ENSAIOS
Segunda-feira,
8/6/2009
Haydn: 200 anos da morte
Irineu Franco Perpetuo
+ de 6700 Acessos
"Pai" da sinfonia e do quarteto de cordas, mestre do classicismo vienense, admirado por Mozart, professor de Beethoven: idolatrado por seus contemporâneos e reverenciado pela posteridade, Joseph Haydn (1732-1809) é uma daquelas figuras musicais tão gigantescas que nem todas as hipérboles e elogios parecem conseguir dar conta de sua real envergadura.
Em 2004, o Festival Internacional de Inverno de Campos do Jordão tomou-o como tema, e o planeta musical celebra o legado do compositor em 2009, ano do bicentenário de falecimento. Contudo, a quantidade, a qualidade e a importância histórica das obras de Haydn são tão avassaladoras que sempre parecemos estar em débito com esse artesão sofisticado e inquieto.
Não custa lembrar que o primeiro texto sobre música publicado no Brasil tinha como tema o autor de A criação. Trata-se da Notícia histórica da vida e das obras de José Haydn, do francês Le Breton, editado no Rio de Janeiro, em 1820.
A obra de Haydn era bem conhecida em nosso país graças a seu aluno Sigismund Neukomm (1778-1858), que viveu por aqui entre 1816 e 1821. O maior compositor brasileiro daquele período, o padre mulato José Maurício Nunes Garcia (1767-1830), citou um tema da Sinfonia nº 94 "Surpresa", em seu Método de pianoforte, e compôs um salmo Laudate omnes gente, para "encomendações dos inocentes falecidos", que era, ele mesmo escreveu na folha de rosto, "arranjado sobre alguns motivos da grande obra da criação do mundo do imortal José Haydn".
Como se vê, muito antes que se falasse em globalização, suas partituras eram publicadas e interpretadas por toda parte. Os quartetos op. 50, por exemplo, foram dedicados ao rei da Prússia; os op. 33, ao grão-duque (mais tarde, tsar Paulo I) da Rússia; as Sete últimas palavras de Cristo eram encomenda espanhola, de Cádiz, e as sinfonias Paris conquistaram a capital francesa.
Detalhe: a obra circulava, mas não seu autor. Nascido na vila austríaca de Rohrau, em uma família de artesãos e comerciantes, Haydn (cujos irmãos, o compositor Michael e o tenor Johann, também se tornaram músicos profissionais) foi contratado pelos nobres húngaros da família Esterházy em 1761, passando quase quatro décadas de sua existência a serviço dos mesmos.
No castelo de Eisenstadt (perto de Viena, o que lhe permitia atuar ativamente na capital austríaca) e, mais tarde, na isolada propriedade rural de Eszterháza, escreveu um volume monumental de música vocal (especialmente missas e óperas) e instrumental.
O catálogo publicado em 1957 pelo musicólogo holandês Anthony von Hoboken (1887-1983) traz cifras espantosas, não apenas no que se refere aos gêneros mais difundidos (mais de cem sinfonias, 68 quartetos de cordas), mas também itens que hoje vemos como curiosidades, como as 175 obras compostas para o baryton, instrumento de cordas da família das violas que era tocado pelo príncipe Nikolaus Esterházy (1714-1790).
Por sinal, foi só depois do falecimento de Nikolaus, e o consequente afrouxamento de seus laços com os Esterházy, que Haydn pôde viajar para o exterior. A convite do violonista e empresário musical J.P. Salomon, esteve na Inglaterra na década de 1790, divulgando sua música e compondo peças seminais, como as sinfonias Londres e os oratórios A criação e As estações. Foi ainda para emular o britânico God save the king que ele escreveu, em homenagem ao imperador da Áustria, Gott erhalte Franz den Kaiser, melodia que hoje é o hino nacional alemão.
Não deve ter feito nada bem a esse patriota ter visto Viena bombardeada e ocupada pelas tropas francesas em seus últimos dias de vida, em maio de 1809. Ao saber do declínio da saúde do músico, Napoleão, apesar da guerra, ordenou que uma guarda de honra fosse colocada à porta de sua casa, na capital austríaca. Um exemplo de respeito e reverência da política pela música que, infelizmente, continua a ser atípico e raro, 200 anos depois.
Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado na Revista Concerto, em maio de 2009.
Irineu Franco Perpetuo
São Paulo,
8/6/2009
Quem leu este, também leu esse(s):
01.
Sergio Britto & eu de Michelle Strzoda
02.
A Cultura do Consenso de André Forastieri
03.
De Kooning em retrospectiva de Sonia Nolasco
04.
Allen Stewart Konigsberg de André Forastieri
05.
Um abraço em Moacyr Scliar de José Castello
* esta seção é livre, não refletindo
necessariamente a opinião do site
|
|
|