Morreu Vinicius de Moraes. Às 10 horas da manhã me telefonam da Manchete pedindo um artigo de cinco laudas sobre o poeta/cantor. Penso, sem saber que ele morrera, que era mais uma dessas reportagens sobre Vinicius. Como me havia sentado pra escrever o livro sobre "carnavalização", argumentei que não era possível, por absoluta falta de tempo. A seguir me telefona Zuenir Ventura da Veja e me comunica a morte e pede um depoimento. Pasmo com a morte, comento-a com Marina. A seguir telefonam do Jornal do Brasil pedindo um artigo de três páginas para daí a quatro horas. Depois telefona de novo a Manchete insistindo. Eu me explico, que não aceitara porque não sabia da morte do poeta. Mas combinamos o artigo. Telefona a IstoÉ e eu me escuso. Vem O Globo e mais o Jornal Nacional para uma entrevista curta. Comento, autocriticamente, com Marina: "Pronto! O ser humano não tem jeito. Cá estou eu já usufruindo a morte do poeta. Ai, meu Deus!, não temos jeito".
Cancelo duas entrevistas, com o brasilianista Malcon Silverman e com o poeta cearense Adriano Spínola ― o qual levo ao enterro. Lá encontro Otto, Fernando, Hélio, Autran, Nelson Motta, Jomico Azulay, Jaguar, Sérgio Cabral, Sábato Magaldi, Edla van Steen e dezenas de outros. Drummond lá está com Dolores, ele abatido com a barba por fazer por causa da herpes que pegou há dias.
O enterro não é triste. Este poeta viveu a sua vida melhor que muita gente. Dizem que Drummond sempre diz que queria ser Vinicius (por causa da desrepressão existencial). Lá estão também Callado, Gullar, Moacyr Felix, Ênio e outros. Olho todos em volta, todos nós ensaiando a própria morte, imaginando seu enterro e as caras dos outros.
Não há tristeza exatamente. Hélio Pellegrino faz uma frase: "Com a morte de Vinicius abre-se uma vaga na Academia, mesmo que dela não faça parte". Converso com Hélio sobre a interpretação psicanalítica do poeta, lembrando o ensaio que tenho sobre ele e que sairá no livro O desejo e a interdição do desejo ― já atrasado 4 anos[1].
No sepultamento, algumas mulheres choram alto e falam frases nervosas, lamentando a morte do poeta. Uma implora que cantemos todos as músicas dele. Implora. Implora. Começamos timidamente a cantar.
No Jornal Nacional fazem uma bela reportagem, mas não dão minha entrevista. No entanto, usam minha frase: "V. M. era o último grande poeta romântico". Usam-na e não dão crédito. Ah, essa imprensa. Fico puto.
Vinicius era necessário. Vindo para casa com Jomico Azulay, comentamos como a geração de Vinicius, Fernando, Otto, Hélio, Millôr, Sérgio Porto foi importante para nossa geração. Lamento, no entanto, que não tivessem a visão e a consciência dos latino-americanos como Llosa, Fuentes, Cortázar etc. Mas de qualquer forma ajudaram a mundanizar a literatura e a popularizá-la.
Estive a primeira vez ao lado de Vinicius em Belo Horizonte, num bar de hotel. Ele, impaciente, precisava de uma presença feminina, acabou desencravando de mim o telefone de uma cantora ― Rosana Tapajós. Isto foi em 1961. Depois autografamos juntos na UNE, em 1963, numa imensa festa, o Violão de rua nº 1. Nós e mais dezenas de poetas. Eu, o mais jovem deles. Nos vimos acidentalmente várias vezes. A última foi em sua casa numa entrevista que seria publicada (e não foi) em livro. Estavam lá, Marina e eu, Sérgio Cabral, Teresa Cesário Alvim, que comandava a gravação, Max da Costa, editor da Graal, que morreu daí a meses, Jaime Lerner, antes de ser reconduzido à prefeitura de Curitiba, Moacyr Werneck e a mulher argentina do poeta, jovem e linda.
O poeta contou casos de sua vida e de como invejava Jorge Ben que, certa noite, ouviu baterem na sua porta após um show: era Brigitte Bardot que havia vindo para dar para ele. Contava também que Sérgio Buarque de Holanda, então estudante na Alemanha, num restaurante viu as calcinhas de Marlene Dietrich, que sentada em frente cruzara as pernas. Parecia um garoto adolescente falando do mistério e segredo "inalcançável" das mulheres.
É isto. Parece que foi um adolescente até morrer com 67 anos.
[1] O livro sairia em 1984 com o título O canibalismo amoroso (Ed. Brasiliense), depois reeditado pela Rocco.
Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Escrito em 9 de julho de 1980, faz parte da série "Quase-Diário", que vem sendo publicada na coluna que Affonso Romano de Sant'Anna mantém no jornal Rascunho. O texto acima foi publicado na edição de julho de 2009.
Para o amor, o seu poeta nunca morre; ele se estabelece num outro patamar, numa outra esfera, que fisicamente não vemos. E permanece no coração de quem ama, no pensamento de quem nunca esquece.