Pensador da arte contemporânea, iniciador da crítica da arte brasileira moderna, militante político, fundador do Partido dos Trabalhadores, comunista de primeira água, exilado nos governos de Getúlio Vargas e banido no golpe de 64, exilando-se do país por 5 vezes, Mário Pedrosa era um revolucionário. Apostou no potencial da arte no governo socialista de Salvador Allende e, em 1933, já saia em defesa da arte proletária e da arte autônoma. Talvez tenha sido o primeiro a fazer uma consistente interpretação marxista da arte entre nós.
Um dos temas mais explorados pelo crítico no volume Política das Artes, o terceiro volume de seus textos escolhidos (Ed. Edusp), que estão sendo organizados pela professora Otília Arantes, é a origem das relações entre a arte e sociedade. Mário Pedrosa também discute o processo de massificação da cultura na era pós-pop da mídia. No volume Forma e Percepção Estética, o segundo da série, o leitor vai encontrar reflexões fundamentais do pensamento moderno das artes plásticas, como o já clássico ensaio "Arte, Necessidade Vital", sobre a histórica exposição de 1947, no Centro Psiquiátrico Nacional.
Em Acadêmicos e Modernos, o terceiro deles, o crítico nos apresenta uma esclarecedora leitura dos mestres modernistas à arte abstrata, das bienais às neovanguardas, e debate a construção de Brasília, cidade nova, "o produto mais acabado de uma época prevista pelo historiador Henri Pirenne, que viria coroar a evolução dessa entidade histórica que é a cidade, desde a pólis grega e a Comuna medieval."
Segundo Mário, um dos primeiros teóricos da cidade nova, não se pode apresentar Brasília como um exemplo de arte síntese, porque implicaria em integração ou posição da arte na civilização que se desenvolve. A construção de uma cidade requer a reconstrução social. E no volume recém-lançado, Modernidade Cá e Lá, o pensador apresenta um panorama completo da arte moderna, de Calder a Cézanne, da abstração à figuração, entre outros temas.
Segundo Otília Arantes, pode-se compreender a essência da lição de Mário Pedrosa, quando este orienta o artista a buscar "na força expressiva da forma a possibilidade de reeducação da sensibilidade do homem, de modo a fazê-lo 'transcender a visão convencional', obrigando-o a enxergar o mundo com outros olhos e, assim, a recondicionar-lhe o destino".
Para Mário Pedrosa, as idéias do poeta Baudelaire falam alto sobre a crítica. Segundo o poeta, a crítica não pode ser "fria e algébrica" e, "sob o pretexto de explicar tudo", "não ter ódio nem amor", despojada, voluntariamente, de toda espécie de temperamento. E completando a idéia, o poeta acrescenta: "...espero que os filósofos compreendam o que vou dizer: para ser justa, quer dizer, para ter sua razão de ser, a crítica deve ser parcial, apaixonada, política".
Ao polemizar sobre o embate da arte realista versus arte abstrata, Mário Pedrosa defende que esta estava elaborando os símbolos de uma linguagem inédita e encurtando a distância que nos separa dos "horizontes longínguos da utopia".
O crítico é o primeiro leitor da arte pop brasileira e o primeiro a cunhar o termo "arte pós-moderna" para explicar a arte contemporânea: "Hoje, em que chegamos ao fim do que se chamou de 'arte moderna' (inaugurada pelas Demoiselles d'Avignon, inspirada na arte negra recém-descoberta), os critérios de juízo para a apreciação já não são os mesmos que se formaram desde então, fundados na experiência do cubismo. Estamos agora em outro ciclo, que não é mais puramente artístico, mas cultural, radicalmente diferente do anterior, e iniciado, digamos pela pop art. A esse novo ciclo de vocação antiarte chamaria de 'arte pós-moderna' (...). O Brasil participa dele não como modesto seguidor, mas como precursor. Os jovens do antigo concretismo e sobretudo do neoconcretismo, com Lygia Clark à frente, sob muitos aspectos anteciparam-se ao movimento do pop. Hélio Oiticica era o mais jovem do grupo."
O sonho deste visionário era confluir revolução social e arte de vanguarda. Depois de muitos percalços e decepções, o crítico voltou-se inteiramente para a luta no campo político, participando ativamente da criação do Partido dos Trabalhadores. Numa de suas últimas entrevistas, o crítico desiludido, declarou: "Hoje a arte não irradia mais influência, não desperta mais atenção(...). Estamos numa época de crise profunda, de crise ainda mais aguda no Terceiro Mundo(...). Diante de conflitos tão radicais, terríveis, insolúveis, é natural que a arte passe para um nível secundário".
As quatro coletâneas publicadas pela Edusp, sob a coordenação brilhante da pesquisadora Otília Arantes, permite uma avaliação aprofundada do pensamento de Mário Pedrosa. Confirma o crítico como um pensador cultural; alguém que tinha uma missão civilizadora. As suas idéias libertárias da atividade política e estética inserem-se no pensamento cultural do nosso século. As idéias civilizadoras é que dão sentido à existência.
Notas Biográficas
* Em 25 de abril de 1900 nasce Mário Pedrosa, no engenho Jussaral, distrito de Cruanji, Estado de Pernambuco. Filho de Pedro da Cunha Pedrosa e Antônia Xavier Pedrosa. Ele é o sexto de uma família de dez irmãos.
* Adere em 1925 ao Partido Comunista de São Paulo.
* Em 1929 é expulso do PC devido as suas simpatias por Trotsky e começa a organizar o movimento trostskista brasileiro. Trabalha em O Jornal, Rio de Janeiro.
* Em 1930 (dia do trabalhador) é preso distribuindo panfletos na praça Mauá.
* Participa em 1937 do lançamento, pelo Partido Operário Leninista (antiga Liga) juntamente com uma ala do PCB, da candidatura à Presidência da República, de Luís Carlos Prestes, que se encontrava preso.
* Em 1948 viaja à Europa a serviço do jornal Correio da Manhã, e lá entrevista André Gide, Albert Camus, André Malraux, entre outros. Viaja até a Itália e visita Morandi, tornando-se amigo do pintor. Nesta época, influenciados por Mário Pedrosa, os artistas plásticos Ivan Serpa, Mavignier e Palatnik constituem o primeiro núcleo abstrato-concreto do Rio de Janeiro, a quem se unirão depois muitos outros dando origem ao grupo Frente. Dos desdobramentos desse grupo surgirá o neoconcretismo carioca, encabeçados por Lygia Clark, Hélio Oiticica e Ferreira Gullar.
* Em janeiro de 1950, sob a orientação da Dr. Nise da Silveira, Mário Pedrosa e Almir Mavignier organizam a primeira exposição dos artistas do Centro Psiquiátrio Pedro II, no Salão Nobre da então Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro.
* Integra o júri da I Exposição Internacional de Arte Abstrata, inaugurada em 20 de janeiro de 1953, no Hotel Quintandinha.
* Em 1957 assina a coluna Artes Visuais do Jornal do Brasil.
* Participa da Assembléia Geral de Críticos de Arte, em abril de 1958, em Bruxelas.
* É processado em 1970, com mais oito companheiros, sob a acusação de estarem difamando o Brasil no estrangeiro com denúncia de tortura.
* Em 1971, a justiça brasileira enquadra Mário na Lei de Segurança Nacional.
* O mandato de prisão é revogado em 1977. Mário volta ao Brasil em outubro e comparece à Auditoria da Marinha para o julgamento do seu processo.
* Quando o MAM do Rio é incendiado (1978), Mário preparava uma exposição sobre arte indígena que é suspensa.
* Em 1979, o crítico organiza a exposição de Fernando Diniz - paciente do Centro Psiquiátrico Pedro II na (Funarte) e do pintor esquizofrênico Raphael Dominguez (no MAM).
* Em 1980, Mário prepara a edição do volume da Funarte sobre o Museu de Imagens do Inconsciente. Neste ano, o ativista político continua participando da formação do Partido dos Trabalhadores, vindo a ser seu sócio-fundador nº 1, e publica em defesa do mesmo o livro: Sobre o PT.
* Em 1981, às 3 horas do dia 5 de novembro morre Mário Pedrosa em sua casa, em Ipanema, no Rio de Janeiro.
A Missão da Arte (trecho)
...E nós, que somos críticos de arte, que vemos hoje o mundo perdido em um excesso de análise e de contraditórias veleidades, devemos destacar desse conjunto caótico, em suas contradições, o papel da estética em face do papel da ciência. Não desprezemos essa palavra, estética. Valho-me, para isso, de um testemunho inesperado, uma voz trágica em sua grandeza, que em seu tempo colocou o problema de nossos dias de maneira profética, mas de maneira patética também e a meu ver verídica. Refiro-me ao Nietzsche do Nascimento da Tragédia. Talvez tenha sido ele o primeiro a anunciar a "luta do saber contra o saber". O dilema espiritual do futuro, ele o via nos termos: "Dominar o instinto do conhecimento, seja em proveito de uma religião, seja de uma civilização estética; é o que se verá". E ele, Nietzsche, não se furtava: "Sou deste segundo partido". O filósofo do conhecimento trágico domina o instinto do conhecimento desenfreado, mas não é com o auxílio de uma nova metafísica. Ele não estabelece uma nova crença. Sente que o terreno retirado à metafísica é um terreno trágico, mas não se pode satisfazer no torvelinho multicolor das ciências. Trabalha para edificar uma nova vida. Restituiu às artes seus direitos e, assim, tomava partido, quer dizer: contra uma religião, uma metafísica, uma crença nova, a favor de uma civilização estética.
Ao contrário, o filósofo do conhecimento desesperado, previa Nietzsche, mergulhará de corpo e alma na ciência: saber a qualquer preço. No entanto, para ele, o filósofo trágico, "o que completa a imagem da existência é que a verdade metafísica se me apresenta sob uma forma antropomórfica e não é cética". E fazia esta comovedora profissão de fé: "Não somos céticos. Há aí uma noção a criar, porque o ceticismo não é a finalidade. O instinto do conhecimento, tendo chegado ao seu limite, volta-se contra si mesmo para fazer a crítica do saber. O conhecimento a serviço da vida melhor. Precisamos querer nós mesmos a ilusão – eis o que é trágico. A ciência não pode mais ser disciplinada a não ser pela arte. Trata-se de julgamentos de valor relativos ao saber e à multiplicidade dos conhecimentos. Tarefa imensa e digna da arte que tem de realizar! Ela terá de renovar tudo e por si só recriar a vida. O que pode a arte, os gregos no-lo disseram. Sem eles, nossa crença seria quimérica". É esta a missão da arte.
Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Publicado originalmente no caderno "Idéias" do Jornal do Brasil, a 2 de dezembro de 2000.
Parabéns,Pedro. Conheci o Mário Pedrosa em Paris,quando estava exilado. Era uma figura perfeita de intelectual e pensador.Naquele dia conheci também o Flávio Shiró,grande pintor,que ainda vive por lá, casado com francesa. Depois, estive com Mário Pedrosa na Paraíba, no encontro de intelectuais, cartunistas, humoristas, escritores etc.
Estivemos juntos na mesma mesa, tendo ao lado João Câmara. Mário Pedrosa marcou toda a minha geração e ainda marca e marcará as gerações vindouras.
Os comentários da Otília Arantes são sempre precisos. O catálogo do Museu de Imagens do Inconsciente estava à venda havia bem pouco tempo, vale uma leitura desse projeto da Dra. Nise da Silveira, uma discípula de Jung que, aliás, foi quem inaugurou uma exposição na Suiça dos artistas do asilo do Engenho de Dentro.