Uma sociedade plural é muito melhor do que uma sociedade em que todos pensam igual. Sem divergências, nada evolui ― nem o pensamento, nem o país.
Quem escreve em jornal sente na pele essa dinâmica de opiniões conflitantes. São tantos os leitores, das mais variadas origens e crenças, que fica absolutamente impossível almejar uma unanimidade, só em santa ingenuidade. Você fala em sexo e desejo, o outro salta condenando o hedonismo. Você clama por charme na vida, o outro salta condenando que é elitismo. Quem tem razão? Cada um tem a sua, e que se atreva alguém a dizer quem está certo ou errado. Há tantas verdades quanto seres humanos na terra.
O Brasil, em especial, é dos países menos coesos. Deste tamanhão e com esta desigualdade social que tanto nos choca, é como se abrigasse vários planetas a conviverem no mesmo território. E obriga. E rimo: não sei como não sai mais briga.
Uns elogiam 2 Filhos de Francisco, outros apontam a rendição do cinema nacional, que não arrisca nada fora do padrão global. Uns elogiam os shows internacionais, outros questionam: por que não se dá mais espaço pro regional? Você fala de amor eterno, é piegas. Você fala em sedução e liberdade, é a filha preferida do demônio.
Alguns você comove, outros revolve o estômago. Se cita um caso que aconteceu com você, é porque está focada no próprio umbigo. Se cita um caso que aconteceu com alguém, não tem originalidade suficiente. Se inventa um caso que não aconteceu mas poderia, está fazendo ficção onde não devia.
Falou em Nova York, é metida. Falou em Ibiraquera, metida a made in Brasil. Colocou palavras em inglês no texto? Nenhum problema, pensam uns; paredón, pedem outros, que palavra em espanhol pode.
Falou bem do PT? Rendida, vendida, mal-intencionada. Falou mal do PT? Rendida, vendida, mal-intencionada. Não falou de política? Alienada.
Usa palavra antiga, entrega a idade. Usa uma palavra nova, está inventando moda. Que palavra está em voga?
Voga???
O mesmo texto tudo provoca: uns te amam, outros te toleram e alguns não perdem a chance de te esculachar. Como te leem os que te odeiam.
Você toca profundamente o coração de uma senhora e com o mesmo texto enoja um estudante. Uma professora te agradece a contribuição em sala de aula, outra proíbe que os alunos te convoquem. Você defende as minorias e alguns vibram com a referência, outros têm certeza que é deboche. E nem ouse citar Deus em suas crônicas, apenas em suas preces.
É uma aventura a cada linha, uma salada mista a cada ponto de vista. Franco-atiradores a serviço da reflexão, todos nós, os daí e os de cá, sabemos um pouco de tudo e muito do nada, e salve o bom humor diante desta anarquia, já que de algum jeito há que se ganhar a vida.
Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pela autora. Parte integrante do livro Doidas e santas, de Martha Medeiros.
Ah, minha querida Martha! Depois de um do(co)lorido (pra não criar polêmica/rsrs) dia de trabalho, eu me deparo com este texto delicioso. É certo, é um passo para eu adquirir o teu livro. Obrigadoooooo, Martha! Acompanho sua bela trajetória profissional pelos jornais impressos etc. etc. Parabéns! Sílvio Medeiros. Campinas, é outono de 2009.
Olá, Martha! Adorei seu texto, como sempre. Lembrei-me da história que ouvia, quando criança, do velho com um cavalo e uma criança: qualquer opção - ora o velho em cima do cavalo, ora a criança ou até mesmo o velho carregando o cavalo - gerava crítica e ironia.
Aprendi a conviver com as divergências. Por isso mesmo, acho que posso ter as minhas preferências, mas às vezes é tudo muito complicado...
Martha, My Dear: Somos todos uns ingratos, ou nos viciamos na falta de clareza maior nos objetivos do Jornalista Ancestral? Somos viciados ou apenas vitimados pelas estratégias editoriais convenientes de outrora? Nossa Cultura sempre foi esta vista, ou apenas resultou das condutas jornalísticas anteriores? Procure as respostas para tais perguntas e certamente entenderá a nossa honesta ingratidão.
Ganhei o livro da dona da livraria, que sabe que sou fã de carteirinha da Martha. Não ligue, querida: continue escrevendo suas deliciosas e autênticas crônicas! Sempre vão falar de um jeito ou de outro!!!
Martha tem uma escrita charmosa e envolvente. Não é à toa que "Divã" é um grande sucesso tanto no teatro quanto no cinema. Parabéns, querida Martha. Continue sempre assim.