ENSAIOS
Segunda-feira,
24/1/2011
A Princesa Hijab e o BBB11
Paulo J. P. de Resende
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O metrô de Paris tem sido assolado por uma ameaça que não tem nada a ver com os protestos dos trabalhadores contra as reformas trabalhistas e nem com o fantasma de uma crise econômica: trata-se da autointitulada "Princesa Hijab", que faz incursões nas galerias subterrâneas para promover intervenções estéticas nos cartazes publicitários.
Hijab cobre os corpos dos modelos com tinta, formando véus negros pesados que só deixam à mostra os olhos e eventualmente as mãos. Mais do que um simples ato de vandalismo, ela (ou ele, não se sabe sua identidade verdadeira) promove uma reflexão sobre algo que, de tão vulgarizado, já nem faz parte do nosso vocabulário: privacidade.
A arte tem o poder de usar a vida como suporte para trazer aos holofotes elementos relevantes, estejam eles em voga ou esquecidos, ou mesmo considerados como "naturais", inerentes à civilização moderna, há algum tempo. Assim é com a violência, a fome, a indiferença e com outros fenômenos tão presentes na sociedade contemporânea. A Princesa Hijab atribui às peças de propaganda uma privacidade involuntária, faz com que lembremos que há significado na decisão de mostrar ou cobrir.
Por que isso merece a atenção do leitor? Porque a regra, hoje é em dia, é vivermos sob um regime exatamente contrário. Estamos cada vez mais expostos, cada vez mais à mostra para quem quiser ver. Não há mais privacidade, com tantas câmeras e tanto monitoramento, com os celulares e as webcams ansiosas pelo ato compulsivo de captar e transmitir...
Por mais que cada um de nós tente se esconder, levar uma vida tranquila, todos corremos o risco de, de uma hora para a outra, nos tornarmos o centro das atenções de milhares de pessoas, mas justamente em nossas ações ou pensamentos mais íntimos, naquilo que deveria ser somente nosso e de mais ninguém. Quando isso ocorre por conta de uma ação deliberada, tudo bem. Mas nem sempre é o caso.
Vivemos hoje o modelo do "veja o quanto puder": o Big Brother Brasil, um reality show mais do que conhecido, chega à sua décima primeira edição sendo fiel ao conceito original: exposição, exposição, exposição... e testes de aceitação pelo público.
A cada temporada, celebridades instantâneas são trazidas aos espectadores que, por meio de votos e manifestações de apoio ou repúdio a cada candidato (no final das contas, diferentes formas de "consumir" o mesmo produto), dão fôlego ao programa e justificam a sua longevidade. Mais do que isso, o Big Brother foi de certa forma o precursor de dezenas de tantas outras atrações que hoje povoam canais de TV aberta e por assinatura. O sucesso de atrações como essas dá indícios de que ainda poderemos assistir ao BBB12, BBB13 etc.
Uma ação subversiva como a da Princesa Hijab nos força a uma reflexão sobre o "mostrar ou cobrir": depois de uma escalada da liberalização do comportamento de homens e mulheres, da quebra das barreiras das censuras impostas em nações espalhadas pelo globo, e da hipertrofia da exposição da realidade nua e crua a despeito da nossa vontade de ver ou não, é providencial rediscutirmos o espaço da privacidade individual.
Não estou aqui defendendo o anacronismo, o retorno ao tempo em que tornozelos à mostra causavam rubor e protestos, mas o resgate do valor da decisão individual quanto a exibir ou não cada parte de nosso corpo e de nossa intimidade. Em tempos nos quais tudo é publicado, escrachado, pode ser saudável o exercício de cobrir.
A Princesa Hijab tem tido razoável sucesso na sua estratégia de mostrar e esconder: entre outras coisas, permanece livre e atuando nas mesmas galerias há mais de um ano. Seus contatos com o imprensa são agendados e ela se limita a falar daquilo que diz respeito à sua produção, e não de si. E sua verdadeira identidade continua uma incógnita, a despeito das especulações.
Entre os mistérios de Hijab e as exibições do BBB11, devemos trilhar o nosso próprio caminho. Há quem se sinta confortável em mostrar tudo a todos, a ponto de transitar de forma desinibida e desnudada nas ruas, na mídia e na internet. E há quem não suporte a ideia de compartilhar sequer os pensamentos mais banais com quem quer que seja. Mais do que optar por um extremo ou outro, devemos ter em mente que essa decisão é exclusivamente nossa, quando o que está em jogo é a intimidade.
Nota do Editor
Paulo Resende é especialista em políticas públicas, inovação e empreendedorismo. Fotógrafo por paixão, usa seu olhar aguçado para observar o mundo. (Leia também "A Brasilianização do Mundo".)
Paulo J. P. de Resende
Niterói,
24/1/2011
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