudantis, prisões de estudantes e trabalhadores. Em 1969, nada será como antes. Se até 1968 a busca de um novo modo de viver considerava a mudança na forma de se fazer política, em 1969 isso já não estava no horizonte. A arte passou a moldar o comportamento. Buscou-se um modo de viver mais simples, mais próximo da natureza, longe da máquina avassaladora da tecnologia, que naquela época ainda engatinhava.

Naquele ano, Peter Fonda e Dennis Hopper filmaram Easy Rider — Sem Destino, aventura de dois jovens americanos que em suas motocicletas saem em busca da liberdade. Apesar do final deprimente (os dois servem de alvo para a pontaria de rancheiros), ganhou ovação em Cannes e recebeu indicações para o Oscar nas categorias de Melhor Ator Coadjuvante (Jack Nicholson) e Melhor Roteiro Original. O filme fazia o elogio da liberdade, com trilha sonora da pesada, como dizíamos na época: Steppenwolf, Jimi Hendrix, The Byrds, The Band, Bob Dylan. Em Sem Destino, assim como na sociedade americana, a violência já se fazia presente: cocaína e armas. Muitos de nós, meninos ingênuos, talvez não quiséssemos enxergar.

Em Bethel, perto de Nova York, numa fazenda, acontece o festival de Woodstock, de 15 a 17 de agosto. Público esperado: 50 mil pessoas. Comparecimento: 500 mil. Foi filmado e lançado em 1970, como Woodstock — Three Days of Peace & Music. O festival foi um big evento comercial (mas ninguém queria saber), com a presença de vinte bandas e artistas solos, entre eles, Jimi Hendrix, The Who, Creedence, Joe Cocker, Richie Havens, Santana, Joan Baez.

Em 6 de dezembro, os Rolling Stones vão a Altamont (Califórnia) para uma apresentação ao ar livre. Antes de subirem ao palco, já havia problemas. A "segurança" do show estava sob a responsabilidade dos Hell's Angels de São Francisco, uma gangue de motoqueiros anti-flower power, armados com tacos de baseball. Qualquer maluquinho que tentasse subir ao palco era agredido. Durante a apresentação do Jefferson Airplane, que antecedeu os Stones, muitos já haviam sido carregados para atendimento nos postos da Cruz Vermelha, em bem maior número que os médicos podiam dar conta. Quando os Stones entraram, a multidão ficou histérica, e os Hell's Angels entraram em ação. Durante a execução de "Under My Thumb", um jovem negro, Meredith Hunter, foi assassinado com uma punhalada nas costas. Mick Jagger percebeu alguma coisa estranha acontecendo, mas não sabia exatamente o quê.

No dia seguinte, os Stones descobriram que quatro pessoas haviam morrido. Há versões de que Meredith foi agredido pelos Angels por estar acompanhado de uma loira, mas soube-se depois que ele portava um revólver. O assassino, Alan Passaro, foi julgado e inocentado por legítima defesa. O emblemático acontecimento está registrado no filme Gimme Shelter. Convenhamos, havia algo de podre naquele reino: armas num concerto de rock? Em plena era flower power! "The Rolling Stones, disaster at Altamont: Let it bleed", dizia a capa da edição 50 da Rolling Stone norte-americana, datada de 21 de janeiro de 1970. Fazer um paralelo entre a violência em Sem Destino e o concerto de Altamont não é nenhum exagero, apesar do rock. Talvez nossa ingenuidade não permitisse.

Em 1968, a vida no interior de São Paulo era uma modorra. Nada de mais acontecia. Música, só pelo rádio, com seus chiados AM. Beatles, muito Beatles, The Mamas & The Papas e sucessos comerciais. E tome Jovem Guarda. "Menina linda eu te adoro, oh! Menina pura como a flor, sua boneca vai quebrar, mas viverá o nosso amor" (versão de "I Should Have Known Better", de Lennon e McCartney), e TV na casa do vizinho, aqueles programas de sábado à tarde. Ecos da violência política, não sei como, ficávamos sabendo. "Se o Marighela aparecer por aqui pedindo ajuda, eu o escondo, nem que seja no paiol dos cabritos", pensava. Mas ele nunca apareceu. Colegial, teatro amador, viagens pelas cidades da redondeza, paqueras, papos, gamação, sexo (mas como fazê-lo?). Ninguém dava pra gente, só prostituta em rendez-vous. Namorada? Nem pensar, só mão-boba e olha lá. Perigava a menina querer fazer você prometer casamento. Comigo aconteceu e o namoro acabou.

Não sei como, em junho de 1969, apareceu nas mãos do meu irmão Abel um exemplar do número 15 de O Pasquim. Trazia uma entrevista com Elis Regina. Senti alguma coisa diferente naquelas páginas. Humor tipicamente carioca-ipanemense, se bem que eu nem sabia o que era Ipanema naquela época. Em novembro, na edição 22, apareceu a famosa entrevista "asteriscada" com a nossa musa Leila Diniz. Bonita, gostosa, linguaruda, Leila falou sobre homens, sexo, comportamento, censura... Entre outras coisas, ela dizia que "trepava de manhã, de tarde e de noite". Não tinha como não amar uma mulher daquelas. Todos os palavrões, em mais um lance de humor, mas nem tanto, foram substituídos por asteriscos. Apesar de alguns trechos ilegíveis, a entrevista motivou a criação da Lei de Censura Prévia, apelidada de Decreto Leila Diniz. Quando Leila morreu num desastre de avião, em 14 de julho de 1972, aos vinte e sete anos, no auge da fama e beleza, ao saber da notícia, me tranquei no fétido banheiro da gráfica onde trabalhava e chorei.

De O Pasquim, o importante é destacar um jornalista em especial: Luiz Carlos Maciel, também dramaturgo, roteirista de cinema, filósofo, poeta e escritor. "Em 1969 estávamos mais ou menos ao Deus-dará. O sonho havia acabado, não se tinha o que fazer ou para onde ir, formava-se o vazio histórico e existencial onde medraram a luta clandestina e o desbunde...", disse ele em seu livro Os anos 60. O sonho duraria mais dois anos, tempo suficiente para Maciel nos colocar em contato com assuntos e temas inéditos. Sua coluna Underground, de 1969 a 1971, divulgou os movimentos alternativos que eclodiam no mundo e a importância que isso tinha. Com formação de filósofo, Maciel podia entender e justificar as razões daquelas manifestações. Temas como Romantismo, Surrealismo, Marxismo e Existencialismo sartreano eram usados para explicar o hinduísmo, o embate Oriente-Ocidente, o flower power, a vida em comunidade, a revolução sexual, o desbunde hippie, a metafísica, os shows de rock, a contestação, a antipsiquiatria, a antipsicanálise, as idéias antenadas com pensamentos de uma "nova era", a nova percepção da realidade por meio das drogas (maconha, peiote, mescalina e LSD), a bruxaria, a era de Aquarius (que parece, ainda não chegou) e a literatura da beat generation (Allen Ginsberg, Jack Kerouac, Gregory Corso, William Burroughs).

Idéias de pensadores "sérios" como Reich, Allan Watts, Timothy Leary, Norman O'Brown, Marcuse eram constantes na coluna de Luiz Carlos Maciel, assuntos denominados genericamente de "contracultura". Maciel devia se sentir muito só naquele ambiente, já que contracultura no Brasil soava como algo exótico, uma curiosidade americana, subjetiva e individualista para os ideólogos da esquerda tradicional. Diz Maciel: "A coluna Underground sumiu do Pasquim quando Tarso de Castro foi alijado do cargo de editor chefe e substituído por seu desafeto Millôr Fernandes. Millôr detestava essa história toda de contracultura, cabeludos, rock e, principalmente, baianos tropicalistas. O Underground foi descartado e eles fizeram até uma campanha contra os 'baihunos', que era como chamavam Caetano e Gil. Os caras do Pasquim eram muito conservadores, embora desaforados. O único sensível à nova visão era o Tarso de Castro. Foi ele, aliás, quem inventou a coluna Underground, porque sabia que eu me interessava pelo assunto". Reflexão: se 1968 foi o clímax do pensamento crítico, 1969 inaugura o desbunde, uma negação dessa rigidez.

Fazer 17 anos em 1970, naquele interior perdido no mapa, não era mole. Imagino que aquela urbe só existisse porque por lá passa uma estrada importante. E as cidades crescem à beira de uma estrada. E a estrada virou uma fixação. "Adeus, vou pra não voltar". Já que não dava pra sair, ficava. "Caminhando contra o vento sem lenço e sem documento...". Até o dia em que um cinema de uma cidade próxima anunciou a projeção de Woodstock. Perco o trem, volto a pé, mas não posso deixar de ver. E o que vi naquelas três horas foi veneração, missa leiga, ritual orgiástico, revelação, pura epifania! O cinema quase vazio era pequeno para tanta felicidade. Fiz uma coisa boba: anotei a seqüência das bandas, querendo segurar aquele momento para sempre, sem me dar conta de que poderia rever o quanto quisesse. Não tinha consciência de que aquilo já era História. Finalmente o rock, o flower power se manifestando na minha cara sem meias tintas. O rock existia, não era mais citação em jornal. Estava ali em som estéreo e em cores.

Se a coluna Underground deixou de existir, criou-se outro espaço de maior tamanho e com dedicação exclusiva. Nasce Flor do Mal, mais uma de Maciel, agora com Rogério Duarte, Tite de Lemos e Torquato Mendonça. Todo "composto" à mão, trazia na capa, emoldurada com vinheta simulando espinhos, um texto de Baudelaire sobre a imprensa. No centro, a imagem de uma garota negra sorrindo. Maciel declarou que "na Flor podia se fazer o que desse na veneta". Foi o primeiro jornal totalmente contracultural brasileiro e o mais lembrado. Durou cinco números, mas em novembro de 1971, um sabiá me cantou que Luiz Carlos Maciel iria liderar uma nova aventura: a Rolling Stone americana seria publicada por aqui.

A aventura no Brasil começou com um físico nuclear inglês, Mick Killingbeck, que após visitar o país a trabalho, juntou alguns amigos (Stephen Banks, Stephane Gilles Escate e Theodore George), adquiriu os direitos de publicação da Rolling Stone por aqui e convidou Maciel a entrar no barco. "Mick Killingbeck foi quem inventou aquela Rolling Stone brasileira. Foi ele quem negociou os direitos da Rolling Stone americana e, depois de sondar o mercado, me escolheu pra editar a versão brasileira por causa de minha coluna Underground no Pasquim", lembra Maciel. Os verões de 1971 e 1972 foram tempos de muita alegria para todos nós. E a Rolling Stone esteve presente nele durante 14 meses. "Ser o editor de uma revista era um sonho meu que realizei. Acho até que tinha jeito pra coisa e lamento que não tenha tido a oportunidade de repetir a dose. Foi uma das experiências melhores e mais úteis, um dos períodos mais felizes da minha vida", disse Maciel.

A edição zero da Rolling Stone foi lançada em novembro de 1971. Entre os destaques, Gal Costa na capa e no miolo e uma matéria sobre uma onda de new religion que acontecia em San Francisco. Trinta e seis edições foram publicadas em menos de um ano, de 1º de fevereiro de 1972 a 5 de janeiro de 1973. Desde "Caetano está entre nós" até "Brasil 73: Nova Consciência". 13 meses, dois verões de contracultura, rock, toque e notas ligadas. Nesse período, ficamos sabendo de tudo o que acontecia no mundo underground: comportamento, lançamentos de discos, concertos, bandas novas, teatro, literatura, cinema, o que iria ou não dar certo. Aprendemos uma forma mais descontraída de pensar, escrever e falar. Transávamos tudo, sendo que nesse tempo transar significava fazer tudo, se relacionar com tudo, não tinha só o sentido sexual. Ler a Rolling Stone era estar antenado com o mundo, não importava onde você estivesse. Aliás, quanto mais longe do centro cosmopolita, melhor. Você podia olhar para o céu e ver as estrelas, sentir o cheiro do sereno, e se tivesse uma ajuda alucinógena, viajar. E essa viagem poderia se dar sem sair do lugar.

Hoje, o racionalismo não permite entender aquela proposta, mas naquele verão, não havia dúvidas. A cena musical que começou com o fantástico disco de Gal Costa (A todo vapor) terminou com o lançamento de um encontro antológico registrado ao vivo: Chico Buarque e Caetano Veloso juntos. Nada poderia ser melhor. "1972 acabou sendo um ano de total redenção da música brasileira", dizia um dos editoriais da Rolling Stone. Mas, desde o número 34, algo de estranho estava acontecendo. "A Rolling Stone americana cobrava royalties que nunca foram pagos. Depois de não sei quantos meses, eles pararam de nos mandar material — fotos e textos que vinham todas as quinzenas. A partir daí, tínhamos que simplesmente roubar — o que não nos incomodava, pois éramos alternativos e acreditávamos na propriedade coletiva de tudo. Por idéia do Lapi (ilustrador e editor de arte) ou do Joel Macedo ou de ambos, a confissão "Pirata" passou a aparecer abaixo do logotipo. A pirataria era um valor positivo na contracultura", diz Maciel.

Os editores pediam aos leitores que tivessem paciência, como dizia a nota "Rolling rolando", publicada na edição 36: "Mais uma vez fomos obrigados a mudar o dia da saída do Rolling Stone nas bancas. Vamos ver se dá pra segurar. Se não der, vocês — please, please, — segurem por nós mais uma vez". No mesmo número, um comunicado da Phonogram, assinado por André Midani, dizia: "A quem interessar possa. Declaramos que temos o maior interesse em que o trabalho desenvolvido pela revista Rolling Stone, no ano de 1972, prossiga com a mesma ênfase durante o ano de 1973. Sendo a única revista especializada na rock music e na pop music, consideramos indispensável que as companhias gravadoras e as indústrias eletrônicas dêem o devido apoio a esse empreendimento".

Parecia um réquiem. Seria o fim? Renovei minha assinatura e escrevi uma carta, não me lembro bem o conteúdo, tentando dar uma força: "Oi, amizades, a revista não pode deixar de existir, estou aqui, não vivo sem ela, sou leitor, gosto, divulgo". Esta carta acompanhada de uma foto minha [acima], na beira de uma estrada, com mochila nas costas, nunca foi publicada. Aquele foi mesmo o último número da Rolling Stone no Brasil. Felizmente, a pedra continuou rolando até hoje.

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado na edição de outubro de 2006 da (nova) revista Rolling Stone.


Antônio do Amaral Rocha
São Paulo, 13/11/2006
Quem leu este, também leu esse(s):
01. Sobre John Cage de Eduardo Barrox
02. Rosa e o romance fundador de Luís Antônio Giron
03. A eternidade nos labirintos de Borges de Pedro Maciel


Mais Antônio do Amaral Rocha
* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
16/11/2006
20h47min
O olhar brasileiro sempre vai ter o ano de 1968 como ao ano que não terminou... Lembrar Rolling Stones, Beatles, etc., é tambem momento de termos no pensamento o existencialismo de Jean Paul Sartre, e Caetano Veloso, o Maracanã, os militares no poder... E é tempo de rever o aparecimento do PT, como esquerda possivel... É preciso, portanto, pensar no "repensar da historiografia", ou deixar as pedras rolar, como o proprio nome da Rolling Stone...
[Leia outros Comentários de Manoel Messias Perei]
12/1/2007
12h37min
Adorei este texto, eu sinto muito orgulho desta época de 60 até os anos 80, era bom demais. Quando vim aqui para o Rio, não me lembro o ano, passseando de jipe com meu primo na Praia da Macumba na Barra, passei pertinho da Janis Joplin, ela estava com uma copo de Campari nas mãos, e aquele cabelo vermelho lindo que na época chamava muita atenção, mas foi um sucesso. Há! Como fui tola de não ter parado e tirado uma foto dela!!! Uma cantora maravilhosa, e só ela mesmo pra interpretar tão bem os blues com uma voz maravilhosa... Parabéns, Antonio, e obrigada por me fazer recordar tantas coisas lindas daquela época que vivi. Beijos, Inês.
[Leia outros Comentários de Inês Caldas Vianna]
6/10/2007
15h13min
Parabéns pela matéria. Um verdadeiro documento histórico que retratou muito bem os anos 70... Sinto orgulho se ser dessa geração, uma geração que tinha uma bandeira, tínhamos um ideal. E mesmo que nem tudo tenha se concretizado, ainda sim acredito que foi a melhor geração da existência da humanidade... Power Flower veio para conquistarmos o nosso espaço, ainda que diante a uma ditadura ferrenha e covarde sobrevivemos. Obrigado, Antônio do Amaral Rocha, muito prazer em conhecê-lo. Eu, na qualidade de repórter fotográfico, tenho feito o que posso para eternizar imagens que com certeza farão história em nosso planeta. Tudo de bom; saúde e paz! Fernando Barbosa e Silva
[Leia outros Comentários de Fernando Barbosa ]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.

Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Livro Mulher, Estado E Revolução
Wendy Goldman
Boitempo
(2014)



Livro Saúde A Escada Nutricional Uma alternativa ao Método Dukan Clássico
Dr. Pierre Dukan
Best Seller
(2015)



Die Romane: Amerika - Der Prozess - Das Schloss
Franz Kafka
Buchbinderei J. Stemmle - Zurich
(1972)



Educadores para o século XXI
Raquel V. Serbino; Maristela V. C. Bernardo
Unesp
(1992)



Memórias do Brasil
Glória Kok
Terceiro Nome
(2011)



Matar por Prazer
Linda Howard
Bertrand Brasil
(2007)



Glauco Campello - Caderno de Arquitetura
Glauco Campello
Da Cidade



Livro de Costura Singer
Mary Brooks Picken
Companhia Nacional
(1957)
+ frete grátis



Mit Ihm Reden - Gebete Für Die Brüder
Karl-Friedrich Wiggermann
Christlicher Zeitschriften



Arte em Vidro
Escola de Artesanato
Século Futuro
(1988)





busca | avançada
89046 visitas/dia
1,9 milhão/mês