Havia grande expectativa sobre qual o papel que a internet teria nas eleições deste ano. Todos os especialistas em marketing se perguntavam quem seria o novo Obama, que usou com inteligência os meios digitais em sua campanha, a ponto de ter sido eleito o anunciante do ano no festival de publicidade em Cannes.
O IAB, inclusive, em um evento reuniu os responsáveis pelas ações on-line dos principais candidatos a presidente, apenas para fomentar e entender esta discussão, que gerou um belo painel no evento de 15 anos da entidade.
Enfim, sendo o Brasil mundialmente reconhecido como o país onde as pessoas passam mais tempo on-line e o paraíso das redes sociais, este sentimento era natural.
Perdoem meu trocadilho, mas o uso da internet nesta eleição esteve muito mais para Olama do que Obama. Foi uma baixaria total.
Falo de minha própria experiência: Facebook, Orkut, Twitter, e-mail... bombardeios de todos os lados.
Reza a lenda que teve candidato que criou uma central de produção de factóides, que contou com centenas de pessoas, que eram prontamente desmentidos pela brigada de quem sofria os ataques.
Outro ponto curioso foi o papel do cidadão comum.
Alguns mais ativistas vestiram a camisa de verdade e, cegos por uma paixão comparável apenas à futebolística, travaram debates intermináveis, muitas vezes com argumentos tacanhos e, claro, com muitas ofensas pessoais a quem ousava se opor a seu candidato e suas ideias.
Tive um debate desses no Twitter, quando falei que determinada hashtag (palavras antecedidas de "#", que é utilizado para indexação de assuntos quando você realiza uma busca) estava sendo usada artificialmente para inflar sua relevância, atingir os Trend Topics (os temas mais comentados no Twitter) e dessa forma mostrar a insatisfação das pessoas com determinado candidato.
Ora, o bom profissional de marketing sabe que há técnicas para se fazer isso. Por exemplo, diariamente o pessoal do Pânico em seu programa da hora do almoço solta uma tipo "vamos colocar a Sabrina nos TTs (apelido carinhoso dos Trend Topics)". Aí vem uma avalanche de tweets com a hashtag que eles inventaram e. bum! Tá lá o assunto como mais comentado.
Voltando a meu debate: uma simpatizante de determinado candidato literalmente me interpelou e insistiu que isso é impossível; e foi além, chegou a me desafiar a criar um tema para ver se ele chegava ou não aos mais falados. Santa ingenuidade, Batman!
Enquanto isso, o YouTube cumpriu seu papel como repositório de vídeos impagáveis, no caso dos candidatos a cargos legislativos. Porém, acredito que foi pouco utilizado de forma eficiente e profissional, para realmente atrair a simpatia e interesse dos eleitores, como fazem grandes marcas com seus produtos em busca de potenciais consumidores.
Enfim, por mais interessante que tenha sido ver de repente todos os meus amigos no Facebook transformarem-se em analistas políticos, o fato é que muito pouco se inovou no lado dos candidatos.
A internet foi apenas mais um canal para transmitir os discursos vazios e retóricos que levaram os debates televisivos a índices pífios de audiência.
Sabemos que nossa legislação eleitoral tem limitações e é retrógada em muitos pontos, incompatíveis até com um mundo de comunicação global. Fica a esperança de que isso possa ser revertido e, em um próximo pleito, a classe política faça uma revisão de como se apresentar e atuar nos meios interativos.
E, principalmente, que os políticos continuem usando este canal para comunicação no dia a dia com os eleitores, coisa que já vemos cada vez menos, agora que a eleição passou.
Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado no Webinsider. Marcelo Sant'Iago é publicitário e mantém o blogPoucas&Boas. Leia também Especial "Eleições 2010".
Há uma confusa mistura de racional com comportamental nesta reflexão, sobretudo quando tenta apartar valores e convicções cobrando um posicionamento que espera do público em geral um mínimo de atenção para com a cena política. Existe um ciclo de contato, domínio e uso pleno para toda novidade tecnológica, e tal ordenação é mensurável em qualquer recorte em que seja possível atestar a fluência do público com tais elementos. Cabe conjecturar quais caminhos levaram a estas reflexões.