Exemplo errado ― Escrever é um verbo escrito e conjugado com S e não com X. O título desta croniqueta está totalmente errado. Tão errado quanto o uso abusivo dos advérbios em mente.
Exemplo certo ― O jornal que eu compro todos os dias passou uma semana anexando à sua edição normal, feito um brinde, uma pequena brochura de 24 páginas sobre o título geral de Como Escrever. Ou How To Write, em inglês. Li todos eles. Textos lúcidos e bem organizados sobre ficção, poesia, comédia, peças e roteiros cinematográficos, memórias e biografias, jornalismo e, por fim, literatura infantil.
Excelente leitura. Nada aprendi. Muito me diverti. História de minha vida.
Volta e meia, acompanho pelas nossas folhas uma discussão infindável que me persegue, e a muita gente boa aí também. Qual seja, se o jornalismo pode ser ensinado e se o jornalista praticante deve apresentar ou não diploma.
Não tenho a menor idéia. Não pretendo, a essa altura do campeonato, apresentar opinião a respeito. Sei que não freqüentei aula de jornalismo, não tenho diploma, destituído também sou das prendas extradomésticas e além-bar do tal do jornalismo. Tudo que escrevo é um exemplo claro de que estou por fora. Ou que fui-me embora. Ir embora implica em muitas ― mas muitas mesmo ― perdas. O diploma é um deles. Não é uma má.
Tenho livro publicado. Ficção. Mais ou menos fictícia. Não freqüentei aula. Matá-las e ir ver treino do Botafogo era muito mais interessante.
Li à beça. No tempo em que eu reunia a curiosidade e a paciência para ler tudo que me caísse às mãos. Sei de umas poucas noções básicas sobre, por exemplo, o que deve ser um romance. E.M. Forster me emprestou uma frase que sintetizo dizendo que sim, que um romance deve contar uma história. O importante é que Forster, danado de inteligente, bom de bola e chutando com as duas, iniciava a ponderação absoluta com uma ressalva muito a seu estilo e equivalente a um suspiro: "Oh, dear!" E prosseguia: "Yes, it must tell a story."
Isso aí. Duro. Mas um romance tem que contar uma história. Com começo, meio e fim. Não necessariamente nessa ordem, como deixaram bem claro Joyce, Proust e algumas centenas de inovadores merecidamente obscuros.
Há que haver, ainda, estilo. Muito estilo. Romancista, jornalista, roteirista. Toda essa gente tem que ter um estilo. Uma voz. Desafinada, mas pertencente ao divulgador da notícia. Notícia que pode ser romance, nota de jornal, peça de teatro, roteiro de cinema.
O que é estilo? Temos que recorrer a Fats Waller (ou Louis Armstrong, dependendo de quem conta a história) que, quando perguntado por uma dama da melhor sociedade o que era o jazz, respondeu, "Se tem que perguntar para saber, não adianta eu explicar que a senhora não vai entender."
Feito samba, estilo não se aprende no colégio. Mas há que se virar e rebolar, rebolar, rebolar até encontrar um dando sopa. Ou depois de se quebrar muita pedra. Sem estilo nada acontece. Com estilo, tudo é possível.
Segundo o jornalista (aliás mais para o ensaísta) Simon Jenkins, a coleção, no pequeno volume dedicado ao jornalismo, dedica algumas palavras valiosas, para passivos e ativos da nada nobre arte de praticar o que sai nos periódicos. Diz ele que o jornalismo se expressa mediante a palavra escrita, embora essa não seja a sua essência.
Sempre segundo Jenkins, jornalismo pode ser ensinado, sim, senhor. Deve, inclusive, fazer parte de qualquer currículo. Com um senão, ou adendo, dos mais importantes: antes de mais nada, há que haver, naqueles que o praticam, uma intensa curiosidade pelo mundo e um profundo amor pela palavra escrita.
Falou e disse, comento mentalmente, no meu melhor, ou pior, cafajestês.
Acrescento apenas que jornalismo é sobre contar para as pessoas coisas que elas não sabiam antes. Ou que pensavam que sabiam.
Tão sabendo? Moraram? Isso aí.
Nada aprendi e tudo esqueci. Mesmo a coleção que o jornal se deu ao louvável trabalho de produzir e distribuir como brinde. Até o início dessa digitação toda destas linhas. Num lembro. Não sou, nunca fui, nunca quis ser, jornalista.
Apenas, como um moleque de praia, ou vigoroso lateral direito da várzea, bater uma bola, dar meus pontapés, alijar da peleja (e escrever é renhida disputa) os perigosos dianteiros da equipe adversária.
Time adversário? A vida. Vocês. Todo mundo.
Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado no site da BBC Brasil, em 29 de setembro de 2008.
Bravo, Ivan Lessa! Texto divertido e instrutivo ("_ Li à beça"). Leitura: de fundamental importância! Além do estilo! Ivan, você me fez lembrar Gustave Flaubert, o desespero do romancista francês em busca do estilo: quando as palavras lhe faltavam, Flaubert saía pelas ruas de Paris a gritar: "_Le mot, le mot, le mot...!" - Flaubert exasperado, em busca do próprio estilo,
esta coisa esquisita que beira o biológico (Roland Barthes). Abraços do Sílvio Medeiros.
Estou começando a publicar os textos que escrevo e, sinceramente, não me senti melhor depois que li este texto. Parece que sou uma criança de quatro anos perto do Ivan Lessa, acho que não li nem um décimo das coisas necessárias para escrever bem e ter meu estilo próprio. Tomara que um dia chegue ao caminho certo...
Ivan, sua origem genética e cultural falam por você. Tendo como precursores a editoria do Pasquim, a criação do ratinho Sig, juntamente com Jaguar, alem da herança literária dos seus pais e avô, você é único e, mesmo não querendo, é um jornalista, pois vive nos contando coisas que não sabemos.
Para acrescentar mais um ponto à interminável discussão "é possível ensinar alguém a ser jornalista/escritor?", sugiro o livro "Para ler como um escritor", de Francine Prose.
Não sei se é possível aprender a escrever bem, mas é possível aprender muitas coisas com esse livro, sendo a principal delas, a meu ver, a enxergar com mais clareza a genialidade dos gênios. Uma leitura mais atenta dos grandes clássicos da literatura pode revelar camadas inesperadas de significado e estilo, e render momentos de renovado prazer: o prazer de ler algo magistralmente escrito!