De cima da goiabeira | Antonio Prata

busca | avançada
52329 visitas/dia
1,9 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Circuito Contemporâneo de Juliana Mônaco
>>> Tamanini | São Paulo, meu amor | Galeria Jacques Ardies
>>> Primeiro Palco-Revelando Talentos das Ruas, projeto levará artistas de rua a palco consagrado
>>> É gratuito: “Palco Futuro R&B” celebra os 44 anos do “Dia do Charme” em Madureira
>>> CEU Carrão recebe o Festival Ubuntu nos dias 15, 16 e 17 de Novembro.
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
>>> Left Lovers, de Pedro Castilho: poesia-melancolia
>>> Por que não perguntei antes ao CatPt?
>>> Marcelo Mirisola e o açougue virtual do Tinder
>>> A pulsão Oblómov
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
Colunistas
Últimos Posts
>>> Lisboa, Mendes e Pessôa (2024)
>>> Michael Sandel sobre a vitória de Trump (2024)
>>> All-In sobre a vitória de Trump (2024)
>>> Henrique Meirelles conta sua história (2024)
>>> Mustafa Suleyman e Reid Hoffman sobre A.I. (2024)
>>> Masayoshi Son sobre inteligência artificial
>>> David Vélez, do Nubank (2024)
>>> Jordi Savall e a Sétima de Beethoven
>>> Alfredo Soares, do G4
>>> Horowitz na Casa Branca (1978)
Últimos Posts
>>> E-books para driblar a ansiedade e a solidão
>>> Livro mostra o poder e a beleza do Sagrado
>>> Conheça os mistérios que envolvem a arte tumular
>>> Ideias em Ação: guia impulsiona potencial criativo
>>> Arteterapia: livro inédito inspira autocuidado
>>> Conheça as principais teorias sociológicas
>>> "Fanzine: A Voz do Underground" chega na Amazon
>>> E-books trazem uso das IAs no teatro e na educação
>>> E-book: Inteligência Artificial nas Artes Cênicas
>>> Publicação aborda como driblar a ansiedade
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Entrevista com Guilherme Fiuza
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> A Associated Press contra a internet
>>> The Newspaper of the Future
>>> Por que não perguntei antes ao CatPt?
>>> 3 Grandes Escritores Maus
>>> 3 Grandes Escritores Maus
>>> A novela América e o sensacionalismo de Oprah
>>> John Fante: literatura como heroína e jazz
>>> Lembranças de Ariano Suassuna
Mais Recentes
>>> 12 Semanas Para Mudar Uma Vida de Augusto Cury pela Planeta (2007)
>>> Vida Pregressa de Joaquim Nogueira pela Companhia Das Letras (2003)
>>> O Menino Maluquinho de Ziraldo pela Editora Melhoramentos (2008)
>>> Na Margem Do Rio Piedra Eu Sentei E Chorei de Paulo Coelho pela Planeta (2006)
>>> A Gaiola De Ouro de Camila Läckberg pela Arqueiro (2020)
>>> Atlas de Anatomia Humana 2 volumes - 20ª ed. de Johannes Sobotta pela Guanabara Koogan (1993)
>>> Michaelis Dicionário De Sinônimos E Antônimos (Nova Ortografia) de André Guilherme Polito pela Melhoramentos (2009)
>>> A Xamã De Salto Alto de Anna Hunt pela Rocco (2013)
>>> Amor E Vida de Thomas Merton pela Wmf Martins Fontes (2004)
>>> Africa Explicada Aos Meus Filhos de Alberto Da Costa E Silva pela Agir (2008)
>>> Sete Desafios Para Ser Rei de Jan Terlouw pela Ática (2012)
>>> Big Magic: Creative Living Beyond Fear de Elizabeth Gilbert pela Bloomsbury Publishing (2015)
>>> Juca E Chico. História De Dois Meninos Em Sete Travessuras de Wilhelm Busch pela Pulo Do Gato (2012)
>>> Tratado De Enfermagem Medico-Cirurgica - 4 Volumes [Capa comum] [2009] Varios Autores de Vários Autores pela Gen/ Guanabara (2009)
>>> Psicopedagogia Da Linguagem Escrita de Ana Teberoisky pela Vozes (1993)
>>> Pedagogia Da Autonomia de Paulo Freire pela Paz E Terra (1996)
>>> Sociologia e Filosofia de émile Durkheim pela Martin Claret (2009)
>>> A Revolução Francesa de Paz E Terra pela Paz E Terra (2005)
>>> Histórias Das Mil E Uma Noites - Coleção Conte Um Conto de Ruth Rocha pela Salamandra (2010)
>>> Quem Vai Decifrar O Código Leonardo? de Thomas Brezina pela Ática (2015)
>>> Violencia Do Rosto de Emmanuel Levinas pela Loyola (2014)
>>> Emília No País Da Gramática de Monteiro Lobato pela Ciranda Cultural (2019)
>>> Deserto, Desertos de Jean-Yves Leloup pela Vozes (2003)
>>> Um Caldeirão De Poemas de Tatiana Belinky pela Companhia Das Letrinhas (2002)
>>> As Virtudes Morais de Tomas De Aquino pela Ecclesiae (2012)
ENSAIOS

Segunda-feira, 23/4/2007
De cima da goiabeira
Antonio Prata
+ de 13900 Acessos
+ 6 Comentário(s)

Diz a lenda familiar que, quando o telefone tocou na casa de número 473 da rua Horácio Lafer, na manhã de 24 de agosto de 1977, anunciando meu nascimento, minha avó tirou meia goiaba da mão do meu tio Guelé e enterrou-a no jardim. Diante do olhar estupefato dos tios e de meu avô, Loli, minha avó, anunciou, orgulhosa, brandindo a pazinha vermelha: “nasceu meu primeiro neto e essa vai ser a goiabeira dele!”. De fato, foi. Passei boa parte da infância trepado nela.

Se meu tio estivesse chupando uma laranja ou uma manga, minha infância teria sido seriamente afetada. A goiabeira é uma árvore generosa com as crianças: os galhos saem do tronco a pouca altura, finos o suficiente para agarrar-se neles na subida, mas firmes o bastante para sustentar uma pessoa – ou mais, caso eu concedesse a algum primo, amigo ou irmã o privilégio de desfrutar dos braços de minha (minha!) árvore.

Enquanto eu ficava ali em cima, a catar goiabas, matar sadicamente taturanas e espiar o quintal do vizinho, minha avó cuidava do resto do jardim e conversava comigo. “Olha só, uma bem gorda aqui, Antonio!”, dizia ela, e eu descia correndo para estourar aquelas bolotas cheias de sementes das Marias-sem-vergonha. Gostávamos também de colher framboesas ou morangos silvestres, que ela transformava em geléias e tortas.

O jardim era uma experiência tátil, gustativa, mas principalmente afetiva: era a sala de estar da Loli, o lugar onde ela ficava (e fica ainda) à vontade, com sua pazinha nas mãos, me contando de sua infância em Paquetá, sua vida de estudante nos Estados Unidos e me dando as primeiras lições de subversão – “quem quer fazer besteira não pede licença”, dizia ela, diante de alguma proposta mais heterodoxa de minha parte, como fazer uma fogueira na sala ou pintar o carro do vovô Mario com canetinhas hidrocores.

A goiabeira teve uma morte trágica e prematura: foi assassinada por uma escavadeira – a serviço de uma grande construtora, que achou por bem derrubar um quarteirão de casas geminadas e seus jardins para plantar ali um horrível prédio bege, estilo neoclássico. (Tanto a escavadeira como o mandante – a construtora –, continuam vergonhosamente em liberdade).

Após a demolição da casa da Horácio Lafer, no Itaim, meus avós se mudaram para os cafundós do Morumbi. Nos anos oitenta, isso era quase como ir morar no Xingu. A rua de terra tinha só duas casas, o resto era mato, com cobra, preás e plantas, que eu ajudava a Loli a catar, em verdadeiros safáris botânicos. Depois voltávamos para seu jardim e plantávamos o que havíamos colhido: flores do campo, samambaias, avencas, trepadeiras... Como o interesse dos expedicionários não se restringia ao reino vegetal, chegamos a capturar um preá, com a arapuca feita pelo Zé Baiano, caseiro, meu companheiro de caçadas e pai de Genicleuson e Cleudma. (Também achei e criei um filhote de jararaca, numa caixa de All Star. A moça do Butantã, para onde liguei perguntando o que a cobrinha poderia comer, caso eu não tivesse à mão nenhum camundongo, se limitava a gritar que eu deveria levar a Jararaca imediatamente ao instituto e passar o telefone para algum adulto responsável. Soltei a cobra, dias depois, no mesmo lugar do mato em que a tinha achado, para desespero da minha avó).

A maneira como a Loli lida com as plantas é muito peculiar. Os jardins dos outros são, geralmente, organizados. Uma espécie de triunfo do homem contra a natureza – como se quiséssemos tripudiar da floresta, que por milhares de anos nos amedrontou e nos fez sofrer, vendo-a agora ali, restrita a um pequeno espaço, refém de pás, tesouras e da geometria. Os da minha avó são mais um diálogo do que um domínio. Nada daquele cartesianismo careta de canteiro com cara de tabela pantone: vermelhos aqui, azuis ali, brancos acolá. Seus quintais sempre tiveram uma mistura um tanto anárquica de plantas e flores, uma harmoniosa confusão que faz lembrar mais a Terra do Nunca do que aquelas monotonias vegetais de Versailles. (Aliás, aprendi desde cedo que a poda – esse tipo de poda ornamental, que transforma arbustos em muretas e deixa as árvores parecendo um cotonetão –, é crime hediondo, inafiançável, cujo autor deve queimar eternamente nas chamas do inferno). Percebi com a Loli e suas plantas que a desorganização e o imponderável também são virtudes. Uma visão jazzística da jardinagem, podemos dizer.

Além da mistura, aprendi no quintal, com a minha avó, a desrespeitar a hierarquia. Em suas casas a orquídea não pode mais que a Maria-sem-vergonha, uma florzinha do mato talvez tenha lugar de destaque e, se uma Costela de Adão resolver cantar de galo e fizer sombra sobre as Margaridas, pode sentir a fria repressão da tesoura. Até musgo e erva daninha, se forem jeitosos, cabem.

No início dos anos 90, cansada de morar em uma casa com jardim no fundo, Loli resolveu inverter a equação e morar num enorme jardim (com uma casa na frente), ou seja: um sítio. Fez ali a Pousada da Alcobaça e um jardim que, descontando a ausência de Adão e Eva – serpentes certamente há –, não deve nada ao Éden.

Há uns anos, moro num apartamento térreo, com quintal, e aos poucos vou povoando-o com plantas. O grosso veio do Ceasa, comicamente espremido dentro do meu Ford Ka, mas toda vez que vou a Petrópolis, relembro as missões botânicas do Morumbi, passeando com a Loli pelo jardim e recolhendo mudas para trazer. Tenho alguns jasmins floridos e revoltados (eu coloco fios para eles se enrolarem, mas sempre preferem outros caminhos), muitas Marias-sem-vergonha (com suas bolotas explosivas), um limoeiro e um pé de mexerica preguiçosos (com pouco mais de um metro cada e, ao que parece, sem muita vontade de crescer mais que isso), um alecrim imbatível (na época em que as malditas colchonilhas atacaram todas as plantas, ele saiu incólume), uma azaléia parcimoniosa (em vez de florir-se toda na primavera, dá flores aos poucos, ao longo do ano), manjericões verdes e roxos, uma jardineira cheia de manjerona (foi engano, só descobri que não eram manjericões na primeira garfada de um frustrante macarrão ao pesto), um elegante Pacová (presente de minha amiga Gisela) orquídeas, primaveras, glicínias, violetas e muitas outras plantas.

Há um ano, entrei no Google Earth pela primeira vez. Fiquei abismado ao ver a Terra, girando aos comandos do meu mouse, como um melãozinho de Mossoró sendo avaliado no supermercado. Fui dando um zoom nas Américas, então no Brasil, cheguei em São Paulo, depois na PUC, peguei minha rua, encontrei meu quintal e, para a minha surpresa, vi pequenos pontinhos escuros nele: eram minha azaléia, meus jasmins e manjericões, minhas plantas fotografadas do espaço! Me dei conta, então, de que o único sinal de minha existência na Terra, visto do céu, são as plantas do meu jardim.

Apesar de minha empolgação cósmica, sinto que meu quintal está incompleto. Falta-lhe uma goiabeira. Acho que ainda não plantei uma por respeito – não se enterra uma goiaba assim, sem nenhuma razão especial. Talvez, pensando bem, não possa ser eu a plantá-la. Quem sabe, daqui uns anos, quando o telefone tocar no número 44 da Rua Itacolomi, anunciando o nascimento do meu primeiro filho, minha mãe não tire uma goiaba meio comida da boca do meu padrasto e a enterre, seguindo assim a tradição familiar? Meu filho merece uma goiabeira para subir e, embaixo dela, uma avó como a que eu tive, a mostrar o seu jardim, as bolotas de Maria-sem-vergonha, a subversão, a importância das framboesas, a arbitrariedade da hierarquia, o jazz e outros acontecimentos fundamentais da nossa vida.

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado numa edição do ano passado da revista Vogue.


Antonio Prata
São Paulo, 23/4/2007
Mais Antonio Prata
Mais Acessados de Antonio Prata
01. Bar ruim é lindo, bicho - 17/9/2007
02. Direita, Esquerda ― Volver! - 25/2/2008
03. O amor que choveu - 28/7/2008
04. De cima da goiabeira - 23/4/2007
05. Diga: trinta e três - 20/9/2010


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
25/4/2007
10h36min
Que goiaba gostosa acabei de saborear. Me deu água na boca... e desencabdeou minha lembrança de tempos que não voltam mais; eu também vivi em uma goiabeira, a melhor casa de minha infância, tão longe de mim, distante... De coração agradeço ao autor e ao Julio. Posso trazer meu pé de jambo aqui para o quintal?... rss Aqui, realmente com água na boca, Neide Pessoa
[Leia outros Comentários de Neide Pessoa]
30/4/2007
09h07min
Faltou a planta da cidade e os comprovantes do IPTU...
[Leia outros Comentários de Clarice]
2/5/2007
19h43min
Seu texto é puro deleite. Amei sua Loli e todas as subversões. Também moro no mato, dou minhas aulas e, sempre, subverto a ordem de tudo que posso. Como meu cachorro que dorme nos meus pés. E fico pensando nos netos que ainda não tenho. Para conhecerem enquanto há tempo: pitangas, jambos, jabuticabas, o cheiro das folhas da canelinha, as orquídeas que florescem no mato... Loli sabe das coisas... Um abraço, Zizi. (E você: como deixa tudo muito bem no papel, para que saibamos também de coisas tão doces e tão suas...)
[Leia outros Comentários de Zizi Araujo]
3/5/2007
12h14min
As goiabas fazem parte da infância mais tenra e terna de todos. Elas e as avós. Minhas lembranças, goiabas e avós também sabem, a mim, como delícias dos deuses. Também tive meus galhos de goiabeira, avós e quintais. Ô saudade! Mas, é nas lembranças que o gosto é melhor...
[Leia outros Comentários de Maria Luiza Lobo]
23/7/2007
15h28min
Que delícia ler um texto que nos provoca sensações táteis, gustativas, visuais... e que nos remete, inevitavelmente, às nossas próprias lembranças!
[Leia outros Comentários de Flavia Cardoso]
28/5/2011
11h39min
O que dizer, Antônio? Simplesmente, nada! Não é possível, nesta pobre linguagem que nos foi legada como meio de comunicação, tecer qualquer comentário ao seu maravilhoso texto. Aliás, eu sempre soube que esse dia haveria de chegar. O momento em que, após ler o que você escreveu, quedaria mudo, estupefato, os pensamentos perdidos em recordações, em lembranças de uma infância que até então julgava apenas minha e que, de repente, via invadida, compartilhada com outra pessoa. Incrivelmente 31 anos mais jovem.
[Leia outros Comentários de Ryoki Inoue]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.

Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Comentários ao Código de Processo Civil
Pontes de Miranda
Forense
(1974)



Auto Sketch - Versão 2. 0 Software da Família Auto Cad
Marcos Pereira
Erica
(1993)



A Ilustre Casa De Ramires Queiroz Eca De Ed. 1980
Queiroz
Fisicalbook



Livro A Prisão E A Ágora
Marcelo Lopes De Souza
Bertrand Brasil
(2006)



Pensamento Empresarial Teoria e Pratica: Volume 2
Cte
Fundação Dom Cabral
(1999)



Gramática Básica Para Concursos
Arenildo dos Santos
Ferreira
(2016)



O Padeiro que Fingiu Ser Rei de Portugal
Ruth Mackay
Rocco
(2013)



Crianças francesas não fazem manhas
Pamela Druckerman
Fontanar
(2013)



Livro Direito Como Se Preparar Para o Exame de Ordem 1 Fase Tributário Série Resumo
Robinson Sakiyama Barreirinhas
Método
(2006)



Seleção de Textos-os Pensadores VIII
Sto Tomás de Aquino e Outros
Abril Cultural
(1973)





busca | avançada
52329 visitas/dia
1,9 milhão/mês