Durante muito tempo se convencionou dizer que havia apenas dois
tipos de jornalismo: o bom e mau jornalismo. Entretanto, o bom e velho jornalismo, puro e simples, está cada vez menos simples e mais velho. As novas tecnologias já começam a obrigar – e até há pouco o verbo era "possibilitar" – mudanças na forma como as
notícias são produzidas.
Recentemente, num seminário em São Paulo – o MediaOn – Michael Rogers, futurista do New York Times (uma espécie de estudioso de novas mídias) disse uma dessas verdades absolutas que poucos costumam perceber. Hoje em dia, disse ele, pode não ser comum que um jornalista seja capaz de produzir ou editar texto, foto, áudio e vídeo. Mas os jovens jornalistas já fazem isso. E são esses jovens que, em 20 anos, estarão nas chefias das redações do mundo.
O mesmo raciocínio – apesar de mais contundente – segue Julian
Gallo, editor do blog Mirá e um dos finalistas do prêmio da
Fundación Nuevo Periodismo Iberoamericano 2007 com um texto
publicado no La Nacion chamado "Um novo jornalismo". Ele diz que “na essência, uma história publicada hoje na internet segue sendo produzida da mesma maneira que se fazia historicamente nos meios impressos. O autor faz o importante (escreve) e outras pessoas se dedicam a ampliar ou enriquecer o texto com desenhos e conteúdos. Esta forma de trabalho concebe um autor com um só talento: escrever. Assim se impõe que outro alguém fará a diagramação, outro fará fotos, outro escolherá as fotos, outro fará vídeos e áudios para que outro edite, para que, finalmente, um técnico coloque tudo junto. Uma estrutura desse tipo confere a um jornalista menos habilidades do que tem um adolescente de 16 anos que faz seu blog...”.
É claro que ser capaz de produzir em várias mídias não quer dizer que o jornalista será obrigado a produzir em várias mídias. Américo Martins, editor-executivo para as Américas do serviço mundial da BBC, diz que houve um tempo, há alguns anos, em que se imaginava que isso seria comum, mas as redações descobriram que é impossível mandar um jornalista para o campo com uma “maleta multimídia” e esperar que ele mande textos em tempo real, grave uma áudio-reportagem e ainda apareça no noticiário da noite, na TV, com uma reportagem contextualizada. A idéia de que um jornalista fará o trabalho diário de três (rádio, on-line e TV) já se mostrou inviável. Entretanto, o próprio Américo lembra que a BBC enviou um “multi-homem” para cobrir a guerra no Líbano e teve um bom resultado. Eles apenas não cobraram matérias diárias – o enviado fazia entradas diárias apenas no rádio e on-line, mas gravava para a TV em intervalos de alguns dias.
No Brasil, a experiência do repórter multimídia ainda está no
início. A Agência Brasil é das poucas redações cujos mesmos
repórteres produzem tanto para as rádios da empresa quanto para o on-line, em tempo real. As dificuldades não são poucas – mas o resultado é que temos uma equipe de repórteres
perfeitamente capacitada para executar pautas diárias em ambos
veículos (e alguns poucos fazem inclusive TV – não diariamente,
claro).
O resultado de repórteres capacitados para várias mídias é
benéfico em vários níveis. Uma operação jornalística multimídia
pode oferecer uma história no melhor formato possível, seja ele
qual for. Pode-se, por exemplo, gerar um tipo de reportagem que é a soma de vídeo, áudio, texto, foto e infografia, oferecendo ao cidadão a compreensão mais completa possível de um assunto (como nesta reportagem especial sobre o Rio Madeira. Mas o verdadeiro desafio é criar não apenas a soma das plataformas, mas a fusão delas. Isso significa criar um tipo de reportagem que não é mais simplesmente vídeo, texto ou áudio, mas a mistura disso tudo. O uso do recurso conhecido como hypervideo é uma das experiências nesta reportagem sobre consumo consciente. (E quem quiser ler sobre esse processo pode acessar este texto aqui)
E já há quem exija mais, pelo menos para testar alguns limites. A BBC terminou no início de julho o que chamou de "experiência turca". Enviou o
jornalista britânico freelancerBen Hammersley para cobrir as eleições
legislativas da Turquia. Além de gravar para a BBC World e BBC
News 24, ele fez um teste utilizando ferramentas da Web 2.0,
colocando suas impressões no seu
blog, Flickr, YouTube, del.icio.us e Twitter. “A idéia é expandir a reportagem e
possivelmente alcançar novas audiências de novas maneiras”, diz o editor Richard Sambrook. Ainda
Sambrook: “Não é algo que todo repórter da BBC pode ou deve
fazer. Ben é particularmente experiente no uso da internet e
sites sociais desse tipo”.
A BBC considerou interessante testar o limite do repórter,
verificar o quanto ele é capaz de oferecer além de reportagens
comuns. Todas as notas, métodos, entrevistas e problemas da
apuração foram colocadas on-line. No YouTube, você descobre como um mau contato num cabo do satélite quase acabou com toda a transmissão. “Esperamos que isso abra uma janela sobre como as reportagens internacionais são feitas. Não é perfeito, mas quebra o molde tradicional dos correspondentes internacionais”, diz o editor.
O modelo homem-multimídia pode não ser o ideal, mas o antigo
modelo de reportagem está acabando. Para citar outro exemplo: a
Agência Brasil decidiu fazer a cobertura do Seminário
Internacional de Diversidade Cultural em um blog, e não somente com reportagens tradicionais. A avaliação geral é que o resultado foi muito melhor.
Tendo esse novo passo em vista, muitas dos grandes grupos de
comunicação estão unificando inclusive fisicamente suas redações. Jornais como o Daily Telegraph – exemplo mundial de integração multiplataforma – se organizam agora para receber e produzir notícias, independente do veículo. Você não tem mais os jornalistas da TV ou os jornalistas do rádio, você tem jornalistas.
Arthur Sulzberger, dono do New York Times, disse em Davos, na Suíça, durante o Fórum Econômico Mundial, algo que elucida um pouco o futuro do qual estamos falando. Perguntaram a ele se, com a constante erosão da imprensa escrita, ele achava que em cinco anos o New York Times ainda seria publicado.
“Não sei, mas sabe o quê? Eu não me importo”, disse. Ele explicou que está focado na melhor
maneira de fazer a transição para a internet. O Times já
tem mais assinantes on-line (1,5 milhão por dia) do que
assinantes do jornal impresso (1,1 milhão). Sulzberger disse que o New York Times começou uma longa e dura jornada que irá
terminar no dia em que a empresa decidir parar de imprimir
jornais. E então o ciclo estará completo.
Muitos se recusam a enxergar, mas é fato: a velha mídia e a velha maneira de fazer jornalismo está morrendo. Cabe a nós ajudá-la a morrer mais rápido, ou sermos enterrados juntos.
Post Scriptum
Este texto foi feito a pedido do Jornalistas da Web. Está também no Overmundo. E deve sair no Observatório da Imprensa.
André, também acho que é inevitável que o jornalista se torne multimídia, que faça de tudo um pouco. A grande questão, pelo menos no nosso Brasil, é saber se os jornalistas serão remunerados adequadamente para isso. Porque o que temos visto é de um lado o achatamento dos salários, afinal, todos os anos as faculdades formam muito mais profissionais do que o mercado tem capacidade para absorver; e do outro, o acúmulo também cada vez maior de funções (só não servimos cafezinho ainda). Para mim, mais do que desejar que o velho jornalismo morra, o que eu desejo é que a boa reportagem reviva. Por que é dela que precisamos mais que tudo, independentemente se publicada num velho jornal ou em uma nova internet.
A essência do jornalismo independe do meio físico ou formal. Os arautos saíam cantando suas notícias para suas comunidades. A questão básica é conseguir informar o que acontece e a partir desta comunicação estimular a capacidade crítica-reflexiva da sociedade. O papel físico, de jornal, carta, manifesto, vai passar. Como a clava passou.
Se o futuro for escrever de graça para a internet, podem ter certeza de que a mídia oficial (entre aspas) tirará proveito disso, colhendo o que for de interesse como destaque (também entre aspas). Acho que o jornalismo vem morrendo faz tempo. Lentamente. Para não ficar perceptível a fusão de interesses e a dependência dos setores de capitais... Quem mantém a mídia? A indústria, o comércio, o poder do capital. São esses os assassinos do jornalismo real, investigativo. Se sobrar algo, em milhões de bytes, pode se dizer futuramente que era pura ficção.
Ou já não é dessa forma que a coisa é feita, e a gente ainda não se deu conta. Exemplo: os dossiês da ditadura. Sumiram? Cadê um repórter investigativo para saber por que sumiram tais documentos. Tá todo mundo com medo. A gente vive um fascismo sem precedentes, por ser quase não percebido. Onde vamos parar é a pergunta principal, cuja resposta talvez jamais exista...
É difícil verificar a morte de um jornalista ou o futuro do jornalismo quando a própria economia e as empresesas (do que denominamos de nova economia) não estão seguros sobre o seu futuro. Do mesmo jeito que empresas de jornalismo impresso poderão quebrar depois de décadas no mercado, empresas de jornalismo on-line parecem estar mais propícias ao sobe e desce da economia atual. Antes de pregar o quanto o jornalismo on-line é bom para toda nossa vitoriosa "livre expressão", deveremos também verificar os danos e a falta de uma base que o sustente, nem que seja pelos próximos cinco anos. Quantos endereços de jornalismo on-line irão sobreviver aos próximos cinco anos?
Caro André: discordo totalmente da sua tese. Na minha opinião, o jornalismo, o velho, não está morrendo e, se estiver, fico com a frase do Arthur Sulzberger, dono do New York Times, citada aí mesmo: não me importo. Na verdade junto aqui os dados do artigo ótimo do Rubem Fonseca, neste mesmo numero do Digestivo. Enquanto se falava na morte da literatura de ficção altos autores escreviam seus romances. Evidente que está havendo uma revolução na midia - mas encontrar jornalistas que saibam escrever, tenham cultura, leiam, saibam fazer uma reportagem e usem todos os recursos das novas midias vai ser dificil. Teremos talvez bons vídeos e péssimos ou medíocres textos, belíssimas fotos com simples legendas. Não sei, mas vamos em frente: como as pessoas, nada morre antes do tempo. Enquanto isso, fico aqui escrevendo minhas matérias. Como a caravana, do velho provérbio, o jornalismo passa, enquanto os cães ladram....
Toda perda sempre é dolorosa, pode ser óbvio, mas ninguém gosta de perder algo com que se acostumou ou acomodou. Inúmeras pessoas acharam que a pintura acabaria com a fotografia, ou ainda que o teatro estaria fadado ao fracasso com a entrada do cinema, não acredito que o jornalismo esteja morrendo e sim se modificando, o que parece nescessário num momento onde o fator-tempo junto à tecnologia ditam todas as regras.